Salários, produtividade(s) e desigualdades
João Fraga de Oliveira
“Os salários só podem aumentar – e oxalá que isso aconteça – quando, de facto, um trabalhador português fizer uma coisa igual, parecida, com um trabalhador alemão ou inglês, seja o que for”.
É a opinião (6/3/2014) do sr. engº Belmiro de Azevedo (BA), presidente do Conselho de Administração da SONAE.
Portanto, segundo o sr. engenheiro, os salários só podem aumentar quando os portugueses aumentarem a produtividade. Mas esta opinião carece de alguma análise e contextualização.
Em primeiro lugar, a produtividade não pode ser considerada como uma mera fracção aritmética entre o valor de mercado da produção e o número de trabalhadores que a produziu. Não depende exclusivamente do esforço e mérito de cada trabalhador mas, muito mais, do valor comercial do produto (automóveis e t-shirts ou mesmo sapatos não são propriamente a mesma coisa…), da inovação tecnológica, da organização e gestão da empresa, do mercado criado, etc. Em cujas decisões os trabalhadores têm pouca ou nenhuma participação (pelo menos em Portugal).
Depois, não se pode escamotear que as 25 maiores fortunas de Portugal somavam, no fim de 2013, aumentando 16% relativamente a 2012, um total de 16,7 mil M€ (10% do PIB). O sr. engº Belmiro de Azevedo é, segundo a revista Exame (31/12/2013), detentor da quarta maior dessas vinte e cinco, com uma fortuna pessoal que, duplicando o ano passado, ascendia no fim de 2013 a 1,2 mil milhões de euros (M€). Fortuna cuja legitimidade da sua acumulação (como, aliás, de todas as outras), não está aqui em causa.
Convenha-se que muita gente suporá que a acumulação de tais fortunas pessoais se deveu muito à produtividade existente nas empresas de que os seus detentores são accionistas. Por exemplo, nas empresas do Grupo SONAE, na rede de hipermercados Continente, onde, presume-se, para além dos clientes, são portugueses a maioria dos trabalhadores. Que, pelos vistos, muito “produtivos” foram também para a fortuna pessoal do sr. engenheiro.
Mas não é só por isto que surpreende, se é que não choca, esta opinião sobre o (não) aumento dos salários dos trabalhadores portugueses, a par de com o crescimento de grandes fortunas…
– “E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?” (Almeida Garrett, in Viagens na Minha Terra);
– “O Continente somos todos nós” (autor desconhecido, talvez alemão ou inglês, seja o que for, do que se lê, em letras garrafais, em qualquer destas “grandes superfícies”).
Com esta sustentação (estatística, literária e de marketing), conclui-se que, afinal, os portugueses são até muito produtivos.
Pois! Em geral, apesar de tantas dificuldades e sofrimento “para produzir um rico” (segundo Almeida Garrett), os portugueses não só têm aumentado a “produção” de ricos como lhes têm aumentado as fortunas. Depois, particularmente quanto ao sr. engº Belmiro de Azevedo, sendo o Continente tão lucrativo, é óbvio que isso se deve à produtividade dos portugueses, porque – como diz a tal tabuleta, logo à entrada – “o Continente somos todos nós”.
Portugal, como aliás consta de um recente relatório da OCDE (divulgado em 18/3/2014), é o país da UE onde mais têm crescido as desigualdades sociais (com aumento da riqueza dos muito ricos, a par do aumento do número de pobres e da pobreza extrema). É o país onde os 20% mais ricos ganham sete vezes mais que os 20% mais pobres (como é bem patente no valor, alto, do índice de Gini). É o país onde, sendo 2013 o terceiro ano de recessão consecutiva, aumentou (e já em Janeiro de 2014 voltou a aumentar) a venda de carros de luxo (Lamborguinis, Ferraris, Aston-Martin, Porches, etc), cujos custos (60.000, 80.000, 300.000 euros cada) nunca se sabe se não foram desviados de investimento nas empresas, sendo que, se lá bem investidos, poderiam promover – lá está! – mais produtividade e melhores salários.
Ao mesmo tempo – reflectindo agora directamente a opinião do sr. engº Belmiro de Azevedo -, é o país onde o salário mínimo não é aumentado há quatro anos, não obstante – algo (des)governativamente contraditório com a lamúria dos “consensos” – confederações patronais e sindicais estejam de acordo em que já deveria ter sido aumentado por lei. Enfim, é um dos países onde os salários reais (e até nominais) são dos mais baixos e foram mais desvalorizados nos últimos anos, com o aumento progressivo de trabalhadores (e não só desempregados) pobres (como, já em Março de 2013, até o reconhece a Resolução da Assembleia da República Nº 47/2013).
Portanto, não se percebe por que é que alguém, qualificadíssimo, afirma que os salários só podem aumentar quando os portugueses aumentarem a produtividade “como os alemães, os ingleses, seja o que for”.
Segundo o sr. professor Alfredo Bruto da Costa (ex-ministro dos Assuntos Sociais, ex-presidente do Conselho Económico e Social e actual presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz), “os pobres são pobres, porque os ricos são ricos” ou, dito de outro modo, “só há pobres porque há ricos”.
Sendo assim, é respeitável a opinião do sr. engº Belmiro de Azevedo. Mas, tendo também em conta o pensamento de Almeida Garrett e esta reflexão do professor Bruto da Costa, é caso para presumir que os salários dos trabalhadores portugueses só aumentarão quando, em Portugal, se diminuir a “produtividade” … de ricos(aços).Redação Gazeta da Beira
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