Manuel Silva

Inimigos e adversários principais

Em artigo publicado há algum tempo no jornal espanhol “El País”, Mário Vargas Llosa afirmava ter o comunismo deixado de ser o inimigo principal do mundo livre, sendo substituído pelo populismo, de direita e de esquerda, como comprovam a vitória da criança birrenta, de 70 anos, que preside aos EUA, a força eleitoral de Marine Le Pen ou De Wilders, o “Brexit”, o populismo esquerdista venezuelano ou nicaraguense, com as terríveis consequências que provocaram.

Num outro artigo publicado no “Diário de Notícias” por Proença de Carvalho, após várias críticas à política de ajustamento da troika e do governo da direita, afirmava: “as alternativas que hoje se colocam perante a realidade que nos rodeia e se impôs em todo o mundo desenvolvido não são mais as ideologias do passado, esquerda-direita. Hoje a fronteira, no Ocidente, é a que divide os que defendem um Estado forte e autoritário, o regresso às fronteiras de controlo das pessoas e do comércio, o fim da globalização, e os que lutam pelo Estado de direito, a não discriminação de qualquer espécie, a saudável convivência de crenças religiosas, culturas e modos de vida”.

O autor de “Conversa na Catedral” e Proença de Carvalho defendem o liberalismo político e económico, acompanhado de uma componente social, e a regulação do capitalismo pelo Estado de Direito e o regime democrático. O neo-liberalismo reaganista e thatcheriano cavou desigualdades sociais devido à desregulamentação, financeirização da economia, individualismo, egoísmo e perda de sentido comunitário e solidário. Thatcher dizia “a sociedade não existe. Existem pessoas e famílias”. Poderá haver melhor exemplo da defesa do “cada um por si”? Um economista e pensador neo-liberal austríaco, Hayek, afirmava não ser possível nem desejável a justiça social. O neo-liberalismo é o principal responsável pela crise actual, o populismo reaccionário e revolucionário.

Após a II guerra mundial e até à implosão do comunismo, a diferença entre direita e esquerda democráticas residia essencialmente no conservadorismo social, à direita, e no progressismo, à esquerda, havendo quem, ao centro, procurasse a síntese entre tradição e modernidade. A esquerda e a direita moderadas democratizaram e humanizaram o capitalismo, desenvolveram o Estado Providência, permitindo o acesso da generalidade dos cidadãos a bens como a saúde, a educação e a segurança social, combateram a pobreza, criaram bons níveis de vida e classes médias maioritárias.

Depois da queda do muro de Berlim, a deslocação para a direita do centro-direita democrático e social por alguns dos motivos acima mencionados, no que foi seguido pela generalidade dos partidos da Internacional Socialista, está na origem das injustiças de hoje, da destruição de parte considerável da classe média e do empobrecimento da maioria dos cidadãos, enquanto os ricos estão muito mais ricos.

À excepção do Partido Socialista Português, que provou ser possível diminuir o défice, embora a dívida pública ainda seja elevada, criando emprego, repondo salários e pensões e aumentando o salário e as reformas mínimos, ou do Partido Trabalhista Britânico sob a liderança de Jeremy Corbyn, praticamente todos os partidos socialistas e sociais-democratas endossaram, ainda que sob uma linguagem falsamente social, o neo-liberalismo, seguindo o pensamento único do “não há alternativa”. A esmagadora maioria da esquerda moderada tem uma prática de direita. Pode dizer-se que a diferença entre a esquerda e a direita sistémicas é nula, só que, agora por maus motivos. De esquerda são praticamente só os partidos comunistas que restam e novos grupos como o PODEMOS , o SYRYZA ou o Bloco de Esquerda.

Para combater a descrença e a desilusão dos cidadãos nos políticos moderados, as quais estão na origem do populismo, os partidos moderados, conservadores, democratas-cristãos, socialistas e sociais-democratas deverão voltar a colocar em prática as políticas sociais em vigor durante a chamada guerra fria. Para tal deverão efectuar algumas reformas: baixa dos impostos para atrair investimentos privados, aumento do investimento público que puxa por aqueles – o que poderemos considerar uma síntese entre keynesianismo e parte sã do liberalismo -, melhoria da produtividade e da competitividade empresariais com base na formação profissional e na melhoria salarial e não nos baixos salários e no empobrecimento tão ao gosto do falso Partido Social-Democrata Português.

Para a aplicação destas políticas, tais partidos e as internacionais a que pertencem deverão lutar pela flexibilização dos critérios de convergência europeus, a reestruturação da dívida pública a nível internacional e restaurar o velho conceito de soberania nacional  sem pôr em causa o ideal europeu. Na UE todos  os países deverão ser tratados de forma igual e solidária. Se o conseguirem, embora haja diferenças que distingam aquelas forças políticas, por exemplo no tocante a costumes e causas fracturantes, não fará sentido continuar a falar de esquerda e direita e o populismo, especialmente o direitista e nacionalista, desaparecerá.

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