Entrevista (Ed. 660)

Em entrevista exclusiva com a Gazeta da Beira

Ferreira Leite fala da situação do país e defende a restruturação da dívida

• Patrícia Fernandes

Ed659_ManuelaFerreiraLeitePara Manuela Ferreira Leite, caso se  mantenha a situação atual do país, vai ser muito difícil pagar a dívida. A economista fala de um processo necessário, mas executado a um ritmo demasiado elevado para a estrutura do país. A restruturação da dívida pode mesmo ser a única solução para Portugal, acredita.  Em entrevista, aquando da sua visita a São Pedro do Sul, a antiga Ministra das Finanças fala do “Estado da Nação”. A sua vida na política, as medidas de austeridade, o “Manifesto dos 70”, o Tribunal Constitucional,  os encerramento dos serviços públicos, a abstenção nas Europeias a continuidade da coligação no próximo ato eleitoral, entre outros assuntos. As respostas de Ferreira Leite, em exclusivo na Gazeta da Beira.

Gazeta da Beira (GB) – Foi a primeira mulher líder de um partido político, neste caso do Partido Social Democrata, foi candidata a Primeira-Ministra, também pelo PSD, o que é, nos dias de hoje, ainda, uma exceção. Acredita que atualmente há ainda uma descriminação de género? Sente isso?

Manuela Ferreira Leite(MFL) – Não, não há. Não acho que haja nenhuma descriminação de género.  O que pode haver é uma certa inibição por parte das mulheres em assumir determinado tipo de funções, o que tem a ver com uma questão cultural e social, mas não há qualquer tipo de preconceito, nenhum elemento contra o facto de ser mulher.

GB – No futuro pondera voltar à vida política ativa?

MFL – Não, com certeza que não. Essa época já passou.

GB -Viseu vai ser o distrito mais afetado com os encerramentos das escolas. Concorda com esta restruturação e com a forma como esta está a ser processada?

MFL – Eu não conheço exatamente qual é que é, neste momento, toda a estrutura do Parque Escolar. Portanto, não posso dizer, conscientemente, se o fecho de esta ou daquela escola, em concreto, é boa ou é má.  A única coisa com que estou com certeza de acordo, não podia deixar de estar, é com o facto de que houve uma alteração profunda no número de alunos.

As escolas proliferaram por todo o país na fase em que houve um aumento exponencial do número de alunos. Este motivado, especialmente, pelo aumento da escolaridade obrigatória. Portanto, na época, houve uma aumento tremendo e a rede escolar teve que se adaptar a esse aumento, e fê-lo espalhando por todo o país, por todos os distritos,  por todos os concelhos o número de escolas suficientes para albergarem todos esses alunos. Portanto, não foi por falta de iniciativa de ser criada uma Rede Escolar.

Atualmente, contudo, temos todos que concordar que essa Rede Escolar, neste momento, não está adequada ao número de alunos que temos e que agora está em défice.

Além do que, como todos sabemos que, independentemente desse aspeto, não é bom para as crianças estar num sistema educativo em que estejam muito poucas dentro de um sala de aula. Também faz parte da educação,  o convívio e tudo aquilo que se insere no modelo social. Portanto, não lhe sei dizer se o encerramento de uma determinada escola em Viseu é adequada, mas, de uma forma geral, esta reforma é completamente essencial.

GB – Estes e outros encerramentos públicos, contudo, aliados à falta de investimentos no interior, aos despedimentos em massa que tem ocorrido na região, tem dificultado a vida dos que vivem no Interior. Há já quem acuse este Governo de querer “assassinar” o interior. Concorda?

MFL – Eu não sou capaz de subscrever a afirmação de que o Governo está a liquidar o interior. Aquilo que acontece a muitas das empresas que estão a fechar, acontece tanto no interior como no Litoral. Nota-se mais, é um assunto mais sensível, porque no Interior há menos empresas do que no Litoral. Tendo em conta que  número de empresas que todos os dias fecha em todo o país, não se pode dizer que este é um fenómeno do Interior. Isso tem sido fruto de uma política que tem dado como resultado, entre muitos outros aspetos, o aumento do desemprego, como sabemos. Se o desemprego era totalmente evitável, admito que não fosse, em qualquer circunstância, qualquer política de ajustamento provocaria desemprego. Admito que esse desemprego podia ser bem menor se o ajustamento não tivesse umas características tão profundas quanto aquelas que teve.

GB – Acredita nesta política de austeridade?

MFL – A austeridade tem sido necessária perante a nossa economia que tinha um conjunto de desequilíbrios que era necessário reajustar. Portanto, não seria fácil nós não termos passado por esta austeridade. Agora o que eu tenho discordado e sempre continuo a discordar é que o ritmo com que se procedeu esse ajustamento foi, de facto excessivo para o nosso país, para a nossa estrutura social, para a nossa estrutura produtiva. Este ritmo excessivo o  teve impactos negativos.

GB – Por isso assinou o conhecido “Manifesto dos 70”?

MFL – O Manifesto dos 70 não tem apenas que ver com a questão da austeridade tem que ver também com a questão da dívida pública. Eu tenho a convicção que o problema da dívida pública, como se virá verificar, mais ano menos ano, atinge umas dimensões elevadas. Ou nós temos uma taxa de crescimento muito elevada que consiga criar a riqueza suficiente para pagar essa dívida, ou então alguma modificação terá que ser feita a esse nível…

GB – Com as condições atuais, vai portanto, ser muito díficil pagar a divída?

MFL – Com estas condições e tendo em conta o nosso atual ritmo de crescimento, não me parece fácil que assim seja.

GB – A restruturação da dívida seria, portanto, a solução?

MFL – Quando falo na restruturação da dívida, não estou a falar em perdão da dívida. Falo uma restruturação ou um período diferente, ou uma taxa de juro diferente, ou um escalonamento  do pagamento da dívida diferente… Especialmente, essencialmente, apostando no crescimento do País!

GB – Muitas as propostas deste Governo foram chumbadas pelo Tribunal Constitucional. Como analisa estes chumbos? Há quem venha defender o fim deste órgão constituinte. Qual é a sua opinião?

MFL – Tem havido, realmente,  decisões do Tribunal Constitucional que contrariam certas propostas do Governo. Eu não sou constitucionalista para conseguir fazer uma análise concreta sobre o valor das decisões, mas uma coisa não tenho dúvidas: Na democracia, a nossa Constituição da República Portuguesa consagra um Tribunal Constitucional, portanto nesta circunstância só tem que, exclusivamente, concordar e aceitar as decisões do Tribunal Constitucional. Este órgão é um pilar fundamental da democracia e é um elemento essencial na nossa Constituição.

GB – Falando das eleições do Parlamento Europeu, no passado mês de maio. Como é que interpreta o elevado nível de abstenção que se verificou?

MFL – Olho para essa abstenção de um forma bastante preocupada, porque verifica-se um alienamento das populações àquilo que é um dever cívico que todos temos que é a participação na vida política através da eleição. Dá a sensação que as pessoas já não acreditam em nada nem acreditam em ninguém. As pessoas consideram que são todos iguais e que não vale a pena votar em ninguém, que o voto não tem valor nenhum e que portanto mais vale ficar em casa e não ir votar. Esta é uma posição extremamente negativa em democracia, que não tem razão de ser e que eu considero injusto… também tenho a dizer que depois  não se queixem, porque deixam a decisão na mão de meia dúzia de pessoas!

GB – Aproximam-se as Legislativas. PSD e CDS devem continuar a coligação?

MFL – Neste momento é um pouco difícil estarmos a falar nesse assunto, na medida em que os Partidos Políticos estão ainda a ajustar. É o caso do Partido Socialista que está numa turbulência interna e ainda não sabemos quem é que vai ser o candidato a Primeiro-Ministro. Portanto, nessa circunstância parece-me cedo, ainda, para nós podermos falar deste assunto…

GB – Mas se as decisões tivessem que ser tomadas hoje?

MFL – Se fosse hoje que se tivesse tomar  decisões não sei quem é que ia a eleições, porque o Partido Socialista ainda não se decidiu e é o principal partido da oposição. Portanto, ir hoje às eleições é um cenário difícil de imaginar.

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Redação Gazeta da Beira