Manuel Silva

ESTÁ A RENASCER UMA DIREITA SOCIAL NA EUROPA? (Parte 1)

Recentemente, foram divulgadas notícias em 40 órgãos de comunicação social de vários pontos do globo afirmando existir desde 2002 um acordo secreto entre o governo do Luxemburgo e 340 multinacionais, incluindo portuguesas, que tem permitido a fuga de impostos das nações onde tais empresas têm sede para aquele país.

Como resultado de  tal acordo vários países perderam muitos milhares de milhões de dólares. Sem dúvida que os culpados da crise mundial iniciada em 2007/2008 foram os pobres e remediados que viveram acima das suas possibilidades. Eis uma prova de que assim é…

Segundo o jornal francês “Le Monde”, os governos dos países afectados estavam informados do que se passava. Lá terão as suas razões que a razão desconhece para aceitarem tal situação.

A “nossa” direita, hoje no poder, também é hábil a criticar algumas aldrabices de alguns pobres como as relacionadas com o RSI, que as há, de facto, mas “esquece” o roubo praticado por grande parte dos donos e gestores de bancos, muitíssimo mais prejudicial para a economia e as finanças públicas que a chico-espertice de gente “de baixo”. Cá, a razão conhece as razões para esta atitude de quem nos desgoverna e não só. O pagamento quase total da última campanha presidencial de Cavaco Silva, mas também da última de Mário Soares, bem como o financiamento de várias campanhas do PSD, do CDS e do PS pelo BES, uma das 340 empresas acima indicadas, segundo a imprensa, será uma das razões.

Como se pode verificar, os beneficiários da generosidade do grupo até há pouco presidido por Ricardo Salgado não eram apenas de direita.

Todos estes factos provam ter razão o escritor liberal Mário Vargas Llosa quando afirma ser o capitalismo “um sistema amoral e injusto”. No entanto, reconhece ter sido o sistema mais capaz de criar emprego e desenvolver as sociedades, desde que regulado pelo Estado de Direito. Se se chegou a este ponto, tal deve-se à desregulamentação neo-liberal posta em prática por Reagan, Thatcher e seus seguidores da nova direita anti-social dominante na maior parte dos países europeus, incluindo Portugal.

O até recentemente primeiro-ministro do Luxemburgo e actual presidente da Comissão Europeia (C.E.) Jean Claude Juncker fica muito mal, sem dúvida, na “fotografia” agora noticiada, mas não deixa de ter sido um bom chefe de governo durante cerca de duas décadas, levando à prática políticas que conjugaram o crescimento económico e a livre iniciativa com políticas sociais activas. Neste pequeno país, o desemprego é muito baixo e o salário mínimo equivale a 1 921,03 euros. Um quarto da mão de obra  do mesmo é portuguesa. Quando falamos com amigos nossos aí emigrados, dizem maravilhas da terra que os acolheu.

Não é por acaso que agora, pouco após ter sido empossado presidente da C.E., surgem estas notícias relacionadas com um caso começado há 12 anos. A esmagadora maioria dos 40 órgãos de comunicação em causa é propriedade de grandes potentados económicos, especialmente multinacionais. Ou seja: o alto capitalismo internacional, praticante da “economia que mata” como diz o Papa Francisco – recentemente o general Loureiro dos Santos, militar do 25 de Abril e do 25 de Novembro, afirmava também “a globalização mata” – faz o mal e a caramunha.

A razão para este ataque cirúrgico a Juncker é a seguinte: contrariamente ao falso social-democrata Durão Barroso, que, aliás, nunca teve ideologia nenhuma, sempre se ligando ao que “está a dar” e saltando da carruagem quando “deixa de dar”, como fez no MRPP e na fuga do governo para Bruxelas, o seu sucessor, democrata-cristão, não é um servidor de Angela Merkel e do imperialismo alemão, mas um defensor do crescimento económico e do investimento público para reanimar as economias e permitir a melhoria das condições de vida e a ascenção social legítima dos cidadãos  mais pobres e desfavorecidos.

Aquando da sua tomada de posse e em intervenções anteriores, Jean Claude Juncker prometeu um investimento de 300 mil milhões de euros, dizendo “os investimentos  são fundamentais para a economia e para as pessoas. Não podemos crescer sem investimento. Sem isso não há emprego.  Este programa é fundamental para mim”.  Mais afirmou não beneficiar a austeridade a economia e que “o investimento  deve ser feito de forma cirúrgica em áreas com potencial de crescimento a médio prazo, pois só assim é possível reforçar a economia europeia e terminar com o desemprego escandaloso”.

Ontem como hoje, Juncker mantém-se fiel à democracia-cristã, baseada na doutrina social da Igreja, e aos valores da direita democrática e social, que não quer acabar com os ricos, mas com os pobres. Em vários países europeus, incluindo Portugal, dentro dos partidos de direita hoje influenciados pelo neo-liberalismo e o conservadorismo social, insensíveis ao sofrimento humano, há destacadas figuras que pretendem o regresso desses partidos aos ideais que durante a guerra fria os caracterizou, repudiando o liberalismo económico e defendendo a economia social de mercado, bem como o Estado Social posto na prática por socialistas, sociais-democratas, democratas-cristãos e conservadores. O primeiro-ministro conservador inglês Churchill, por exemplo, foi um dos grandes obreiros do também chamado Estado Providência. É, aliás, curioso verificar como o mais churchilliano que Churchill, João Carlos Espada, nunca refere esta faceta do mestre.

Juncker poderá ser o catalisador desta direita social que varra o neo-liberalismo. Como os partidos de esquerda moderada há muito romperam com o marxismo, voltaríamos à “belle epoque” da alternativa entre forças democráticas, mas também socialmente empenhadas. É isto que faz correr a direita que temos, um pouco por todo o lado, contra o presidente da C.E., manchando-lhe a reputação. Quanto a honestidade, bom seria que esta direita se olhasse no espelho sem ser em atitude narcísica.

PS: Em 1956, durante o célebre XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), o seu então líder, Nikita Krutchov, na leitura do informe de abertura daquele, acusou o seu antecessor Estaline de ser “um criminoso”, “um assassino”, “um bandido”, “um tirano”, “um déspota”, entre outros “mimos”.

Um delegado interrompe o discurso e pergunta: “onde estavas tu, camarada?”.

Krutchov, um dos principais dirigentes do partido no tempo de Estaline – por isso mesmo lhe sucedeu – pergunta: “quem falou?”. Da plateia respondeu o esperado e compreensível silêncio. Então, o líder soviético diz: “estava onde tu estás agora, camarada”.

Esta “estória” ocorreu-me quando ouvi pela Rádio Lafões uma recente e polémica intervenção do vereador do PSD Adriano Azevedo numa reunião pública efectuada na Câmara Municipal de S. Pedro do Sul.Redação Gazeta da Beira

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