A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República
A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República
O engajamento da Imprensa no regime republicano

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 15/05/2014 (Ed. 654)
Dos grandes jornais nacionais aos pequenos periódicos regionais e locais, um traço característico os unia: todos, ou quase todos, dependiam e, em muitos casos, eram propriedade dum partido político, duma instituição ou até dum credo religioso.
Se compararmos a Imprensa livre e, em boa parte, independente, que hoje temos, apesar de estar em crise com as dificuldades económicas de sustentação, com a realidade dessas primeiras décadas do século anterior, encontramos uma diferença abissal, que se compreende, entre a maturidade democrática actual e a precariedade, o amadorismo e, sobretudo, o seguidismo dos jornais desses tempos (pelo menos na Imprensa regional e local, que é a que melhor conheço).
Vem isto a propósito da situação peculiar vivida em S. Pedro do Sul, nesses primeiros anos da República. Duas facções políticas no terreno, apoiadas por dois periódicos aguerridos e prontos a dar tudo por quem os sustentava, pela sua “dama”, de quem dependiam: os republicanos do Partido de Afonso Costa, respaldados no jornal Ecos do Vouga; os monárquicos encapotados, travestidos de republicanos de última hora (segundo o periódico republicano), liderados pelo médico Ferreira de Almeida e suportados pelo semanário Jornal de Lafões.
As duas publicações, desde o primeiro ao último dia da sua curta existência (pelo menos no que respeita ao Ecos do Vouga), sempre se digladiaram, exibindo os argumentos que as duas formações políticas defendiam para S. Pedro do Sul.
Ainda e sempre à volta das contas das Termas e dos empréstimos contraídos e a contrair pela Câmara, vejamos o que em 2 de Setembro de 1915, a poucas semanas de acabar, o jornal de Emílio Torres escrevia, num artigo com o título “Como o Dr. Ferreira mente no “J. de Lafões””: “Os processos de que mestre Ferreira se serve no seu jornal, para embair os seu leitores, mais uma vez os vamos evidenciar para que não admita duvida alguma ser ele fiel subdito, da mentira cuja apologia faz para fins que julga convenientes aos seus interesses.
No numero 648 subordinado ao titulo “A iluminação electrica na vila” em N. B. diz: “O empréstimo de 10 contos foi aprovado pela maioria das juntas.
Creio que disseram, escreveram, telegrafaram, clamaram que as Juntas o tinham rejeitado. Não sei para que essa mentira”.
É com processos ardilosos que sempre teem feito politica e jornalismo aliáz indecente e reles.
Quando em fevereiro ou março ultimo dissemos que a maioria das Juntas de Paroquia não tinham aprovado o empréstimo, dissemos a verdade porquanto as das freguesias de Baiões, Figueiredo de Alva, Bordonhos, Varzea, Sul, Pinho, Serrazes, Santa Cruz da Trapa, S. Felix, Covelo de Paivô, S. Pedro do Sul, nas reuniões que fizeram para dár parecer acerca do empréstimo de 10 contos, deliberaram não autorizar a Camara a contrai-lo.
Essas resoluções, umas por oficio outras por copia da respectiva acta, foram enviadas á Camara e, por isso, o Ferreira que se alapardou com elas, bem sabia que onze Juntas, a maioria, tantas são as enumeradas, lhe não foram favoráveis aos seus desejos de desperdício e má orientação administrativa….”
E termina: “…Duma certidão passada pelo sr. Secretario da Camara extraímos o seguinte mapa (mapa que não vou reproduzir) que elucida completamente os leitores ácerca dos leaes processos, que sempre usamos por norma para com o publico e assinantes e por ele verão se nós mentimos ou se é o “Lafões” que usa de taes processos sem vergonha de espécie alguma.”
Teria sido extremamente interessante acompanhar o permanente duelo jornalístico, mantido ao longo dos anos de 1913, 1914 e 1915 (tempo de duração do jornal republicano), entre os semanários Ecos do Vouga e Jornal de Lafões. Porém, tal não foi possível, dado que não logrei o acesso, se é que existe, ao espólio deste último. Assim, o que consegui contar foi um monólogo, ainda que vivo e rico em peripécias políticas, oferecido pelo periódico de Emílio Torres e Moreira de Figueiredo, dois republicanos dos “quatro costados” que, ao longo de três anos, dirigiram com coragem e determinação uma publicação cercada por inimigos de toda a espécie, mas que resistiu, enquanto lhe foi possível, sem nunca defraudar os seus leitores.
Mais um jornal chegava ao fim, provavelmente para dar lugar a outro, uma vez que o ritmo de nascimento e morte de periódicos, nesses tempos conturbados, era de grande intensidade.
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