Manuel Silva

O ataque dos trumpistas ao Capitólio

Os trumpistas assaltaram o Capitólio, no passado dia 6 de Janeiro, a fim de perturbar os trabalhos de contagem de votos do colégio eleitoral para o Senado. Nem a propósito, os democratas obtiveram maioria na Câmara Alta, passando a controlar o Congresso, após o Supremo Tribunal de Justiça declarar válida a eleição de Joe Biden. O populismo reaccionário é isto, que parece o prenúncio de uma guerra civil. O ideólogo de Trump e seus fanáticos racistas, chauvinistas, machistas, nazis, é o mesmo de André Ventura, Marine Le Pen, ou Salvini, Steve Bannon.

Trump, narcisista, idiota, mentiroso, vigarista político e nos negócios, apelou aos seus apoiantes para se encaminharem para o Capitólio. Ali chegados, invadem a Casa da Democracia, onde funciona o Congresso, provocando distúrbios.

Viu-se gabinetes ocupados por labregos, como dizia António Barreto no “Público” do passado dia 9 de Janeiro, a ralé a passear-se pelos locais onde funcionam as assembleias. Do confronto com a polícia resultaram 5 mortos. Destes só se pode considerar herói o polícia, o resto era gente que queria derrubar a democracia e instaurar uma ditadura. Se fossem poder, mandariam matar muito mais gente. No entanto, também se viu a complacência de alguns agentes, confirmando que a polícia americana está infiltrada pela extrema-direita, o que também acontece cá.

Não haja a menor dúvida de que se está perante uma tentativa falhada de golpe de estado, que apressou inexoravelmente o fim de Donald Trump, ainda que o trumpismo continue. No entanto, muitos republicanos já viram o filme do futuro e afastam-se do seu chefe, a começar no ex-vice-presidente, Pence.

O maior alvo dos inimigos da democracia sempre foi o poder legislativo. Os labregos portugueses que odeiam a democracia, a primeira instituição que atacam é o parlamento. Que “devia cair lá uma bomba”, “os deputados deveriam ser mortos”, etc.

Todas as forças políticas totalitárias abominam a instituição parlamentar para não terem outro poder a controlá-las. Quando os bolcheviques, liderados por Lenine, tomaram o Palácio de Inverno, em Sampetersburgo, em Outubro de 1917, estavam marcadas eleições legislativas para daí a pouco tempo. Como diria o seu mentor Karl Marx, “não estavam reunidas as condições objectivas e subjectivas” para impedir o sufrágio para a Duma, nome do parlamento, que se realizou. O partido mais votado foi o Partido Socialista Revolucionário (manchevique). Os bolchevistas ficaram em 4º lugar, com 25% de votos.

Como as votações não eram favoráveis aos comunistas (bolcheviques), na primavera de 1918 o Exército Vermelho, comandado por Trotsky, assalta a Duma e impõe uma Assembleia Popular.

Em Portugal, tivemos, em 1974/75, um remake da revolução de Outubro. Quando Álvaro Cunhal chega a Portugal, salta para cima de um chaimite e faz um discurso semelhante ao de Lenine quando chegou, em Abril de 1917, à Finlândia. À sua volta, apareciam uns senhores de braçadeira vermelha, que os maoistas apelidavam de “nova legião”. Tudo foi ponderado milimetricamente por Cunhal e o PCP, incluindo o salto para a chaimite, uma afirmação de que tinha fortes apoios no MFA, como se viu posteriormente.

As eleições de 1975 deram a vitória ao PS (37%), seguindo-se o PPD, actual PSD (26%), obtendo o PCP cerca de 13%. Após a tomada de posse da Assembleia Constituinte, comunistas e aparentados afirmavam constantemente em manifestações “abaixo a constituinte, já”. Uma semana antes do 25 de Novembro, usando os operários da construção civil como tropa de choque, as forças totalitárias de esquerda cercam o parlamento, dando vivas à ditadura do proletariado. Porque houve acordo com os trabalhadores da construção civil, as coisas ficaram por ali, ao fim de, creio que dois dias, de sequestro dos deputados. Em 25 de Novembro, o golpe final falha e inicia-se o período de construção de uma democracia liberal.

Em Espanha, poucos anos após a instauração do regime democrático, forças da Guarda Civil, comandadas por Tejero Molina, assaltam o parlamento, sendo facilmente derrotadas.

Não me identifico nem gosto do american way of life, mas reconheço que na América, desde a sua fundação, sempre houve uma democracia liberal a funcionar. Nas décadas de 20, 30 e 40 do século anterior, contrariamente a muitos países europeus, os comunistas e fascistas americanos eram uma ínfima minoria. Há poucos anos, seria impensável ver os EUA chegar a este ponto, mas há uma explicação para isto. E não venham dizer que os americanos são burros, pois isso é também uma mentalidade anti-democrática É o mesmo que dizer “somos os iluminados e quem não pensar como nós, não é bem pensante, é burro”.

Se Trump chegou ao poder e, na saída do mesmo, tentou um golpe de estado, tal deve-se a vários factores: a desigualdade de rendimentos cada vez maior entre ricos e pobres, especialmente a partir da “Revolução Conservadora” de Reagan, o desemprego enormíssimo em várias zonas do país, em consequência da globalização injusta socialmente e sem freio, a enorme miséria e pobreza. No país mais rico do mundo, há trinta milhões de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza. Há quem morra na rua ao frio! A classe política de há 4 anos estava desacreditada. Hillary Clinton era uma má candidata, porque eram sabidas as suas jogadas na economia de casino (bolsa). A corrupção era enorme. Trump aproveitou todo o descontentamento existente na sociedade. A classe operária caída no desemprego foi uma grande força social de apoio ao trumpismo, assim como boa parte da classe operária italiana e alemã combateu ao lado de Mussolini e Hitler e os chamados descamisados alinharam, na Argentina, com Peron. O principal slogan de Eva Peron era “argentinos, marcharemos contra a oligarquia!” É que, anteriormente, na Argentina não existia uma democracia, mas uma oligarquia. No funeral de Eva Peron estava uma enorme multidão, na qual se integraram milhares de operários. Eram burros..

Que estes factos históricos e actuais nos sirvam a todos de exemplo para a defesa da liberdade e da democracia.

PS: no próximo dia 24, decorrerão as eleições presidenciais mais desinteressantes de sempre. Marcelo será reeleito. Resta saber se com uma margem inferior ou superior a Mário Soares quando foi também reeleito. O Tino continuará a figura castiça de sempre. João Ferreira, Marisa Matias e Tiago Mayan Gonçalves recolherão o voto militante dos apoiantes dos seus partidos. A grande luta vai ser pelo segundo lugar, entre dois populistas, Ana Gomes e André Ventura. Seria bom que Ana Gomes obtivesse o segundo lugar. Se nesta posição ficar Ventura, estaremos perante uma situação perigosa. Veja-se, mais uma vez, o que se passa nos States.

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