Manuel Silva

A cabeça do Chega não é André Ventura

Muita gente anda distraída com o Chega, e se houver votos eles virão pelo Chega, mas a cabeça não está no corpo de André Ventura.

Pacheco Pereira, Público de 23/01/2021

 

Quando escrevo ainda não decorreram as eleições presidenciais. A campanha eleitoral foi atípica, até pela situação sanitária calamitosa que estamos a passar. Os grandes problemas nacionais mal foram debatidos.

O actual PR Marcelo Rebelo de Sousa teve uma atitude de desprezo pela campanha, o que é uma desvalorização do seu próprio cargo, prescindindo dos tempos de antena e não apresentando qualquer programa. Talvez porque saiba ser eleito à primeira volta. Se a abstenção chegar a 70%, como prevêem algumas sondagens, não terá menos legitimidade, mas as condições para se impôr, se necessário, a este ou qualquer outro governo, ficam diminuidas.

O candidato André Ventura não apresentou qualquer programa sólido, não passa de um demagogo reaccionário, provocador e mal educado. Por decoro e, como diz o povo, “porque não me limpo aos guardanapos dele”, não vou repetir os insultos que dirigiu a outros candidatos. Quando diz que quer mudar “o sistema” e “o regime”, tal significa acabar com a democracia. Quando é que um candidato democrata diz não ser presidente de todos os portugueses, mas apenas dos “de bem”. Com esta expressão está a dividir o país em bons e maus, está a criar o tribalismo e o ódio entre portugueses.

Numa democracia, mesmo quem vive à margem da lei e pratica crimes, o Chefe de Estado também é seu presidente. A quem cabe julgar e, eventualmente condenar tais pessoas são os Tribunais. Alguém viu, aliás, André Ventura, defender a separação de poderes? Claro que não, porque a extrema-direita pretende controlá-los todos. A propósito de justiça, o candidato Ventura tem procurado manchar a honra de todos os magistrados portugueses, judiciais ou do Ministério Público, dizendo que a estrutura judicial está controlada pelo PS. Esse controlo viu-se ainda recentemente, quando um Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça validou uma escuta em que António Costa surge a falar com o ministro do ambiente, Matos Fernandes, no âmbito do chamado processo do hidrogénio verde…

Mas quem são as pessoas de bem para Ventura e o Chega? As classes médias. Este sector da sociedade tem perdido muito poder de compra nos últimos 20 anos. Muitos pequenos e médios comerciantes e industriais foram à falência, especialmente após a chegada do covid-19, piorando mais a situação com o novo confinamento. Estão a proletarizar-se, usando uma linguagem marxista. Nestas alturas, toda a extrema-direita procura utilizar o descontentamento da classe média. Foi assim com Hitler, Mussolini, Trump e outros aparentados ideológicos do Chega e do seu candidato.

André Ventura diz que não quer ver quem trabalha manter os subsidiodependentes. Porque nunca falou de pobres e reformados, estará a incluir estes últimos naquela categoria. São mais de 3 milhões e trabalharam uma vida inteira. Ajudaram a pagar os estudos a este imitador de Mussolini. Leitor reformado ou que estará para passar a essa situação, vota neste pregoeiro de feira?

Diz que a subsidiodependência prejudica muito Portugal, mas esses subsídios não dão para construir 27 pontes Vasco da Gama ou 56 novos hospitais, como o dinheiro que vai para os bancos, devido às vigarices de muitos dos seus gestores e proprietários. Ventura nunca falou de Ricardo Salgado, António Mexia, Zeinal Bava, Granadeiro, Joe Berardo e outros que destruíram empresas e estão a contas com a justiça. Muito boa gente que anda a dizer que não quer subsidiar “quem nada faz” gosta de ver os seus impostos pagarem as falcatruas do capitalismo desonesto e selvagem? Se gosta, deveria pagar muito mais ainda.

Por aqui se vê que interesses a demagogia do Chega representa.

André Ventura e o Chega têm direito à palavra? Têm. Numa democracia, os seus inimigos, como é o caso, devem poder manifestar-se. A lei que proíbe as organizações fascistas está errada. Se, em vez de referir “partidos e organizações fascistas”, mencionasse “partidos e organizações totalitárias”, haveria vários partidos a serem ilegalizados. Não estão correctas as manifestações contra André Ventura durante a campanha eleitoral, especialmente aquela em que houve agressões à sua caravana. Atitudes destas só o promovem, porque se vitimiza e mostram a “democracia” de outras forças contra as quais foi necessário lutar em outros tempos.

O combate à extrema-direita passa pela luta de ideias e a elucidação das pessoas sobre os objectivos da mesma, como procuro fazer neste texto, até porque Ventura é um pau mandado de outrem, como diz Pacheco Pereira na frase acima citada. Por trás dele está outra gente.

O ideólogo do partido Chega é Diogo Pacheco de Amorim, que nos anos 60 e 70, até ao 25 de Abril, com Jaime Nogueira Pinto, Goulart Nogueira ou José Miguel Júdice, militavam em organizações estudantis “nacionalistas-revolucionárias”, de carácter abertamente fascista, tendo, no consulado de Marcelo Caetano, sido oposição de direita dentro do próprio regime. Após a instauração da democracia, Pacheco de Amorim continuou – e continua – a ser de extrema-direita, tendo estado ligado ao MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal) e ao seu braço armado, o ELP (Exército de Libertação de Portugal), que, nos anos de brasa a seguir à revolução de Abril, assassinou várias pessoas, especialmente em atentados bombistas.

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