O Ecos do Vouga e a evocação do 31 de Janeiro

Norberto Gomes da Costa

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

O Ecos do Vouga e a evocação  do 31 de Janeiro

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 16/01/2014 (Ed. 646)

A Revolução de 31 de Janeiro de 1891 foi a primeira tentativa armada republicana para  pôr fim à Monarquia. A degradação da vida pública do País que se vinha acentuando de dia para dia, agravada com o Ultimato Inglês de 1890, tido como extremamente vexatório para Portugal, levou um punhado de adeptos fervorosos dum sistema político contrário ao que, então, estava em vigor, a pôr em marcha uma sublevação, com base na cidade do Porto, com vista a substituir o velho regime monárquico por uma República.

A presumível má preparação do golpe, a provável precipitação e o aventureirismo dos directórios do movimento (civil e militar), que não tinham o aval e a participação do Partido Republicano Português, nem sequer das suas primeiras figuras, levou a que o levantamento fracassasse e caísse sobre aqueles que não puderam fugir, condenações, mais ou menos pesadas,  de prisão ou de degredo.

Caía assim por terra esta amadora tentativa armada de mudar os destinos da Pátria Portuguesa, deixando nos republicanos um sabor amargo de derrota, mas também a satisfação e o alívio por não terem hipotecado os principais trunfos (leia-se as mais gradas personalidades do republicanismo) nesta aventura que não podia levar a outra coisa que não fosse o desastre que veio a acontecer.

Apesar do desenlace, esta efeméride, comemorada durante o consulado republicano, revestia-se sempre de uma profunda compreensão e gratidão, por parte dos seus fiéis,  para com os que pereceram na Revolta, assim como com aqueles que nas prisões ou no exílio sofreram as agruras próprias dos perdedores.

Assim, o 31 de Janeiro era lembrado e festejado, com toda a dignidade revolucionária, pela imprensa afecta ao regime, sempre que a data se aproximava do dia do desastroso acontecimento. Neste contexto,  o dedicadíssimo semanário de Emílio Torres e Moreira de Figueiredo não se poderia furtar à evocação dum evento desta natureza, como iremos ver.

Em 28 de Janeiro de 1915, quando a Revolta ia fazer 24 anos, num texto, extraído duma obra também ela evocativa, com o título “31 DE JANEIRO DE 1891”, podia ler-se: “A manhã do dia 30 surgira nevoente, tristonha, açoitada pelo vento agreste do inverno.

Dahi atè à noite alta, a chuva cahiu a espaços inundando a cidade e afastando das ruas do Porto a massa de transeuntes.

João Chagas, encurralado na cadeia da Relação, recebera à noite a visita de Alves da Veiga, que sombrio e preocupado lhe dissera, falando do movimento prestes a rebentar:

* Vae sêr desastroso…

* Evite.

* É tarde….

Ao começo da noite, os soldados da guarda à cadeia e que estavam no segredo da conspiração foram despedir-se de João Chagas:

* Vimos dizer-lhe adeus… até logo

Que se passou depois? Fala o brilhante jornalista, confiando ao autor desta narrativa as suas impressões da madrugada trágica:

“Já decorreram vinte anos sobre a derrota….

Na vespera á noite, assim que a treva obscureceu o ambiente, começaram para mim horas inquietas e perturbadas. Sabia que a insurreição devia rebentar ás 3 da madrugada.

Tirei o relogio do bolso. Eram 8 horas. Distrahi-me com coisas futeis, bebi café e fumei como um desesperado. Ainda, como distração e talvez para surpreender mais dificilmente o primeiro rumor dessa arrancada decidida contra a monarquiau, abri a janela. A noite, humida, afogava a cidade……”

Mais à frente: “…..A fadiga e a comoção prostraram-me.

Exausto, renunciei a saber, a indagar, a prescutar..

Tombei no leito, fechei os olhos e dormi.

Quando despertei, era manhã clara. A nevoa dissipou-se e a cidade surgia cheia de luz. Corri á janela. O socêgo parecia completo. O dia anunciava-se lindo, calmo.

Mas não tardou que um homem de quem não me lembrava o nome, entrando na cela, me comunicasse que a revolução estava na rua, e, seguindo-o e enfiando a cabeça por umas grades de ferro, presenciei efectivamente um dos episodios do combate.

O movimento estava realmente no seu auge…….”

E a terminar: “:…..O resto é por demais sabido. Ao começo da tarde, a bandeira revolucionaria, que até então tremulára no edificio da Camara, desapareceu com o estrondear do canhão. Esse trapo,  que era a minha esperança, sumira-se após um tiroteio pavoroso, encarniçado.

Ao declinar do dia, tive a sensação da derrota.

Sobre a cidade caia verdadeira mortalha.”…..”

O texto que acabei, parcialmente, de citar faz parte da obra  A Revolução Portugueza de Jorge Abreu  e representa o depoimento, ao autor da referida obra, vinte anos depois, do jornalista João Chagas, então detido na cadeia da Relação do Porto que, ainda assim, acompanhou o desenrolar da Revolução de 31 de Janeiro, com o desfecho conhecido: derrota das forças republicanas com todas as consequências que daí advieram.

Como se constata, no próprio dia da Revolução, João Chagas é visitado na cadeia por Alves da Veiga, ambos membros do directório civil do movimento, provavelmente para se aconselhar, quando já era tarde e o desfecho se encaminhava para o desastre completo.

O jornal Ecos do Vouga cumpria assim, com este belo texto, uma das suas predileções, enquanto órgão de comunicação social: a evocação  e a comemoração dos feitos do republicanismo, independentemente de se tratar de jornada gloriosa  ou de infausto acontecimento.