Reflexões Partilhadas

A propósito de poesia… Com Dolores Marques

Dou continuidade a esta rubrica, confessando ao amigo leitor que, não só gosto de escrever, como também aprecio ler o que se vai escrevendo com alguma crítica e criatividade. Deste modo, vou percorrendo as redes sociais e a comunicação social, em geral, para tentar, também eu, aumentar as perspetivas e visões de vida, que nos permitem melhorar enquanto seres humanos. Viver focados no nosso umbigo não nos deixa perceber que existem opiniões à nossa volta tão válidas e importantes quanto as nossas. Espero que estas reflexões possam ser do vosso agrado e contribuam para o vosso engrandecimento. Aguardo feedback dos leitores.

Apresento a escritora Dolores Marques, de Castro Daire, que no presente mês de março, no Facebook, escrevia assim:

 

“Nada do que me resta, me resta.

No final do caminho, serão todos os momentos, isentos de quaisquer semelhanças com o que fui. Tampouco saberei se os ganhos e perdas nesta vida me prendem de algum modo a algum momento, ainda por viver.

 

No futuro estão as condições impostas por um passado, que nunca soube se o era, ou se porventura me limitava a caminhar por ali sem querer saber o que se passava dentro do tempo.

E que tempo de memórias se arrastam ainda com os meus passos… que tempo este meu, de nem querer saber onde me escondi, quando o tempo sabotou todo este meu crer em tudo o que nunca vi, mas senti.”

 

“A noite abriu-se!

Arrebatadora, trouxe até mim os sons de um além tão próximo:

os meus limites, os arrepios, os calafrios, os olhos fundos, o flácido corpo.

Silenciou-me a alma!

 

Recuso-me a obedecer a um silêncio, que não é, nem nunca foi meu Senhor. Por isso, sou uma afronta ao zumbido, esse mito que em mim habita, e escrevo. Forço as palavras! Dito-as de forma inconsequente. Derramo-as agora sobre o vermelho vivo do seu cetim aveludado.

E então, danço. Danço com elas como se fossem o meu outro Eu em mim enlaçado.

 

Nem sempre as palavras são concubinas da noite, muito menos eu.

Eu poderei ser somente a face negra da sua condição, o seu lado másculo ainda em formação.

Existem segredos guardados entre o dourado bordado de um tempo. Essa triste imagem confundiu-me com aconchegos muitos, por conta dos seus desejos incautos.

 

Acontece sempre um amanhecer tardio, quando a noite se abre tal fêmea com cio.

Sou agora, talvez o lado obscuro da noite.

Vou sendo naturalmente eu, para poder Ser um Eu.

Sou também aquela que chegou sem pedir licença para escrever, e esculpo uma imagem indefinida, mas tão real, que habita em cada um de nós.

O medo!”

 

“PROFUNDIS…

 

Num círculo fechado, todos os olhos sucumbem perante a ordem estabelecida nos semicírculos de um poema sem voz.

Os versos choram, as rimas contraem-se, a cadência do verbo é imediata, mas não sujeita às variações atmosféricas na esfera do olhar.

 

PROFUNDIS…

Tu és o poema inabitável na cadeia, onde coexistem, sem rumo, os olhares indefinidos.

À esquerda tocam-se as mãos ainda abertas.

À direita somam-se os dividendos de uma linha recta, onde fomentam a ambígua decadência da poesia nascida no alpendre dos sonhos.

 

No âmbito da geometria, todos os elementos se adiantam aos cálculos de uma errata imaginária, onde tudo se assemelha, mas nada se equipara a um poema nascido nas asas de uma borboleta.

 

Solto na boca, corre rios afora, adentra-se num fundo sem fundo…

 

Perante a etimologia do lago, a sublime ondulação é a perene circunferência, onde tudo se move, e nada se contrai à margem… leve, tão leve é a margem dos enganos.

 

A versátil visibilidade dos abutres, testemunho de um buraco negro profundo, listado nas asas de um falcão.

 

PROFUNDIS…

Tu és a minha loucura ainda viva.”


25/05/2023

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