João Fraga Oliveira

O que é a Escola?

Sr. ministro da Educação. No ensino pré-escolar, básico e secundário, vai, dentro de dias, começar o ano lectivo de 2014/2015. Considero boa altura para o interpelar sobre uma questão que me parece ser a essência da sua pasta governamental.

Nada do tipo “chicana política” com que o têm visado a Oposição, os autarcas, os professores, os alunos e, até (mal agradecidos!), os pais e encarregados de educação. Como, por exemplo, o fecho de escolas de forma “cega” e autoritária (e por isso eventualmente ilegal, como aconteceu em São Pedro do Sul e noutros concelhos), o despedimento de professores, a desmotivação, instabilidade e exaustão dos que restam, a insuficiência e precariedade de técnicos e de pessoal auxiliar, a excessiva dimensão das turmas, a degradação das condições socioeducativas dos alunos com necessidades educativas especiais, a expulsão dos pais dos órgãos de gestão das escolas (concretamente, dos Conselhos Pedagógicos) sob o “manto diáfano” do discurso “político” da sua “importância e responsabilidade na educação dos alunos”, etc.

Para já não falar do boato, aterrorizador (sobretudo para quem vive em Lisboa, mormente para os lados da Avª 5 de Outubro), de que o Sr. ministro (ainda) quer fazer “implodir” o ministério da Educação.

Não. Nada disso. O que me preocupa é algo tão elementar que se reduz a cinco palavras, uma dúzia de letras. Só isto, tão simples: O que é a Escola?

Simples, como enunciado da questão. Mas, reflectindo mais sobre ela, fico assaz confuso com a sua potencial densidade. Sobretudo, preocupado.

Sim, o que é a Escola? Um edifício de grande valor arquitectónico? Uma ludoteca? Um “depósito” onde os pais podem deixar os filhos para poderem ir trabalhar? Um local de trabalho onde, quotidianamente, professores, técnicos e outros funcionários vão “ganhar a vida”, fazer o seu “trabalhinho”? Um local onde pessoas (crianças, adolescentes, adultos) ensinam, aprendem e desenvolvem conhecimento e capacidades?

Sr. ministro, reconheço que esta forma de pôr a questão é, além de (ainda) vaga, até algo provocatória. Por isso, vou ser mais directo e concreto, pedindo-lhe que confirme ou infirme alguns pressupostos (expectativas) mais específicos que tenho como caracterizadores da Escola.

Por acaso, não será a Escola uma instituição, uma entidade, uma organização, uma estrutura (infra e super), um espaço em que existem:

* Uma visão, missão, objectivos, processos, competências, recursos, organização e gestão que permitam às crianças e adolescentes prosseguir aprendizagens para (e de) a vida mas com aquisição de conhecimento de progressiva abrangência, aprofundamento e qualidade;

* Referenciais e práticas conducentes a um desenvolvimento integrado, coerente e equilibrado de cada aluno, isto é, instrutivo sim, mas também físico, cultural, ético e cívico;

* Equidade socioeducativa e, mais, inclusão, isto é, dependendo da condição (física, mental, familiar, económica, social ou cultural) de cada aluno, processos, métodos, instrumentos e meios socioeducativos diferenciados e positivamente discriminatórios para cada um, de forma a almejar para cada um mas também para todos e com todos, um desenvolvimento educativo assente na integração social (e vice-versa).

* Responsabilidade, responsabilização e disciplina, certo, mas assente em humanidade, afectividade, reconhecimento e estímulo (e vice-versa);

* Ambiente socio-organizacional reflexivo e cooperativo os alunos e todos os agentes educativos e, mais ainda, nas relações entre estes;

*  Sedes, oportunidades, organização, processos, instrumentos de articulação, entreajuda, coordenação e socialização de informação, conhecimentos, experiências, práticas e dificuldades, de forma a possibilitar coerência socioeducativa relativamente a cada aluno, a cada turma, a toda a Escola;

*  Estabilidade profissional dos professores, de forma a consolidar uma relação afectiva que seja suporte de uma relação humana, social e educativa continuada, coerente, integrada, sustentada e sustentável com os alunos;

* Garantia de que a essência do trabalho dos professores – o ensino, visando a aprendizagem com conhecimento – não seja prejudicado por condicionalismos organizativos, administrativos, burocráticos ou financeiros;

* Capacidade educativa (científica e pedagógica) dos professores, não só assente na sua formação académica e profissional mas, também, na capitalização e partilha da informação e experiência resultantes do seu concreto e situado exercício profissional quotidiano;

* Pessoal não docente (auxiliar e técnico) suficiente, qualificado e estável, de forma a que, com a devida organização e enquadramento, efectivamente apoie técnica, social, disciplinar e educativamente os alunos (também) fora da sala de aula, condição indispensável do seu comportamento e aproveitamento educativo em sala de aula.

* Turmas de dimensão pedagógica e socialmente equilibrada, de forma a que todos e cada um dos alunos possa (deva) ter a disponibilidade profissional e pessoal do(s) professor(es) de que a sua sempre muito singular condição humana carece;

Sr. ministro, se me confirmar pelo menos estas hipóteses, começo a ficar com uma ideia mais clara sobre o que é (ou, pelo menos, como está) a Escola.

É que, sabe, muitas vezes o nome não corresponde à coisa nomeada. E como o seu ministério, sendo denominado “da Educação”, pelo que “vemos, ouvimos e lemos” (e sentimos), praticamente só tem tratado (e alguns tratamentos são drásticos) de (re)avaliações (algumas mais ou menos “charadísticas”) e despedimentos de professores e ou de avaliações (quase só “alunométricas”) e fecho de escolas, interessa-me saber se o que a Escola é coincide ou colide, é coerente ou incoerente justamente  com o nome do seu ministério.

Compreenderá que, caso não me responda afirmativamente ao rol de pressupostos basicamente definidores da Escola que elenquei, então lhe sugira, como alternativa de fazer mesmo “implodir” o ministério da Educação, que siga o conselho (já de há mais de 100 anos) de Mark Twain: “não deixe a escola interferir com a educação”.

Por isso, nestes termos, volto ao princípio, insisto: O que é a Escola?Redação Gazeta da Beira

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