N. Gomes da Costa (Ed. 648)

A Imprensa Regional de Lafões na 1ª República

O Ecos do Vouga e o seu inimigo de estimação, Dr. Ferreira de Almeida

• Norberto Gomes da Costa (norberto.g.costa@sapo.pt)
Crónica 13/02/2014 (Ed. 648)

 

 

 

Quem era o Dr. Ferreira de Almeida? Médico de formação, foi tudo, ou quase tudo, em S. Pedro do Sul: responsável pelo Hospital, líder da estrutura dirigente  das Termas, proprietário, director, editor, articulista do periódico Jornal de Lafões, arqui-adversário do republicaníssimo e protagonista ou alvo principal das minhas crónicas quinzenais no Gazeta da Beira, e ainda Presidente da Câmara durante vários mandatos sucessivos (através de eleições com a representação limitada, à altura, existente). Enfim, Ferreira de Almeida seria, porventura, a personalidade mais influente, desde os últimos tempos da Monarquia, durante décadas, na “Cintra da Beira”, quiçá na região de Lafões. Até ao 5 de Outubro de 1910, monárquico convicto, adaptou-se de modo exemplar à República, de tal modo que conseguiu ganhar a simpatia e até o apoio da estrutura republicana de Viseu, em que pontificava o Governador Civil do Distrito.

Com um currículo deste quilate, só poderia tornar-se, como se tornou, num alvo apetecido para as querelas que o jornal de Emílio Torres tanto gostava de levantar e alimentar para gáudio da pequena elite republicana lafonense.

Assim aconteceu durante todo o, relativamente, pequeno período de existência do semanário, em que não havia lançamento de obra, decisão de qualquer jaez, intenção de fazer isto ou aquilo, que não sofresse o apertado escrutínio e o posterior e sistemático “metralhar” do protagonista principal de todas estas decisões.

Iremos ver como o periódico mimoseia, mais uma vez, a sua “bête noire” em mais um artigo violento acerca de problemas relacionados com decisões na Câmara e no Hospital, que se arrastavam há muito tempo. Em 11 de Março de 1915, num artigo com o título “Como se confunde um caluniador”,  o Ecos do Vouga escrevia: “O dr Ferreira de Almeida, acusado durante anos, da pratica de crimes infamantes, com uma covardia nunca vista, conservou-se sempre silencioso. Afinal, vendo-se derrotado em toda a linha, para desorientar o publico, calunia-nos, mentindo como o maior dos miseraveis.

Fiquem, porém certos os leitores, que havemos de, nesta questão, mostrar uma vez mais, a vileza e a sordidez dum homem tão falto de escrupulos, que, alem de, impunemente, “praticar o roubo”, como diz A. Silva, é um violador de sepulturas. E, tudo isto, em suma, para se concluir que o seu lugar è numa cadeia, e nunca onde tenha de privar com gente limpa.

Um tratante e um ladrão que, durante anos tenha exercido o seu mister, com a benevolencia das autoridades e a ignorancia do publico, quando descobertas as suas façanhas e apanhado nas duras malhas da lei, de tudo se torna capaz, a fim de se livrar da calceta justiceira.

Tambem, o dr. Ferreira de Almeida, oriundo da velha cidade da Vaca, e aqui aportado numas condições de ente despresivel, mas em breve, enriquecido, mercê das criminosas aventuras relatadas na sindicancia, em juizo da “pratica do roubo” no hospital desta vila, e de muitas outras imundices proprias do seu feitio – se tornou “lord maior” do concelho de S. Pedro do Sul, num ridiculo e apalhaçado quixotismo, mas que agora, á vista do desmascaramento, por nós feito, da quadrilha.de que faz parte, estrebucha raivosamente, como um hidrofobo moribundo, assacando aos inimigos tudo quanto lhe vem ao cerebro demente.

Serenamente, por atenção ao publico e amor á Justiça, lhe iremos cuidando as pustulas gangrenadas, pondo-as, primeiro que tudo,  a nu, para depois lhe ser aplicado o cauterio. E, apesar de não sermos “doutor em medicina e sciencias varias”, faremos todo o possivel para levar a nossa missão a bom termo….”

E ainda: “…….Confundido, atrapalhado, desvairado, perdido de todo, mistura alhos com bugalhos, argumenta de forma que ninguem entende…..”

Os tempos que se viviam no País e no seio da classe política eram tudo menos pacíficos e dentro da normalidade. Estava-se na fase dos governos de independentes, os partidos políticos mantinham uma guerra aberta entre si e dentro das próprias estruturas, fazendo tudo para provocar a queda dos executivos, mas não se entendendo para qualquer solução governativa. Este ambiente crispado estendia-se à própria Imprensa, o que resultava em autênticos duelos entre jornais adversários, no sentido de aniquilar quem estava por detrás dessas publicações e as manipulava para proveito próprio e das Instituições que liderava ou a elas era afecto.

O semanário Jornal de Lafões, referido no texto como instrumento ao serviço de Ferreira de Almeida, reunia à sua volta  e era porta-voz de todas as forças que se opunham, em S. Pedro do Sul, aos republicanos, servindo de contraponto aos ataques e libelos acusatórios contra as “forças ferreiristas” que dominavam (penso que é o termo correcto) toda a vida pública e política sampedrense, na exacta  medida da sua liderança em todas ou quase todas as Instituições locais, invectivas essas a cargo do nosso Ecos do Vouga. Sobrando para este semanário republicano a marcação da agenda política, no que respeitava aos “escândalos” e a todas as denúncias de negócios ou decisões menos transparentes trazidos à opinião pública.

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