Rui Chã Madeira

Etnografia musical do concelho de São Pedro do Sul - “Cantigas de Manhouce” – Terceira parte

Etnografia musical do concelho de São Pedro do Sul

“Cantigas de Manhouce” – Terceira parte

• Rui Chã Madeira (Doutorando em etnomusicologia pela Universidade de Aveiro)

Continuando a tratar sobre o assunto cantigas de Manhouce, considero importante salientar três noções que considero essenciais para o entendimento das práticas musicais manhoucenses que foram designadas por esse epíteto. A primeira noção tem a ver com o surgimento da denominação cantigas de Manhouce; a segunda noção prende-se com a forma como essa designação foi construída no decurso da “política do espírito” do Estado Novo e mantida no atual estado democrático por intermédio do modelo ideológico da preservação das tradições; a terceira e última noção refere-se aos amigos de Manhouce que, colocando a hipótese de a sua ação ter sido realizada de forma arbitrária, tiveram a sua cota-parte na consolidação e agenciamento dessas cantigas. Nesta terceira parte vou dissertar sobre o surgimento da denominação cantigas de Manhouce, deixando para as publicações seguintes as duas restantes noções. Na anterior edição do jornal redigi que, em sentido lato, a designação cantigas de Manhouce refere-se às tradições culturais, às cantigas, ao traje e à maneira de ser e de estar dos habitantes do território de Manhouce. Mas como surgiu essa designação? Na antecedente publicação referente à primeira parte das cantigas de Manhouce, escrevi que as práticas musicais manhoucenses são o produto da conjugação das práticas culturais locais com as práticas culturais de outros territórios cujos portadores, desde tempos imemoriáveis, pernoitavam e faziam negócio na passagem por Manhouce. Desde essa altura, no decorrer do desenvolvimento dessas práticas musicais e respetivo repertório, até à participação de Manhouce no concurso a “Aldeia mais portuguesa de Portugal” em 25 de setembro de 1938, para o qual edificou-se o rancho regional de Manhouce, não existia a conceção cantigas de Manhouce. Essa designação surgiu de um processo denominado folclorização, percebido pela etnomusicóloga Salwa Castelo-Branco e pelo antropólogo Jorge Freitas Branco como um fenómeno cultural da modernidade por intermédio de (…) “um processo de construção e de institucionalização de práticas performativas, tidas por tradicionais, constituídas por fragmentos retirados da cultura popular (…) cujo objetivo é representar tradições de uma localidade, região ou de uma nação”. A folclorização, portanto, é um processo de apropriação da música popular e de outras práticas performativas de um determinado território num ímpeto nacionalista designado por folclore, cuja palavra provém do inglês folk (derivada do substantivo germânico, fulka que significa “pessoas”, com equivalência da palavra latina vulgus que significa “multidão” e “plebe” que expressa povo e lore que remete para ciência). Como sugerido pela etnomusicóloga Susana Sardo, folclore também se pode definir por uma representação com duplo significado (…) “o teatral, desempenhado no palco, e o simbólico, a representação da tradição”. Esse processo de institucionalização foi promovido no decurso do regime político Estado Novo através do SPN (secretariado da propaganda nacional) cujo mentor foi António Ferro e sobre o qual dissertarei na próxima edição.

 

Ligações:

https://www.facebook.com/sonsdanossaterrasps/

https://vimeo.com/sonsdanossaterra

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