“Não desistimos de viver no Interior”

Animar mobilizou o país para o combate contra a morte do Interior

Nos passados dias 7 e 8 de novembro decorreu na UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) o II Fórum do Interior. Especialistas, associações, cidadãos debateram sobre as principais dificuldades que atravessam hoje as localidades do Interior e apontaram soluções. Uma iniciativa de dimensão nacional que conseguiu colocar o assunto na ordem do Dia. Lafões é também uma região de Interior e não é exceção. Também aqui, cada vez mais, as dificuldades se fazem sentir. A Gazeta da Beira saiu à rua e esteve a falar com quatro lafonenses que, entre as dificuldades e a vontade de viver na Terra que os viu nascer, contam a sua história.

10712739_704077806345485_7230304276996226392_nPerderam serviços públicos, atrás deles foram negócios, atrás deles empregos, atrás deles população. Podíamos continuar. A Bola de neve é gigante, gira a uma velocidade vertiginosa, destruído tudo por onde passa. A pouco e pouco, o Interior do País vai morrendo, os jovens são obrigados a partir em busca das oportunidades que não encontram nos pequenos espaços rurais. Os mais velhos ficam, sozinhos, muitas vezes isolados, sem transportes públicos, longe da saúde e de outros bens de primeira necessidade.

Sem emprego não conseguimos fixar os jovens!

Sandra Fonte tem 24 anos e é natural da aldeia dos Amiais, freguesia de Couto de Esteves. Recentemente saiu do concelho, à procura de uma vida melhor. Procurou, mas não encontrou trabalho em Sever do Vouga “há pouca oferta. Quando existem vagas são sobretudo para o sexo masculino e para trabalhos muitos técnicos”, explica.

Para Sandra Fonte seriam cruciais novas medidas para conseguir fixar população no Interior. Como defende, “Vivemos tempos muito difíceis. Há muita pobreza e dificuldades encobertas. A nível social, cada vez mais as Câmara Municipais e as entidades competentes deveriam estar alerta para essas situações. Porque não incentivos à natalidade? Penso que poderia ajudar… Há diversas câmara que o fazem… eu já tenho dois filhos e nunca tive conhecimento de nenhuma iniciativa semelhante”, critica.

 “As Portagens na A25 desligaram o Interior do Litoral”

foto jovensJá Jorge Oliveira, 28 anos, vive em S. Pedro do Sul, mas trabalha a 47 quilómetros de casa. Vai e vem todos os dias, só assim consegue ficar com a família. Para chegar a casa tem duas opções a A25 e EN16. Jorge Oliveira escolhe a primeira, apesar dos pórticos. Todos os dias só em portagens gasta um 1,7 euros, soma-se o combustível e o desgaste do carro. “Hoje em dia, as pessoas antes de sair de casa para trabalhar tem que saber se compensa ir trabalhar ou se mais vale ficar em casa”, explica. Para o jovem seria “crucial” que Autoestrada voltasse a ser uma SCUT, ou seja, uma estrada sem custo para os utilizadores. Esta medida, como considera, “veio desligar o Interior do Litoral do país.”

Para Jorge Oliveira a Estrada Nacional 16 não é uma alternativa viável. Como justifica, “É uma estrada bonita para passearmos ao domingo, agora, é impossível percorrê-la duas vezes por dia. É perigosa, principalmente no Inverno, com o gelo que vai adquirindo em muitas zonas. Pela Nacional demora-se quase o dobro… isto se não apanharmos um camião, o que acontece muitas vezes”.

Em Lafões, não há uma rede de transportes públicos viável!

Natália Bastos tem mais de 65 anos e vive em Parada, freguesia de Ribeiradio, em Oliveira de Frades. Ultimamente, tem tido a necessidade de se deslocar à sede do distrito, uma tarefa nada fácil! Para chegar à paragem mais perto e apanhar o autocarro às 7h30 de manhã tem que fazer uma viagem a pé de 45 minutos. Um caminho longo, que os atalhos vão encurtando. Depois, são duas horas e meia de viagem interrompidas pelas inúmeras paragens obrigatórias. Para cá, costuma apanhar o autocarro das 15h30, o qual vai até Oliveira de Frades. Depois, tem que aguardar cerca de meia hora, para apanhar a ligação até Ribeiradio. Chega a paragem de Ribeiradio às 18h45, no Inverno já é de noite. Se não encontrar nenhuma boleia tem pela frente mais 45 minutos a pé.

Não há uma rede de transportes públicos viável em Lafões. Quem não têm carro próprio perde sempre um dia útil para poder tratar dos seus assuntos. É perante esta realidade que vemos fechar escolas, hospitais, tribunais e talvez repartições de finanças e deslocar serviços para os grandes centros urbanos.

Serviços públicos são precisos para criar riqueza!

O Tribunal de Vouzela foi um dos da região que foi reduzido a secção de proximidade. Excecionalmente, o julgamento dos incendiários do Caramulo continua a ser julgado neste concelho. Dias de muito movimento que diferem da rotina habitual. A Gazeta da Beira foi até à Padaria Flor do Zela, mesmo “à porta” do Tribunal. A gerente, Mónica Nunes, fala-nos da importância dos serviços públicos para o comércio local.

“O encerramento do Tribunal afeta-nos sim e de que maneira, aliás afeta de uma maneira geral todos os comércios da Vila”, explica. Mónica Nunes teme que a falta dos serviços venha tirar todo o movimento a Vouzela e que prejudique gravemente os negócios. De facto os serviços atraem pessoas e movimento. A gerente dá o exemplo de, quem sabe, o último julgamento deste Tribunal: “Nesses dias temos bastante movimento, vem cá muita gente… temos casa cheia”.

Saúde procura-se!

Antes, todos os concelhos tinham urgências permanentes. Agora, em Lafões, apenas S. Pedro do Sul continua com estes serviços. Todos os outros, abrem em períodos parciais do dia. Em Sever do Vouga as urgência só estão abertas das 20h00 à meia-noite. Quatro horas, em vinte e quatro de um dia. Sandra Fonte acredita que esta situação não serve os interesses do concelho. Como defende, “De que é que nos vale ter o Centro aberto “meia dúzia” de horas apenas? Temos que escolher um horário para adoecermos?” questiona.

Um problema grave que se torna ainda mais grave se considerarmos a falta de acessibilidades, de transportes públicos e a população envelhecida. Como acrescenta a jovem, “a população idosa está em maior número. Além do mais, muitas pessoas não têm transportes próprios e moram isoladas, têm que aguardar pelo apoio de uma ambulância. Esse tempo de espera pode ser decisivo.

“Não pode haver cidadãos de segunda e de primeira!”

A frase reivindicativa já se tornou cliché, mas continua sem sortir efeito. Vivemos num país a dois tempos. Como acredita Jorge Oliveira, “É preciso olhar para o Interior do País com outros olhos”. O jovem acredita que há ainda um certo preconceito, com os pequenos espaços rurais. “Hoje já não há essas distinções. As pessoas dos espaços rurais, tem a mesma informação, a mesma formação e a mesma capacidade, precisamos é de oportunidades”. E acrescenta, “O espaço rural tem muito para oferecer, temos muitas potencialidades é preciso criar novas dinâmicas de desenvolvimento, mas, para isso, o Estado não nos pode virar as costas”. Apesar das contrariedades fica a certeza: “não desistimos de viver no interior!”.Redação Gazeta da Beira

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *