Castro Daire brilhou com a 20ª edição do Festival Altitudes

Teatro Regional da Serra de Montemuro, foi o grande palco (texto e fotos de Aníbal Seraphim)

Ao aventurar-se sem destino a percorrer a Serra de Montemuro, poderá ser conduzido a um lugar especial. Avista um Cruzeiro com Miradouro e contempla um enquadramento natural, cénico e único. Lugar mágico com uma paisagem de cortar a respiração. Mas a magia não se esgota na paisagem, e uns metros mais abaixo, encontra uma placa a dizer “Teatro”. E não imagina que nesse lugar se faz magia, mas acabará por a sentir e será recompensado por ter feito tal descoberta.

Quem já conhece e sabe da história, que remete para o ano de 1990, sabe que um grupo de jovens inconformados trabalhou de forma experimental até 1995, e deu origem ao que hoje já é conhecido como Festival Altitudes, que decorre durante o mês de Agosto. E também sabe que o Teatro de Montemuro é uma companhia itinerante e criou a sua própria identidade artística com base das vivências rurais e principalmente através da partilha humana. Sendo já uma estrutura sólida, celebra este ano a 20ª Edição e que é reconhecida pela sua internacionalização.

Assim, a edição de 2018 ocorreu de 11 a 18 de Agosto com um tremendo sucesso, pois a maioria dos espectáculos esgotaram rapidamente.

Dia 11, estreou-se com uma produção do Teatro do Montemuro e Absolute Theatre: Os 4 Clowns do Apocalipse.

Dia 12, decorreram 2 divertidíssimos espectáculos, um à tarde e outro à noite, em que as interpretações e ideias de Oriol Boixader foram postas à prova pelo afluente publico e saíram de sorrisos estampados no rosto perante uma actuação muito bem estruturada e conseguida, que levou às audíveis gargalhadas principalmente do público infantil.

Dia 13, La Tortilla de mi madre, da Peripécia Teatro com interpretação de Noelia Domínguez e Sérgio Agostinho, que encheram o palco com uma magnífica peça teatral e foram presenteados com uma plateia que encheu por completo a sala.

Dia 14, Tia Graça pelos D’Orfeu AC com Voz e Interpretação de Luís Fernandes e com instrumentos musicais como o Oboé, Fagote e Trombone, tiveram sala cheia para apresentar uma peça teatral muito divertida sobre um tema que homenageia as mulheres que vivem nos bastidores das vidas dos músicos.

As prestações musicais dos instrumentos de sopro foram interpretadas por Joana Soares, Inês Moreira Coelho e Inês Luzio, que enriqueceram a teatralização com as suas coreografias.

Dia 15, do Teatro Palmilha Dentada surgiu: Eis o Homem. Que prometia três momentos sem ligação resultando num espectáculo que nunca é igual. As palavras que mais se ouviam ao intervalo eram: Genial e Inteligente! No final do espectáculo ouvia-se: Genial, inteligente e divertidíssimo. Na realidade, durante duas horas assistiram-se a vários momentos em que começaram com improviso e interacção com a plateia, que encheu por completo a sala, e que às gargalhadas se deixaram levar naturalmente numa sintonia em que o refinado humor era reciproco, quer por parte dos interpretes, quer por parte do público. Gerou-se assim uma onda em que todas as peças encaixavam num complexo puzzle de humor, em cadeia, numa cadência extasiante e luxuriante sem nunca se recorrer à piada fácil nem a clichés, ditos humorísticos, mas usando uma forma inteligente de fazer fluir o humor em que levou o público a estimular a inteligência. Por momentos era difícil distinguir quem se estava a divertir mais, se a assistência ou os próprios intérpretes.

Entrando na parte encenada, o brilhante humor ia sucedendo numa sequência frenética entre um guião que supostamente existiria, mas que notoriamente o improviso ia encaixando na perfeição. Um espectáculo para maiores de 16 anos, em que os vernáculos utilizados saiam sem pudor, mas sem nunca cair na tentação fácil da brejeirice barata nem ordinarice gratuita, pois cada palavra ou palavrão apimentado surgia com o intuito humorístico do qual toda a plateia apreciou.

A duração prevista foi largamente ultrapassada, conforme o panfleto também fazia referencia, mas que com a irreverencia e sentido prático de levar uma plateia a não dar conta do passar das horas, que ficariam noite fora a ver e ouvir o muito do que a dupla é capaz de oferecer. Está de parabéns a companhia que aposta num elenco fixo em que a simples cenografia de Ricardo Alves encaixa na perfeição no papel desempenhado por Ivo Basto e Rodrigo Santos. Uma noite memorável no Festival Altitudes, que augura um auspicioso futuro para voos mais altos, haja para isso uma especial atenção a esta equipa por parte de promotores de eventos.

Dia 16, foi dia de dois espectáculos. Um dedicado ao público infantil e inspirado no conto dos Irmãos Grimm apresentado pelo Teatro de Marionetas de Mandrágora: Capucha Vermelha. Que como seria de prever teve casa cheia para gáudio dos mais pequenos.

Preparando o serão, o Campo de Futebol da Associação – Fôjo e toda a sua belíssima área envolvente foram palco de uma enorme produção e logística com vista ao programa da noite. Quando o cenário ficou montado e pronto para o espectáculo, os artistas e demais elementos que compõe o set, não tinham palavras para descrever o cenário natural envolvente e foram premiados com um magnífico por de sol.

E o programa da noite estava reservado ao Teatro do Mar, oriundos de Sines, e com a apresentação da peça “InSomnio”. Começou de uma forma serena e foi seguindo em crescendo até uma forma estonteante de diferentes planos de acção, em que a estrutura cénica ia-se mutando e modificando ao longo de toda a performance, que durou 45 minutos.

Durante esse período, o público foi remetido numa viagem supra-sensível através de uma linguagem poética e viajou induzido pelo vídeo, pela originalidade musical e pelas acrobacias aéreas, que davam uma sensação de movimento metafísico e de repente passavam a um lugar de quietude, como se um estado de insónia passasse a um estado sono profundo com um sonho que nos faz regressar a um lugar que há muito queríamos regressar.

Tratou-se de um espectáculo dentro de outro espectáculo, em que a lua, estrelas, planetas e constelações que se viam num céu sem nuvens e poluição luminosa, encaixaram num cenário paisagístico natural e com as silhuetas da Serra de Montemuro a emoldurar o espaço ao ar livre, criaram todas as condições para uma noite perfeita e com a peça perfeita. Era essa a sensação que o enorme público que ocupou todas as cadeiras do recinto e os que permaneceram de pé deixavam transparecer e que foi sentida pelo staff e artistas.

E são criações e grandes produções como a apresentada pelo Teatro do Mar que fazem acreditar no potencial artístico nacional.

Dia 17, Inês Barahona e Miguel Fragata apresentaram a Caminhada dos Elefantes. Uma peça pedagógica que se enfoca sobre a existência, a vida e a morte, que correspondeu a uma pertinente questão: “Como explicaria a morte a uma criança de oito anos?”

Dia 18, ultimo dia, um encerramento em grande. Uma noite com Fernando Tordo, que foi único e imperdível, interpretando: “Ary dos Santos, as Histórias das Canções”.

Ao longo do final de tarde, sempre com uma boa disposição e cantarolando, presenteou-nos com um curto ensaio geral, pois a equipa técnica tinha indo preparando os ingredientes para que tudo estivesse a postos para um grande final de evento. Dotado de um profissionalismo e simplicidade impar, foi contando as peripécias do dia e de uma forma tão familiar enalteceu o regresso ao Teatro de Montemuro e de uma maneira tão genial disse algo muito prático: Que no fundo, o que o público quer é passar um serão divertido.

E esse divertimento aconteceu, pois o Comendador com a Ordem de Mérito fez jus aos seus dotes de contador de histórias e prendeu por completo a atenção do público, com mais uma sala esgotada do evento, em que de uma forma intimista acedeu a contar os pormenores das histórias desconhecidas do público, da vivência com o grande poeta José Carlos Ary dos Santos e demais personagens que compuseram uma época áurea naqueles irrepetíveis anos, numa sequência tão natural que pelo meio ia falando sobre o dia que teve, em que o tema da gastronomia local era o prato forte, e as belíssimas e surpreendentes narrativas de como fazer uma canção, com exemplos práticos e como era a interacção que originou tamanha dupla intemporal que marcou uma época em que a qualidade de como fazer uma canção pode ser simples, bela e intemporal, que chega aos dias de hoje ainda de uma forma tão actual, que parece surreal e premonitório, mas que na realidade o que muda no intervencionismo pioneiro da época, são apenas os personagens que regem a sociedade actual.

A nível musical, pelo meio das histórias foram desfilando os temas icónicos que marcaram a cumplicidade da dupla que marcou uma época e continua a sua jornada intemporal. Naturalmente as histórias iam sendo pausadas com as famosas músicas como “A Tourada”, “Estrela da Tarde” e “Cavalo à Solta”, cuja história foi narrada de uma forma muito divertida, tal como tantos momentos durante o serão.

Um momento que marcou os mais sensíveis, foi a história da última música escrita entre ambos e cantada com uma grande carga emocional. Um momento arrepiante que foi ovacionado em pé pela plateia, e de uma forma especialmente sentida.

Terminou assim em grande um festival que teve uma fenomenal assistência, entre pessoas que habitualmente vão às edições ano após ano, e quer de pessoas que foram pela primeira vez e assistiram à maioria dos espectáculos e outros que foram apenas no último dia porque não quiseram perder algo único e ver de perto uma pessoa tão especial como o Fernando Tordo.

Está de parabéns a organização pelo sucesso alcançado e pela forma receptiva como acolheram a equipa de reportagem, que colaborou em todos os aspectos. A receptividade também demonstrada pelos artistas, que partilharam as suas vivências, e não se cansavam de agradecer o interesse demonstrado em reportar as suas performances, tendo inclusive numa actuação de comédia, ter sujeitado o repórter a algumas cenas hilariantes.

O certame teve como actividade paralela um atelier de Artes plásticas de Romana Vieitas.

E porque a arte foi uma constante, destaque para o design do cartaz da 20ª Edição, da autoria da ilustradora Ana Trabulo, vencedora do desafio anual para dar imagem ao cartaz.

Com um cartaz de alta qualidade, performances de encher os sentidos, aliado ao espaço geográfico onde se insere a bonita Aldeia de Campo Benfeito, são por si só motivos suficientes para visitar a aldeia da Freguesia de Gosende, Concelho de Castro Daire e começar a pensar em deixar um espaço na agenda para voltar no próximo ano… Ou ir pela primeira vez. E ainda estar com atenção aos próximos espectáculos da companhia.

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