Mario Pereira
Um pouco mais de discussão
Hoje somos confrontados com um ambiente que ameaça tornar quase proibido pensar pela nossa cabeça.
O Presidente da República tem vindo a ensaiar diversas tentativas para criar um clima de unidade nacional, capaz de fazer lembrar a que existiu até há quarenta anos atrás.
Este discurso em favor da unidade nacional é apenas função das oportunidades e das circunstâncias e por isso é necessário que sejamos muito críticos.
Esta unidade nacional não tem por base nenhuma ideia de futuro que mereça o nosso esforço e por isso é apenas um discurso, vazio de sentido, que visa fazer-nos acreditar que só há uma possibilidade de futuro e que o destino quis que sejam profetas e arautos dessa verdade absoluta o presidente e o governo.
As consequências da unidade sem discussão estão à vista.
Há três anos fizeram coro, incluindo António José Seguro, para chamar a Troika e quem se tramou fomos nós.
Agora estão todos empenhados em que a Troika vá embora.
Quando vejo esta unanimidade começo a desconfiar que estão a preparar alguma, o que me leva a pensar que se eles querem que a Troika vá embora talvez seja melhor ela continuar por cá, pelo menos, até às próximas eleições.
À esquerda o problema da unidade é, também, hoje a questão dominante.
O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda continuam reféns de divisões, no movimento comunista internacional, que ocorreram nos anos de 1960 e 1970 e que foram, então, vividas como questões de fé.
Como questões de fé que foram impedem a unidade pois pressupõem que à esquerda só há uma linha justa e correta. A nossa. Todos os outros são inimigos.
Nestes movimentos nunca houve o conceito de adversários, apenas o de inimigos e quem fosse inimigo do partido era também inimigo de classe e anti-patriota, etc… mais do que diálogo o objetivo era a aniquilação do outro.
A partir deste lastro histórico, que analisado hoje, à luz do presente e dos desenvolvimentos que ocorreram na sociedade desde então, é capaz de parecer um pouco ridículo, torna-se impossível que as forças de esquerda cooperem, ativamente, na solução dos problemas concretos das pessoas.
Tenho poucas dúvidas que para o Partido Comunista seria mais difícil relacionar-se com um governo do Bloco de Esquerda do que com um governo do CDS. A vice versa também não deixa de ser verdadeira.
É na verdade notório que lhes é mais fácil relacionar-se com o governo atual do que foi com o governo do Partido Socialista,basicamente,porque os fundadores deste partido em vez de lhe terem chamado social-democrata, o que estaria mais de acordo com a sua natureza, lhe chamaram socialista.
Face a este quadro estão a surgir à esquerda movimentos que decretaram que agora a linha justa é a união da esquerda, sendo essa a sua única proposta.
A unidade não pode ser um programa em si mesmo.
A unidade da esquerda em si mesmo pode ser boa ou má dependendo do projeto que pretender aplicar. A direita depois de muitas guerras uniu-se e o resultado não está a ser brilhante.
O que precisamos é de discutir muitas ideias e muitas propostas, pois só a partir dessa discussão será possível encontrar um conjunto de medidas e projetos com que possamos concordar.
O desafio da esquerda não é muito diferente do de todos os partidos. Filipe Anacoreta Correia disse no congresso do CDS que o partido tem que se tornar menos preocupado com a unanimidade e, em vez disso, preocupar-se em incluir quem tem opiniões e propostas diversas, o que poderia e deveria ser dito de todos os partidos considerados de esquerda.
A unidade da esquerda tem que ser construída pela valorização das diferenças e não pelo combate – palavra muito mais enraizada na esquerda do que por exemplo a palavra disputa – pela imposição da linha justa.
Espero que 2014 nos traga mais unidade construída a partir das nossas particularidades e não pela sua anulação.
• Mário Pereira
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