A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República
O Ecos do Vouga alicia as Juntas de Paróquia para a sua causa
• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 24/04/2014 (Ed. 653)
O semanário lafonense tinha uma missão que não podia deixar de levar a cabo: fazer a “vida negra” ao elenco camarário, liderado por um inimigo, monárquico de coração, mas tudo e o seu contrário, no dizer do periódico, para conseguir sobreviver e controlar toda a actividade política e não só, em S. Pedro do Sul. A Imprensa republicana, antes e depois da Implantação da República, sempre se caracterizou por uma afirmação vigorosa, na agressividade da linguagem, na coragem para enfrentar poderosos adversários, no não desistir facilmente dos seus objectivos. Porque não era fácil apear os seus contrários locais das Instituições que ocupavam, na medida em que os ideais que a publicação defendia continuavam a ser minoritários na Região, havia que colocá-los constantemente em causa, investigar tudo e mais alguma coisa em que o Município estivesse envolvido, mimoseá-los com epítetos nada agradáveis e pouco abonatórios. Para tudo isto o hebdomadário estava preparado e não deixava o seu crédito por mãos alheias.
O “dossier” Termas não estava, de modo algum, fechado, uma vez que a estratégia camarária não se desviava do rumo traçado por Ferreira de Almeida, e o jornal não admitia desistir. Assim, desta vez, vira-se para as Juntas de Paróquia (organismos que, a partir de 1916, foram substituídos pelas Juntas de Freguesia), tentando que elas não aprovassem um novo empréstimo que o executivo municipal se preparava para contrair. Pelo que se depreende do editorial do Jornal e, na medida em que as referidas Juntas teriam direito de veto nessas responsabilidades financeiras, já as mesmas tinham inviabilizado um empréstimo para as Termas. Portanto, era, mais uma vez, altura de implorar às Juntas que impusessem a sua não aprovação, a fim de a Câmara não poder levar a cabo os seus intentos, ou seja, fazer mais obra e renovar o apoio para continuar o domínio que, há muito, exercia no concelho.
Mas, melhor que qualquer comentário que se possa fazer, será vermos o que o periódico escrevia em 5 de Agosto de 1915, num artigo com o título “ÀS JUNTAS DE PAROQUIA”: “Vai em nove meses que os “pais da Pátria” locais geraram e as Juntas de Paroquia fizeram abortar UM EMPRESTIMO MUNICIPAL DE DEZ CONTOS, destinado a obras no edifício termal e á conclusão duma Represa no rio Vouga.
Pois agora, como em dezembro de 1914, deste lugar vamos dirigir um apêlo às mesmas Juntas, a fim de as prevenir contra um possível e novo assalto que, com idêntico fim, lhe venha a fazer a ilustre e douta vereação de S. Pedro do Sul.
Diz-se já, por ai, e sem se pedir segredo a alguém, que um novo empréstimo se almeja realizar, para a conclusão das obras incompletas, como as Avenidas, Represa e Edificio Termal…..”
E mais à frente: “….. No rendimento das Termas tem sido, certamente englobado o do jogo, o que induz a erro, tornando graciosa a afirmação de que os referidos rendimentos são garantia bastante a novos empréstimos. Sendo o jogo proibido, onde ir buscar os 700 escudos do Casino, para as anuidades (juro e amortização)?!
Ninguem nos dá, tal garantia, repetimos, ninguém nos afiança sequer a rigorosa aplicação das verbas orçamentais, pois, como se tem visto, a maioria camararia tem auctorisado a Comissão Executiva a fazer a sua transferencia, alijando embora compromissos com o publico, para satisfazer exigências creadas não só pelas clientelas devoristas, como pelos anteriores e imorais contratos…”.
E termina: “……Pois, se elas (as Juntas), há tempos, se recusaram a aprovar o empréstimo de 10 contos, como poderiam agora aprovar quaisquer outros?
Que garantias de administração oferece o Presidente da C. Executiva?!
A dar-se esse facto, poderia supôr-se que as Juntas haviam sido subornadas, no que não acreditamos, no que não queremos mesmo pensar, tal o conceito que nos merecem os seus membros.
Nestas condições, o nosso grito é de
ÁLERTA JUNTAS DE PAROQUIA NA DEFEZA DOS INTERESSES DO POVO DO CONCELHO.
ÁLERTA E SEMPRE ÁLERTA”.
Num período histórico de grande taxa de analfabetismo, em que os poderes públicos controlavam e manipulavam as populações a seu bel-prazer, a importância destes pequenos periódicos nas localidades do Interior do País, apesar de apenas serem lidos por muito poucas pessoas, revelava-se fundamental para forçar a existência de comportamentos mais adequados por parte das autoridades. Com todas as polémicas, os excessos de linguagem utilizados, a violência física, por vezes, exercida sobre os autores dos escritos que punham em alvoroço a classe dirigente, por muito pouco tempo que os jornais exercessem esse poder, valia a pena, era extremamente útil esse esforço. Sem essas publicações a vida teria sido bem pior em muitos lugares no Portugal dos princípios do século XX.
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