Vitor Louro

Pinho, eucalipto – e o resto?...

No que respeita às outras espécies madeireiras tradicionais (pinheiro bravo e eucalipto), a questão coloca-se noutros termos. As fileiras existem e funcionam, e os solos onde podem instalar-se são genericamente pobres e sem usos alternativos evidentes: as indústrias estão instaladas, os mercados externos e internos funcionam, o abastecimento dá-se, embora com crescentes riscos e ameaças que se traduzem nas igualmente crescentes dificuldades de abastecimento das indústrias. E essas dificuldades derivam quer da insuficiência da oferta em termos físicos absolutos, quer da menor qualidade do material lenhoso (caso do pinho), quer do aparecimento de novos destinos das madeiras, diversos dos tradicionais (muitas vezes gerados por mercados distorcidos por políticas populistas de subsidiação pública – caso das madeiras para energia nalguns países europeus) que fazem recordar o principal uso da madeira na Idade Média: a queima!

A escassez de oferta só pode ultrapassar-se aumentando a oferta – o que exige aumento de áreas arborizadas e aumento da produtividade, isto é da produção por hectare.

As novas utilizações, à base da transformação em estilhas, não deixam de ser negócio muito interessante para quem a isso se dedica, e tem expressão simpática no quadro das exportações nacionais. Além disso constituem alternativa para os proprietários, uma vez que deixam de estar na extrema dependência dos usos tradicionais, assim aumentando a concorrência.

Mas, continuando sem regras, são duas as questões – aliás indissociáveis – que colocam: fica em causa o abastecimento das indústrias tradicionais, por um lado, e por outro, destinando-se essa estilha à queima para produção de energia no estrangeiro (também em Portugal), está a alimentar a produção de gases com efeito de estufa (seja lá em que país for). Note-se que isto não tem nada a ver com as centrais de biomassa construídas para utilização das partes vegetais decorrentes da gestão dos matos e da exploração florestal. Já que estamos a falar do estilhaçamento de árvores de dimensões adequadas para a serração ou daquelas que já são capazes de gerar pequenas tábuas e lamelas que podem dar origem a produtos de madeira maciça por colagem e/ou justaposição.

Acresce que as centrais de biomassa dedicadas exclusivamente à produção de energia para exportar para a rede têm rendimentos tão baixos que vale a pena questionar a sua generalização. Já se estivermos a falar de centrais de co-geração (produzindo energia e vapor, só interessante em circunstâncias em que o vapor tenha uso local, claro) então o caso muda económica e socialmente de figura. Ora escolas, hospitais, centros de saúde e de terceira idade, para não falar em zonas industriais, são locais e destinos de excelência para centrais de biomassa…que dêm uso a produtos sobrantes da exploração e gestão florestais, não se “derretendo” assim a cadeia de valor acrescentado que a indústria de transformação proporciona.

É pois necessário questionar a legitimidade de pôr em risco indústrias que sustentam importantes produções e exportações, que empregam um elevado número de trabalhadores, em nome da total liberdade de negócio. Mas quem está a usufruir dessa liberdade, não abdica dela por razões de coração… E também os proprietários têm o direito de reagir a restrições a esse negócio, que apesar de tudo é uma válvula de escape para o estrangulamento a que estão sujeitos quando os compradores são apenas as indústrias tradicionais!

É neste cruzamento de interesses que o Estado tem de intervir: para defender as indústrias tradicionais, para não ser conivente com o agravamento das alterações climáticas, para garantir a perenidade do recurso florestal, para defender as condições de produção dos proprietários.

Devemos recusar liminarmente a via das proibições arbitrárias. Mas deve ter-se em conta que a liberdade ilimitada é anacrónica e contraproducente, e não se justifica que este sector seja diferente dos outros. Por exemplo, o cidadão não pode construir um edifício a seu bel-prazer: tem de respeitar as condicionantes legais existentes, que têm por fundamento a coexistência com os outros cidadãos, com o uso do que é público ou de interesse público, como o funcionamento de uma rede de transportes ou de saneamento. Quer isto dizer que afinal a destruição de árvores por transformação em estilha de material que pode e deve ter usos mais nobres, só se dá por inexistência de regras limitadoras.

No que diz respeito aos mercados nacionais das madeiras, eles próprios condicionados pelos preços internacionais, há que lembrar que as mesmas indústrias que argumentam não poder pagar mais cá dentro, recorrem frequentemente (já se pode dizer que inexorável e habitualmente) a madeiras importadas pelas quais pagam preços (matéria-prima mais transporte) muito superiores aos que pagam no mercado nacional.

De qualquer modo, têm capacidade de imporem os seus preços, (independentemente da argumentação) apenas porque os mercados são dominados por uma procura demasiado concentrada em confronto com uma oferta excessivamente pulverizada. Outra seria a história se os proprietários se organizassem para operarem uma efectiva negociação a partir de vendas agrupadas de maior dimensão.

O que pode – deve – o Estado fazer para impulsionar soluções por parte dos proprietários? Simples: criar condições que favoreçam inquestionavelmente a criação de formas de organização visando a concentração da oferta por parte dos proprietários – desde apoios financeiros a fundo perdido ou juro muito baixo, até benefícios fiscais e outros. Note-se que não são as organizações das indústrias consumidoras de madeira que necessitam desses apoios: são a parte mais fraca do mercado, ou seja os proprietários.

A par disto o Estado tem de intervir – como se disse atrás – para, junto dos proprietários, impulsionar o aumento das produtividades. E aí deve fazê-lo sem ter em conta o carácter dos intervenientes: para aumentar a produtividade, tanto faz que as medidas de apoio sejam desenvolvidas pelos proprietários através das suas organizações, como das indústrias através das suas, como de organizações de prestadores de serviços, ou outras – o que interessa é que a produtividade aumente, sejam quais forem os agentes que a promovam. O que falta é uma política pública descomplexada com este objectivo.

É claro que tal objectivo exige gestão activa: mas esta, para se alcançar, exige apoios dirigidos. Pagos naturalmente pela colectividade, uma vez que é do interesse geral que a terra florestal seja bem gerida, desde logo porque diminuirão os encargos públicos com o combate aos incêndios, aumentará a riqueza nacional e o emprego.

Mas todos reconheceremos que a floresta presta importantes serviços de interesse público: qualidade do ar e da água, limitação da erosão, qualidade da paisagem a sustentar actividades como o lazer e o turismo, conservação da biodiversidade, etc. E que, por força dessa importância ambiental e social, das áreas florestais é muitas vezes sujeita a restrições, nomeadamente nas Áreas Protegidas. Tais serviços de interesse público têm de ser prestados obrigatoriamente pelos proprietários – sem qualquer remuneração? Este problema põe-se com tanta mais acuidade, quanto as áreas florestais se localizam em zonas de protecção – que o são, em geral, por se situarem em áreas de grande valor ou susceptibilidade ambiental. Então a Sociedade – que é a beneficiária destes bens e serviços – não tem que pagar por eles?

Este é o outro plano em que o Estado tem de dar resposta: os bens e serviços intangíveis (que não são financeiramente mensuráveis pelo mercado) produzidos pelas florestas têm de ser pagos. Se assim acontecer, a floresta ganha valor económico, ali onde, por força da natureza, não o tem, apesar da importância daquilo que produz para todos nós. É afinal a questão da remuneração do “outro” capital: o capital ambiental (como agora se começa a dizer em estudos economicistas)

É por esta razão que o Estado tem de encontrar formas de remuneração, seja pela via dos benefícios fiscais, seja por contribuições directas.

Quando dizemos que a floresta é importante, lembremo-nos de que isso tem de ter consequências! E que não se pode ignorar que há 3 tipos de intervenientes na questão da importância da floresta: os proprietários, os utilizadores dos seus bens (indústrias), e a Sociedade (beneficiária e utilizadora dos seus serviços). Sem esta componente, não há Reforma consequente!

Recordemos, por último, que o Desenvolvimento Sustentável exige a ponderação de três variáveis: a viabilidade económica, a responsabilidade ambiental e a aceitação social. Muitos dizem – e bem – que sem a primeira (a viabilidade económica) não é possível garantir as duas outras. Não esqueçamos porém – e este é o grande alerta que este texto pretende deixar – que a viabilidade económica não tem de ser exclusivamente obtida no mercado dos bens transaccionáveis. Ela pode ser obtida pela valorização e remuneração de bens públicos essenciais ou de valores que a Sociedade elege como de preservação prioritária: é a isto que os governos têm de dar resposta através do uso dos dinheiros públicos.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *