A Geringonça
João Pedro Coelho
E não é que a geringonça, afinal, geringonça mesmo…
Geringonça é algo mal feito, mal construído, é obra concebida e “armada” no ar, sem consistência e consequentemente prematura.
No entanto, esta geringonça, ao contrário do esperado por Pedro e Paulo, dois acólitos do mesmo caminho, ainda não caiu.
Se para fazer funcionar uma outra geringonça da nossa história, a Passarola de Gusmão, foi necessário José Saramago tê-la colocado nos ares; a passarola actual sobrevive graças à acção de um timoneiro que se tem mostrado capaz. Até agora…
Alguns meses passaram após a tomada de posse do actual governo, e, finalmente, Passos Coelho teve a desagradável surpresa de perceber que, afinal, já não era Primeiro Ministro de Portugal.
Este episódio relembra-me, salvaguardando as devidas proporções, um outro ocorrido em finais da década de sessenta do século passado. Tivemos, então, um ex-governante, Oliveira Salazar, que pensava ser ainda Presidente do Conselho de Ministros, já com outro político no seu lugar.
Embora existam semelhanças entre Salazar e Passos, são muitas as diferenças entre as duas situações.
Enquanto Salazar era deliberadamente enganado por outros e por isso era feliz; Passos enganava-se a si mesmo e, por isso, profundamente infeliz.
Finalmente, e ao contrário do outro, acordou, o Passos, e percebeu que afinal já não é Primeiro Ministro.
Para Portugal é bom. Caramba, somos um país pequeno e não há lugar para dois primeiros ministros.
Voltando à geringonça. Esta é uma geringonça trípode. O tripé tem chegado para a manter firme. No entanto, os três pés têm pesos e medidas diversos. O PS é governo e, por isso, a qualquer acção governativa dirá sempre ámen. Quanto ao Bloco e Partido Comunista os comportamentos diferenciam-se.
A imagem comunicativa do Bloco contrasta com o monolitismo comunista. Enquanto o BE se empenha em mostrar o seu apoio público e o seu comprometimento com algumas medidas do governo, o Partido Comunista aparece a espaços e sempre com uma atitude fria e distante. Não viria mal ao mundo, um pouco mais de paixão nos discursos dos dirigentes comunistas.
Se a geringonça fosse uma sobremesa, diria que o BE e o PCP a tornavam num “quente e frio”.
António Costa tem sabido conduzir de uma forma interessante este governo.
Felizmente, para todos nós e para a estabilidade política do país, o desastrado António Costa da campanha eleitoral, deu lugar ao actual Primeiro Ministro, que tem sabido dar credibilidade a esta solução governativa.
Ainda é cedo para sabermos se esta solução é estável e, sobretudo, se é capaz de responder aos anseios das classes mais desfavorecidas e mais fustigadas pelos últimos anos de uma austeridade cega.
Para já, a governação apresenta-se sólida e até conquistou a simpatia dos média. Estes, tão arrogantes para com António Costa na campanha eleitoral, prestam, agora, uma espécie de vassalagem, enaltecendo a sua habilidade política.
O inábil deu lugar ao hábil…como os tempos mudam…
Temos um Ministro das Finanças com dificuldades em comunicar e fazer passar uma imagem de rigor, temos um Ministro da Economia “ausente”, tivemos um Ministro da Cultura, segundo dizem a quinta escolha, que gosta de dar umas bofetadas, e, mesmo assim, Costa tem levado a carta a Garcia.
Este Garcia, de seu nome verdadeiro Comissão Europeia, tem aceitado, contra a sua vontade, alguma rebeldia do governo português.
Costa não é Passos. Costa tem os seus próprios passos. E aprendeu, e muito, com a imaturidade grega, não cometendo os mesmos erros e percebendo que hoje ser português é, ser mais aplicador de legislação produzida em Bruxelas, do que criador de legislação em S. Bento.
E, é aqui, no contexto de Portugal na Europa, que dita e limita a acção do governo, que o comportamento da geringonça vai ser posto à prova.
Bloco e Partido Comunista terão que engolir muitos sapos. E será entre a extensão de abertura da boca e o tamanho do sapo, que a geringonça se movimentará. Não será um terreno pantanoso, mas exigirá uma drenagem permanente.
É importante que o orçamento recentemente aprovado, e que comporta um enorme risco ao depender a sua execução de um crescimento económico não totalmente assegurado, não traga surpresas e que permita governar com preocupações sociais, aliviando a pesada carga de impostos; e afastando, definitivamente, a ideia de que só seremos governáveis com uma forte dose de austeridade.
Termino, relembrando que geringonça até é um termo muito familiar para nós, portugueses.
Não somos nós um povo de desenrascanço, de improviso, de geringonças?
Portanto, vamos lá “geringonçar”…Redação Gazeta da Beira
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