Mario Pereira

Um pouco mais de discussão

646_p24_croniicas-unidadeHoje somos confrontados com um ambiente que ameaça tornar quase proibido pensar pela nossa cabeça.

O Presidente da República tem vindo a ensaiar diversas tentativas para criar um clima de unidade nacional, capaz de fazer lembrar a que existiu até há quarenta anos atrás.

Este discurso em favor da unidade nacional é apenas função das oportunidades e das circunstâncias e por isso é necessário que sejamos muito críticos.

Esta unidade nacional não tem por base nenhuma ideia de futuro que mereça o nosso esforço e por isso é apenas um discurso, vazio de sentido, que visa fazer-nos acreditar que só há uma possibilidade de futuro e que o destino quis que sejam profetas e  arautos dessa verdade absoluta o presidente e o governo.

As consequências da unidade sem discussão estão à vista.

Há três anos fizeram coro, incluindo António José Seguro, para chamar a Troika e quem se tramou fomos nós.

Agora estão todos empenhados em que a Troika vá embora.

Quando vejo esta unanimidade começo a desconfiar que estão a preparar alguma, o que me leva a pensar que se eles querem que a Troika vá embora talvez seja melhor ela continuar por cá, pelo menos, até às próximas eleições.

À esquerda o problema da unidade é, também, hoje a questão dominante.

O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda continuam reféns de divisões, no movimento comunista internacional, que ocorreram nos anos de 1960 e 1970 e que foram, então, vividas como questões de fé.

Como questões de fé que foram impedem a unidade pois pressupõem que à esquerda só há uma linha justa e correta. A nossa. Todos os outros são inimigos.

Nestes movimentos nunca houve o conceito de adversários, apenas o de inimigos e quem fosse inimigo do partido era também inimigo de classe e anti-patriota, etc… mais do que diálogo o objetivo era a aniquilação do outro.

A partir deste lastro histórico, que analisado hoje, à luz do presente e dos desenvolvimentos que ocorreram  na sociedade desde então, é capaz de parecer um pouco ridículo, torna-se impossível que as forças de esquerda cooperem, ativamente, na solução dos problemas concretos das pessoas.

Tenho poucas dúvidas que para o Partido Comunista seria mais difícil relacionar-se com um governo do Bloco  de Esquerda do que com um governo do CDS. A vice versa também não deixa de ser verdadeira.

É na verdade notório que lhes é mais fácil relacionar-se com o governo atual do que foi com o governo do Partido Socialista,basicamente,porque os fundadores deste partido em vez de lhe terem chamado social-democrata, o que estaria mais de acordo com a sua natureza, lhe chamaram socialista.

Face a este quadro estão a surgir à esquerda movimentos  que decretaram que agora a linha justa é a união da esquerda, sendo essa a sua única proposta.

A unidade não pode ser um programa em si mesmo.

A unidade da esquerda em si mesmo pode ser boa ou má dependendo do projeto que pretender aplicar. A direita depois de muitas guerras uniu-se e o resultado não está a ser brilhante.

O que precisamos é de discutir muitas ideias e muitas propostas, pois só a partir dessa discussão será possível encontrar um conjunto de medidas e projetos com que possamos concordar.

O desafio da esquerda não é muito diferente do de todos os partidos. Filipe Anacoreta Correia disse no congresso do CDS que o partido tem que se tornar menos preocupado com a unanimidade e, em vez disso, preocupar-se em incluir quem tem opiniões e propostas diversas, o que poderia e deveria ser dito de todos os partidos considerados de esquerda.

A unidade da esquerda tem que ser construída pela valorização das diferenças e não pelo combate – palavra muito mais enraizada na esquerda do que por exemplo a palavra disputa – pela imposição da linha justa.

Espero que 2014 nos traga mais unidade construída a partir das nossas particularidades e não pela sua anulação.

• Mário Pereira

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *