10/10/2013
Como a Imprensa Republicana endeusava Afonso Costa
A Imprensa Republicana, nomeadamente aquela afecta aos Democratas de Afonso Costa, sempre defendeu o seu líder, publicando textos laudatórios do carismático político, que marcou indelevelmente os primeiros sete anos de vigência do regime implantado em 5 de Outubro de 1910.
O brilhante parlamentar tinha sido forçado a demitir-se, ao fim da sua primeira experiência como chefe do governo, o que deixou em estado de choque grande parte da Imprensa, de Norte a Sul do País, que defendia com toda a determinação e assertividade o governo do advogado de Ceia, jurando ser ele o único defensor e até salvador do regime, que continuava longe da sua consolidação.
De modo que, mal foi nomeado outro chefe do executivo e um novo elenco governativo, chefiado, como é sabido, por Bernardino Machado, essa Imprensa a que me referi está no terreno numa campanha fortíssima de reabilitação de AC, preparando a opinião pública para levar ao poder, novamente, o mais breve possível, o homem que até tinha conseguido bons resultados (coisa rara nos governos da República) no curto período de tempo que esteve a chefiar o governo que acabou por se demitir.
Organizavam-se festas em sua honra, convidava-se a população para espaços emblemáticos das principais cidades, principalmente Lisboa e Porto, onde o grande tribuno era vitoriado, ao ponto de levar ao êxtase multidões fascinadas com a presença do, até ali, principal símbolo do sistema político que substituiu a Monarquia.
Nesta onda de aclamações a uma figura grada republicana teria sempre presença obrigatória o hebdomadário lafonense Ecos do Vouga, já que, desde o primeiro momento, nunca regateou o tributo ao homem em questão, com rasgados elogios, raramente feitos a um político, como aliás, eu aqui, por várias vezes, dessa posição dei conta.
Em conformidade com o cenário traçado, o jornal de Emílio Torres e Moreira de Figueiredo, desta vez citando um texto do diário lisboeta O Mundo, traz aos seus leitores uma reportagem da grande festa de homenagem prestada pelos liboetas ao chefe do PRP, acompanhada de uma síntese da sua obra em prol da República. Em 17 de Maio de 1914, com o título “Dr. Afonso Costa”, o periódico escrevia: “Foi imponentissima a festa que ontem se efectuou no Coliseu dos Recreios, em homenagem ao sr dr. Afonso Costa. Milhares de pessoas, esquecidas do lindo dia de sol convidado-as a passear pelos arredores, partilharam entusiasticamente daquela festa civica, daquela manifestação essencialmemte patriotica, que se dedicava ao grande republicano que, com os seus actos e não com vâs palavras, tem mostrado ser o mais alto e completo estadista da Republica. O talento excepcional do sr. dr. Afonso Costa apoderou-se de todos os problemas capitais do nosso paiz, e que desde a proclamação da Republica atè hoje se consideravam como os pontos criticos que feriram a estabilidade da vida nacional……”.
E mais à frente:”….. Como ministro da justiça consolidou juridica e moralmente a República num paiz onde a arvore do fanatismo espalhàra raizes fundas na terra e onde o previlegio das castas fazia do povo um feudo de servidão. Expulsou frades e jesuitas, promulgou leis de emancipação social, de liberdade religiosa, de auxilio aos desherdados, de proteção aos perseguidos por ordens reais absurdas, de nobilitação e franqueza dos lares, de defeza dos filhos abandonados e das mães desesperadas. Como ministro das finanças conseguiu provar ao mundo inteiro que a monarquia caiu, porque a monarquia era a deshonra de uma patria coberta de gloria a caminhar para a ruina e o aviltamento de um povo a capitular sucessivamente diante dos credores……”.
E a terminar: “……A nação, aclamando-o, aclama nele o cidadão em que o destino encarnou as suas ideias de desforra, de civilisação e de liberdade emancipadora. A Republica, aclamando-o, aclama nele o dedicadíssimo democrata que pela sua segurança vèla a toda a hora, que pelo seu prestigio, força e defesa heroicamente combate a todo o instante!”
Estávamos em 1914. Os três partidos saídos de cisões no grande Partido Republicano Português, Democrata de Afonso Costa, Unionista de Brito Camacho e Evolucionista de António José de Almeida, tinham como órgãos de imprensa, respectivamente, O Mundo, A Lucta e o República. Estes diários assumiam, claramente, o seu alinhamento partidário, tendo como missão prioritária a divulgação dos princípios orientadores e das ideias do agrupamento político, nunca esquecendo a propaganda pura e dura e a constante tentativa de apoucar os seus adversários. Pelo meio, notícias várias do Portugal Republicano da segunda década do século XX.
Muitas vezes, a Imprensa Regional que tinha também a sua conotação partidária bem explícita, como era o caso do nosso Ecos do Vouga, servia-se destes grandes órgãos para reproduzir os grandes eventos, as notícias em primeira mão, ajustando-as sempre ao seu enfeudamento político, que, em parte, era quem garantia o seu próprio funcionamento.
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