Rui Chã Madeira

Etnografia musical do concelho de São Pedro do Sul - “Cantigas de Manhouce” – Quarta parte

Etnografia musical do concelho de São Pedro do Sul – “Cantigas de Manhouce” – Quarta parte

• Rui Chã Madeira (Doutorando em etnomusicologia pela Universidade de Aveiro)

Na publicação anterior escrevi sobre o surgimento da denominação cantigas de Manhouce, a primeira das três noções propostas para a compreensão das práticas musicais manhoucenses. Nesse texto fiz referência a outras duas noções, recapitulando, a segunda noção que tem a ver com a forma como a referida denominação foi alavancada na esteira da “política do espírito” do Estado Novo e mantida, no atual estado democrático, por intermédio de um modelo ideológico centrado na preservação das tradições e a terceira noção com referência aos amigos de Manhouce. No que concerne à segunda noção, que será tratada na atual redação, não enveredando por uma referência objetiva à política de índole fascista, importa, contudo, fazer uma aproximação à sua estratégia nacionalista em que um dos fundamentos foi a construção da referida “política do espírito”. Esse conceito, descurando o conhecimento científico e moderno em virtude dos valores da tradição e da pátria, dispôs a cultura como um mecanismo de ação política. O Estado Novo, à semelhança de outros regimes ditatoriais europeus, com o propósito de inculcar a ideologia estatal na sociedade, no dia 25 de setembro de 1933, através do Decreto-lei n.º 23:054, criou o Secretariado da Propaganda Nacional (acrónimo SPN), que perdurou até 1949. Ficando na dependência direta de António de Oliveira Salazar, o próprio nomeou o jornalista e escritor António Ferro para dirigir a instituição, ficando Francisco Lage responsável pela secção de etnografia com ligação estreita ao tradicional, ao folclore, em suma, à defesa da autenticidade na cultura popular. Das variadas iniciativas de propagação da “política do espírito”, o Secretariado da Propaganda Nacional, no ano de 1938, efetivou o concurso “A aldeia mais portuguesa de Portugal”. O propósito desse concurso, com edição única, era celebrar a aldeia do território continental, cujo regulamento, estudado pelo antropólogo Pedro Félix, manifestava a (…) “maior resistência oferecia a decomposições e influências estranhas e o mais elevado estado de conservação no mais elevado grau de pureza”. A etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco e o antropólogo Jorge Branco observaram que o referido SPN, por intermédio da política folclorista inscrita numa matriz rural, teve como objetivo criar uma imagem do “povo” utilizando a autenticidade, a ideologia e a regulação dos indivíduos, respetivas fontes e espaço social, como premissa indutora de uma “nação” e de uma “identidade portuguesa” florescente dentro de fronteiras e próspera para o resto do mundo. Após a definição do regulamento e a constituição do júri nacional, procedeu-se à constituição dos júris provinciais das diferentes províncias. Competiu ao júri provincial selecionar duas aldeias, elaborar uma candidatura em forma de relatório sobre cada uma delas para apreciação do júri nacional e assegurar o empenho dessas aldeias na sua exibição perante o júri nacional que as visitaria. O júri provincial da Beira Alta escolheu as aldeias de Cambra do concelho de Vouzela e a aldeia de Manhouce do concelho de São Pedro do Sul. Escreverei com mais pormenor sobre os trâmites desse concurso em posteriores publicações. Na próxima edição debruçar-me-ei sobre a terceira noção: os amigos de Manhouce.

 

 

Ligações:

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