Projecto de Lafões distinguido pelo Prémio Miguel Portas
Projecto de Lafões distinguido pelo Prémio Miguel Portas
O Prémio Miguel Portas é uma iniciativa de homenagem a Miguel Portas. A entrega dos prémios realizou-se numa sessão pública no dia 30 de abril de 2016, às 16 horas, no Auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian.
Esta sessão da segunda edição do Prémio “Entre Pontes e Margens – Migrações“, contou com a participação de Augusto M. Seabra e Miguel Vale de Almeida, membros do júri, do jornalista José Manuel Rosendo que falou da sua experiência como repórter em vários campos de refugiados e de Nuno Portas, presidente to júri.
Tendo em conta uma diversidade de situações, escalas e metodologias de trabalho suscitada por uma questão tão complexa, o júri desta edição decidiu atribuir o Prémio a três propostas:
“MUNDIFICAR – Para a Integração de imigrantes na região de Viseu”, promovido pela Associação para o Desenvolvimento Rural de Lafões; “Mygrantour – Percursos Interculturais Urbanos”, promovido por Associação Renovar a Mouraria e “EmPoderar – do sonho à ação” promovido pela Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade entre Mulheres e Homens
O projecto MUNDIFICAR foi distinguido pelo modo como trabalha contra a discriminação dos imigrantes numa zona do interior, o distrito de Viseu, lançando um desafio de abertura ao mundo e de interculturalidade, e chamando a trabalhar de forma integrada uma diversidade de estruturas e instituições.
MunDificar partiu da vontade de fazer diferente e de combater de forma visível a estereotipia negativa que pesava na região sobre a população imigrante e as minorias. Resultou, também, da constatação de uma falta de intervenção cidadã e não assistencialista, por parte de instituições e de Redes Sociais metodologicamente pouco inovadoras Viseu é um distrito do Interior, com cariz marcadamente rural e conservador, ainda com polos de modernização que convém potenciar.
Um fator inovador deste projeto assenta na mobilização de metodologias participativas criadas e validadas pela ADRL no projeto EQUAL- Iguais num Rural Diferente. Destacamos as Oficinas de Poder, uma metodologia que foi utilizada para o envolvimento, diagnóstico e capacitação das pessoas imigrantes do projeto, como forma de dar voz, de maneira a que formulem as suas conceções e expectativas de integração. Destas OP; por exemplo, resultou a criação de uma associação de Imigrantes que é um dos resultados mais entusiasmantes do projeto.
Não obstante as limitações de cortes no financiamento, a estratégia de mobilização de parceiros plurais e diversos permitiu amplificar os efeitos e as ações realizadas, permitiu, também, estreitar alianças, consciencializar instituições e seus agentes para as problemáticas da não descriminação, da integração e das necessidades específicas dos imigrantes.
O projeto seguiu uma dupla abordagem, destinando-se, por um lado, ao trabalho direto com imigrantes, para o reforço da sua autoestima, das suas competências e para um melhor conhecimento das suas necessidades e, por outro lado, destinou-se às comunidades locais (instituições e pessoas), no sentido da promoção do interculturalismo, dando visibilidade e criando uma imagem positiva “do outro”. Apostou-se na “hipótese de contacto”, como forma de combater o preconceito ainda dominante. A recetividade de várias instituições (CLAS, Municípios, Juntas de Freguesia, Escolas, IPV, Centros de Saúde, Hospital, Igrejas, entre outros) e seus dirigentes e profissionais é bem a prova de que este trabalho é possível e deve ser continuado.
É a segunda vez consecutiva que um projecto de Lafões merece a distinção do Prémio Miguel Portas. Na anterior edição coube a vez à BINAURAL.
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30 de Abril de 2016, Auditório 3, Fundação Calouste Gulbenkian
Intervenção de José Manuel Rosendo, jornalista da Antena 1 na Sessão
• José Manuel Rosendo
Meus amigos, boa tarde…
Antes de vos falar do que me foi sugerido, da crise dos refugiados, permitam-me algumas palavras, apenas porque acho que sim.
Não era amigo de Miguel Portas. Mantínhamos aquela saudável distância entre o jornalista e o político, mas não lhe perdia o rumo das palavras.
Quando o Miguel falava ou escrevia, sentíamos que não havia truque. As palavras do Miguel não precisavam de interpretação nem de explicações adicionais.
Também por isso não senti a necessidade de ponderar a beleza das palavras. Apenas escolhi palavras sinceras.
Tenho imensa saudade de uma noite num hotel em Jerusalém Oriental, já com o bar fechado, em que continuámos, noite fora, a encher o cinzeiro, a bebericar o nosso whisky e a debater os problemas do mundo…
Lembro-me também de um dia numa Beirute parcialmente destruída pelos bombardeamentos israelitas… lembro-me de um sorriso que surgiu entre a multidão durante uma manifestação contra a guerra… e lembro-me de ter pensado: mas o que é que ele anda aqui a fazer?
Guardo com carinho a dedicatória colocada no Labirinto: “só quem anda pelas guerras sabe porque é que elas se devem evitar”.
E tenho a certeza que mais Périplos houvesse e não teríamos hoje tanta gente espantada e assustada com a vaga de refugiados que bate à porta da Europa.
Porque esta é a Europa que não sabe olhar para o Mediterrâneo.
Tenho a certeza que uma União Europeia que aproveitasse metade das ideias generosas do Miguel seria uma União Europeia muito mais apta a responder aos problemas que hoje se colocam…
Tenho a certeza que seria uma União Europeia mais nossa.
Seria uma União Europeia mais solidária, mais justa, mais generosa e acima de tudo mais humana.
Uma União Europeia errada, sobre a qual nunca ninguém nos perguntou alguma coisa, só pode dar respostas erradas.
A actual crise de refugiados… crise de refugiados dizemos nós, porque para os refugiados é uma crise de sobrevivência… a actual crise de refugiados é uma crise que impõe que saibamos tratar o outro com dignidade, porque se o não fizermos é a nossa própria dignidade que está em causa.
Ser refugiado é pegar nos filhos pela mão, é arrumar a trouxa, e começar a fazer caminho. É fugir da guerra e de um sítio onde a morte é quase certa. Quem nunca ouviu uma bomba a cair por perto não consegue imaginar. Quem nunca ouviu o baque surdo da explosão de um carro carregado de explosivos não consegue imaginar. Quem nunca sentiu o sopro da deslocação de ar não consegue imaginar. Quem nunca ouviu o assobio de uma bala não consegue imaginar. Quem nunca viu corpos estropiados, não consegue imaginar. Quem nunca viu crianças mortas a serem retiradas da cave de um prédio bombardeado, não consegue imaginar.
Muitos dos refugiados que nos batem à porta já viram grande parte de tudo isto.
Há poucos dias, a Rainha da Jordânia, de origem palestiniana, alguém que não deve ter falta de conhecimento sobre o drama dos refugiados, visitou o campo de Kara Tepe, em Lesbos, e foi muito directa na mensagem: ninguém consegue entender a magnitude desta crise até estar frente a frente com os refugiados.
Por esta hora, em mais esta crise, talvez já tivesse encontrado o Miguel algures, a dar a cara e a estar frente a frente com aqueles que fogem da guerra e das consequências da guerra…
Talvez em Gevgelija… Talvez na ilha de Lesbos…
Estar na fronteira da Grécia com a República da Macedónia é ver passar gente de todas as idades. Gente de ar fatigado e com um olhar que se estende até lá à frente à procura de um destino. Gente que arrasta chinelos e sapatos deformados pela caminhada… gente que leva gente em cadeira de rodas e por vezes às cavalitas porque ninguém fica para trás… gente que se calhar tem alguma coisa para nos ensinar quando se fala de família…
Estar na fronteira de Gevgelija é ver homens que chegam tão desorientados que nem sabem a direcção de Meca. E perguntam… não perguntam por Meca, perguntam por Saudi, Saudi… Arábia Saudita.
Estar na fronteira é ver a polícia, muitas vezes de cassetete ligeiro…
Na Grécia, Idomeni é o campo mais próximo de uma linha de esperança chamada República da Macedónia…
Em Atenas, no porto do Pireu, há centenas de pessoas a dormirem no chão dentro dos terminais dos ferrys onde a segurança do porto tenta evitar a captação de imagens…
Na ilha de Lesbos, há um grupo de quase 200 homens a viverem à beira mar em pequenas tendas sem apoio de ninguém… apenas os Médicos Sem Fronteiras por lá passam de vez em quando
Ainda em Lesbos, o campo de Mória transformou-se numa prisão de onde os refugiados não podem sair. Estão lá cerca de 3 mil. Problema maior: os refugiados não tinham apresentado pedido de asilo na Grécia com a esperança de que pudessem passar para outro país para então aí fazerem o respectivo pedido. Com a entrada em vigor do acordo entre a União Europeia e a Turquia, todos estão agora a tentar pedir asilo… o problema é que o acordo estabelece uma distinção entre os que chegaram antes e depois de 28 de Março, a data da entrada em vigor desse acordo. Algumas ONG’s estão a denunciar o que tem todo o aspecto de uma aldrabice que brinca com a vida das pessoas: os que chegaram antes da entrada em vigor do acordo, porque não pediram asilo e porque não há registo da data da chegada, estão a ser considerados como se tivessem chegado depois de 28 de Março. É meio caminho andado para a deportação para a Turquia.
Com todos os defeitos que o acordo tem, pensar que ele resolve alguma coisa é pura ingenuidade.
A guerra na Síria está com intensidade redobrada. No Iraque já se notam fortes sinais de outras guerras que vão resultar da guerra actual.
Para além disso, quem ganha dinheiro com o desespero dos refugiados rapidamente encontra outros caminhos para os fazer chegar à Europa.
Logo depois da visita do Papa Francisco a Lesbos, centenas de refugiados morreram no mediterrâneo quando tentavam chegar a Itália…
Ontem surgiram notícias de mais um naufrágio. A Europa faz que não vê… enquanto morrerem no mar não são problema para a Europa.
Há muros em Ceuta, em Melilla, em Gaza e na Cisjordânia, no Egipto, na Tunísia e na Líbia, em Calais, na Hungria, na Sérvia, na Bulgária…
A Áustria quer criar uma barreira na fronteira com a Itália e já aprovou alterações à lei de asilo…
A União Europeia demorou a tomar decisões quando os refugiados nos bateram à porta em grande número. Ao contrário, Bruxelas fervilhou de reuniões quando Grécia e Portugal negociavam os chamados programas de resgate. Garanto que até as redacções estavam baralhadas: reunia o Eurogrupo; reunia o Ecofin; reunia a Comissão; reunia o Conselho Europeu… quando não havia reuniões havia teleconferências. O problema era o dinheiro. Quando se tratou de refugiados não houve qualquer pressa.
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Redação Gazeta da Beira
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