Pedro Coutinho

Cavaquismo, a insustentável leveza da ignorância

Ed_Cavaco-PCoutinhoQuando decidiu não comparecer às comemorações da implantação da República de 5 de Outubro, Cavaco Silva escudou-se com as eleições da véspera. As sondagens que antes davam vantagem ao PS não sossegavam Cavaco e foi esse o motivo para adiar a data o mais possível, por forma ao seu Partido poder recuperar o máximo de terreno perdido. O que o homem que “nunca se engana e raramente tem dúvidas” não esperava, foi a derrota da coligação PSD/CDS e que Pacheco Pereira diria: “os portugueses não a podem ver nem pintada”. O subterfúgio falhara.

Além da derrota, descuida os sinais que se vinham a avolumar durante a campanha eleitoral e que culminariam com o acordo à esquerda que garantia uma maioria parlamentar e que suportaria e legitimaria um Governo do PS. O famoso “arco da governação” dá lugar ao “arco da Constituição”.

De orgulho ferido, não concebe a ideia de dar posse a um Governo que tem o apoio do BE e do PCP, precisamente na hora da saída. Com a popularidade pelas ruas da amargura, sente na pele a referência que anos antes fizera a Mário Soares ao ironizar “deixemos o PR terminar o seu mandato com dignidade”, transformando-se no “bombo da festa”. A 9 de Outubro, Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso em que anuncia a sua candidatura a Belém, diz que tudo fará para não “passar problemas evitáveis” ao seu sucessor. O recado a Cavaco é explícito.

No dia 22 de Outubro, Cavaco faz um discurso incendiário, excluindo a hipótese de qualquer partido à esquerda do PS poder vir a integrar um Governo. Motivado pelo ódio à democracia, “decreta” que quem seja contra o Tratado Orçamental ou contra a NATO não pode governar. Ignorante e alheio à realidade que o rodeia, não repara que por toda a Europa há governos compostos por partidos que não foram a primeira escolha do eleitorado e até integram eurocéticos. O ódio vai ao ponto de apelar a um rebelião dentro do PS, tiro que mais uma vez lhe saiu pela culatra, já que na eleição do Presidente da Assembleia da República e na votação da moção de censura ao Governo PSD/CDS, nenhum deputado do PS rompeu a disciplina de voto. Lembrando a tradição e refugiando-se na Constituição, que sempre invocou de forma seletiva, indigita Passos Coelho.

A 30 de Outubro, dá posse ao Governo mais curto do pós-25 de Abril. Este será chumbado doze dias depois. O que o levara a ignorar o 5 de Outubro, dá agora lugar ao desleixo e irresponsabilidade. Cavaco vai deixando o país a arder em lume brando e ainda tem tempo para um passeio à Madeira. No regresso faz uma nova ronda de audições que mais não servem para repetir, à direita e à esquerda, os mesmos argumentos.

Desde 4 de Outubro que a direita tem esgrimido os argumentos mais absurdos. Mas os seus 107 deputados não chegam para os 123 dispostos a apoiar o PS. Cavaco e a direita perderam e têm de se conformar com o resultado. Naquele dia, os portugueses foram claros ao repudiar um governo odioso que massacrou os mais desfavorecidos, roubou salários e reformas, aumentou os impostos que atingiram recordes de cobrança fiscal, como recorde atingiu a dívida pública que aumentou com o Governo PSD/CDS 60 mil milhões de euros. Entre 2011 e 2015 a dívida pública passou de 160 mil milhões para 220 mil milhões de euros. O desemprego e a emigração atingiram mais de um milhão de pessoas.

No momento em que estas linhas são escritas ainda não se conhece a decisão de Cavaco. Entre um governo de gestão, repudiado por todos, ou um governo do PS, com apoio parlamentar do BE, PCP e PEV, a escolha óbvia é a que Cavaco mais detesta, dar posse a um governo de esquerda, decisão a que não pode fugir.

Como dizia o saudoso Mário Viegas no seu Manifesto Anti-Cavaco: «O Professor Aníbal Cavaco Silva nasceu para provar que nem todos os que governam sabem governar».Redação Gazeta da Beira

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