Manuel Veiga

Pela tecnologia procura condicionar-se a vontade

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Há mais de trinta anos, ouvi da boca de um expert norte-americano que a mensagem publicitária deve explodir no cérebro “como uma bala”. A metáfora, de uma eficácia arrepiante, exprime a vocação totalitária do consumo, a que todo o Desejo, Vontade, Emoções e Sentimentos são submetidos pela força prodigiosa da publicidade e do marketing…

Hoje, não é motivo de escândalo!… Mas, então, éramos jovens, tínhamos sonhos e não bebíamos Coca-Cola!… Foi, assim, por nós considerada tão elucidativa imagem como mais um exemplo “prático” da urgência em mudar o mundo… Para que o Homem, liberto das contingências da exploração social e das manipulações do consumo, pudesse, enfim, assumir-se, sem culpa, nem pecado, na reincarnação de Eros e a publicidade não fosse mais que a celebração da Poesia…

Surpreendi-me nestas lucubrações ao ler, uns anos atrás (27.10.07) no semanário Expresso, que a revista de economia norte-americana Forbes – uma revista de negócios – publicou um artigo entusiástico sobre os avanços das neurociências, com o sugestivo título (em tradução livre) “À procura do botão/interruptor das compras”.

O artigo em causa não saiu, obviamente, por acaso, mas sim na sequência de um crescente interesse nos meios norte-americanos por este assunto. O Expresso cita, a propósito, uma variedade significativa de artigos sobre o tema e esclarece que a Forbes, “que não brinca em serviço”, segue com atenção o que passa nos laboratórios de investigação das neurociências.

Porquê? Porque estas pesquisas tentam perceber o que acontece no nosso cérebro quando este é sujeito a determinados estímulos. E, claro – diz o Expresso – “o facto de as empresas poderem configurar os seus produtos ao conhecimento preciso do que se passa no cérebro do consumidor, é algo cujo potencial só pode ser aliciante”, já que permitirá a perfeita adequação dos produtos ao consumo. E o conhecimento dos impulsos cerebrais permitirá “carregar no botão das compras de cada um de nós, individualmente…”

Por isso, a Forbes – acrescenta o semanário – voltou à carga com novo artigo, desta vez intitulado “Este é o seu cérebro quando faz uma compra”.

Este segundo artigo da Forbes terá sido motivado pela publicação de um texto da revista científica Neuron, na qual um grupo de estudiosos revela que, fazendo um scanning – com uma das mais recentes tecnologias disponíveis, o FMRI (Functional Magnetic-Resonance Imaging) – ao cérebro de um indivíduo se “conseguia determinar se ele iria fazer, ou não, uma determinada compra”.

Esclarece ainda o Expresso que os autores do artigo científico em questão pertencem a algumas das mais prestigiadas escolas dos Estados Unidos e que trabalham numa nova área de investigação designada “neuroeconomia”. Esta nova “ciência” combina as contribuições das neurociências, da economia e da psicologia na perspectiva de definir, entre outras questões, os padrões de comportamento dos indivíduos na tomada de decisões de consumo…

Como se compreende, os artigos são cautelosos quanto à possibilidade de as “lojas em geral” terem capacidade para “olhar” para dentro do cérebro dos consumidores – “não só pelo custo proibitivo das máquinas que o fazem, como pela sua inadequação aos espaços mais comuns”-, mas garantem que os resultados obtidos permitem já não só compreender melhor os mecanismos da tomada de decisão dos consumidores “como prefiguram claramente o futuro que se prepara”.

Enfim, se eles o dizem…

E, com toda a naturalidade, referem que grandes empresas como a General Motors, por exemplo, têm vindo a utilizar tecnologias de visualização do cérebro em tempo real, para estudarem as reacções dos consumidores perante determinadas imagens específicas (carros, dinheiro, etc.).

Entretanto, a dimensão orwelliana agrava-se quando se fica a saber que tais tecnologias de “leitura do cérebro” serão, num futuro não muito distante, também “passíveis de serem exploradas e aplicadas em contextos muito diversos, como a política e a cultura…”

Eis, pois, o anúncio antecipado da derrota de Eros e do fim da autodeterminação do Homem que, desde os helénicos, tem percorrido História como promessa de realização plena…

Perante isto, que posso dizer-vos?… Que a metáfora da explosão da bala deixou de fazer sentido?… Ou que ainda hoje não bebo Coca-Cola?… Ou dizer-vos da fatalidade do absoluto “Triunfo dos Porcos”?

Ou, pelo contrário, proclamar que continuo acreditar na urgência em mudar o Mundo?…Redação Gazeta da Beira

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