Manuel Silva

Sá Carneiro faleceu há 40 anos

No próximo dia 4 de Dezembro passam 40 anos sobre a morte de Francisco Sá Carneiro, Amaro da Costa e demais ocupantes do Cessna então caído em Camarate.

Numa entrevista, conduzida por Maria João Avillez, no jornal “Expresso” do passado dia 20 de Novembro, ao filho do primeiro líder do PSD, também chamado Francisco Sá Carneiro, a jornalista pergunta a este “o seu pai morreu num acidente ou atentado?” Responde o entrevistado “Acidente.” A nova pergunta “porque é o que quer dizer?” responde “porque é o melhor para mim”. Esta resposta é suficientemente enigmática.

Depois de um ex-agente da CIA afirmar que fora esta polícia americana que programou a morte de Sá Carneiro e acompanhantes e da publicação de um livro pelo militante do PSD Alexandre Patrício Gouveia, irmão de António Patrício Gouveia, secretário do então primeiro-ministro, também morto em Camarate, que corrobora aquela tese com factos, acusando Henry Kissinger e o embaixador americano em Portugal, no tempo do PREC, Frank Carlucci, não restam dúvidas que fosse quem fosse que armadilhou o avião, por detrás esteve a CIA, porque Sá Carneiro e Amaro da Costa, na altura ministro da defesa, impediram os EUA de transportar por Lisboa, ilegal e clandestinamente, o material bélico destinado aos seus inimigos iranianos, enquanto apoiava também com armas e dinheiro, aqui de forma aberta, o Iraque de Saddam Hussein. O dinheiro das armas para o regime dos ayatollahs destinava-se, como se provou mais tarde, a financiar os “contras”, de extrema-direita, nicaraguenses na guerrilha que desencadearam para derrubar o regime filo-comunista dos sandinistas liderados por Daniel Ortega.

Se, há 40 anos, Sá Carneiro desapareceu fisicamente, Rui Rio, a actual direcção do PSD e o seu aparelho mataram a sua memória de indefectível social-democrata que jamais faria qualquer acordo com um partido xenófobo e racista, de extrema-direita, como o Chega, de André Ventura. E, naquele tempo, existia o PDC (Partido da Democracia Cristã) e o MIRN (Movimento Independente de Reconstrução Nacional), abertamente salazaristas. Sá Carneiro nunca quis conversa política com tal gente. Mais: no PREC, quando o país esteve em vias de cair numa ditadura comunista, Sá Carneiro nunca quis nada com o MDLP (Movimento Democrático de Libertação Nacional), liderado pelo General António Spínola, primeiro presidente da República após o 25 de Abril, e os bombistas do ELP (Exército de Libertação Nacional), seu braço armado, que assassinaram algumas pessoas.

Sá Carneiro e o então PPD aliaram-se ao PS, ao CDS, aos grupos maoistas MRPP, PCP(m-l), Proletário Vermelho, aos militares democratas do MFA e a todos que estavam contra o gonçalvismo, mas também contra qualquer golpe de algum Pinochet cá do sítio.

Apesar de o ter criticado em artigos publicados neste jornal, reconheço que Cavaco Silva apresentou, recentemente, no seu livro “Uma experiência de social-democracia moderna”, uma síntese da sua governação, o que é ser hoje, como nos anos 80/90 do século passado, social-democrata em Portugal: conjugar a livre iniciativa, o direito de propriedade, a empresa, com a solidariedade e a justiça social, bem como aplicar políticas keynesianas de investimento público, a chamada “política do betão” pela esquerda, que já não se atreve a criticar as auto-estradas e IPs então construídos, para não falar em hospitais, centros de saúde, escolas, tribunais, habitação social, etc. Mais defendeu a promoção segundo o mérito, acompanhado da igualdade de oportunidades, e a necessidade de regulação económica.

Tudo isto defende a direcção do PSD e Rui Rio, só que é inadmissível o seu oportunismo de querer o poder a qualquer preço, como se viu nos Açores, em que, para o PSD governar com o CDS e o PPM, foi feito um acordo com o Chega do reaccionário, racista e xenófobo André Ventura. A chegada ao poder deve assentar em valores e princípios, como ensinou Sá Carneiro.

O pior de tudo, é que, num partido que se diz social-democrata, já se fala abertamente de acordo, a nível nacional, com o Chega, se o mesmo for necessário a uma governação alternativa à do PS, já hoje cansada e desgastada. Segundo várias notícias, o líder parlamentar do PSD, Adão Silva, terá efectuado reuniões com André Ventura, na A.R., com esse possível objectivo.

Numa reportagem inserida na edição do “Expresso” acima mencionada, o aparelho, presidentes de distritais e alguns autarcas, estão de acordo com tal solução.

Os aparelhistas do PSD (e do PS) são, salvo algumas excepções, uns oportunistas para quem o poder não é um meio para conseguir uma sociedade melhor e mais justa, mas um fim para negociatas e tachos para eles, familiares e amigos.

Recordamos que no Chega se defende a pena de morte, ainda que fosse reprovada em referendo interno, a castração química de pedófilos e até a extracção de ovários a mulheres que abortem. O Chega é um partido de extrema-direita, defensor de um enorme retrocesso civilizacional. É com tal gente que o actual PSD quer chegar a acordo. Será que na S. Caetano à Lapa ainda não viram que o Chega não se moderará, pois desapareceria? O que está em causa não é o partido de Ventura estar ou não no governo. Qualquer acordo com o mesmo não só o legitima como põe em causa a matriz do partido que o puxe para o mainstream.

O líder do Chega diz que o PSD se deverá radicalizar. Isso já está a acontecer. Veja-se a linguagem insultuosa com que Isabel Meireles, vice-presidente do partido e o presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Ribau Esteves, mimosearam Jorge Moreira da Silva pelo artigo contestatário desta política que há pouco tempo escreveu para o “Público”. A liberdade de crítica acabou no Partido Social-Democrata? Já agora, aproveito para recordar uma tirada de Ribau Esteves, quando era secretário-geral do PSD, então liderado por Luis Filipe Menezes: “dirigir o partido é como comer umas gajas boas”, que mostra a sua mentalidade.

Perante este cenário, ou a actual direcção muda de rumo, ou caso não o faça, quem se opõe ao mesmo terá de trabalhar no sentido de a derrubar, bem como a Rui Rio, e criar uma solução alternativa dentro dos princípios que ensinou Sá Carneiro e do que está plasmado no último livro de Cavaco Silva. Se tal não for possível, este não será mais o partido de Sá Carneiro e, consequentemente, quem for verdadeiramente social-democrata só tem uma coisa a fazer: abandoná-lo.

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