João Fraga de Oliveira

Avaliação de professores: o “politiquês” em discurso directo

Quem, de algum modo, é “observador-participante” da (na) Escola Pública, sabe que ultimamente têm crescido factores objectivamente prejudiciais para a qualidade do ensino: aumento do número de alunos por turma, concentração exagerada de alunos em “megaagrupamentos”, diminuição de meios materiais para responder às necessidades pedagógicas, socioeducativas e organizacionais, redução de professores, funcionários e técnicos, falta de estabilidade destes nas relações socioeducativas com os alunos por precariedade dos seus vínculos laborais ou com a escola em causa.

No caso dos professores, é também notória, com riscos para a qualidade do ensino, a burocratização, sobreintensificação (em duração e ritmo) e complexificação (muito por instabilidade técnica e condicionalismos organizativos e sociais) do seu trabalho.

Muito embora o domínio das condições de trabalho (dos professores e não só) mereça muito maior aprofundamento, informação credível (inclusive alguns estudos científicos) garante que, no caso dos professores, com diferente intensidade e abrangência, há cada vez mais situações de desmotivação e de sobrecarga física e mental, não poucas com esgotamento (burn-out) com abandono (temporário ou definitivo) do trabalho.

Quem teve a paciência de ler este texto até aqui, talvez tivesse suposto que o autor é (mais) um professor contestatário. E, assim, admito-lhe uma certa surpresa ao saber que é alguém que não é professor mas sim pai e encarregado de educação de um aluno do ensino básico e, mesmo, dirigente de uma associação de pais.

Afinal, até seria “natural” essa (eventual) surpresa, visto que ainda paira muito por aí o (falso) estereótipo de uma certa “guerra” permanente entre pais e professores, aliás muito (negativamente) alimentada por alguns destes e daqueles.

Mas não há razão para haver surpresa alguma. É que, associada aos problemas que a crise social está a “atirar” para dentro da Escola (e não só) e a medidas de autêntico “autismo” político (como é o caso do dito “(des)ordenamento da rede escolar”, com o fecho social e educativamente contraproducente de muitas escolas) perante o real da realidade da Escola Pública (conceito que não é meramente organizacional e técnico-educativo mas, também e muito, familiar e social), a situação de crescente crispação e anuviamento sociolaboral que se está a verificar em muitas escolas susceptibiliza o risco de se repercutir negativamente naquilo que mais caro é a qualquer pai e encarregado de educação (e cidadão) e que, aliás, é a essência da missão da Escola: o ensino (com aprendizagem e alargamento e aprofundamento do conhecimento), visando o seu desenvolvimento integral de cada um e de todos os alunos.

Vem isto a propósito da “Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades” (PACC) a que o Ministério da Educação (ME) pretendeu obrigar os professores “contratados” do ensino básico com menos de cinco anos de exercício, condicionando-lhes o exercício da profissão à realização dessa prova.

O que veio a público quanto à natureza da prova (de que é também exemplo o conteúdo da já realizada por alguns professores em 18/12/2013) e, sobretudo, as reacções (dos professores e não só) quanto ao tempo e modo como foi marcada a repetição do dia 22/7/2014, são razões para preocuparem qualquer pai, quer como tal quer como cidadão, já que, é de prever, piorará o ambiente sociolaboral nas escolas, dificultando, directa ou indirectamente, o trabalho a desenvolver.

Há por aí alguma apologia acrítica da avaliação profissional, como algo linearmente “objectivo” e “justo”, garantia de boa qualificação das pessoas, não reflectindo muitos “reversos da medalha” da avaliação de desempenho a que já me referi em artigo na edição da Gazeta da Beira de 27/2/2014. Por isso, muita gente aceita (e até aplaude) o Governo em “avaliar” estes professores com esta prova.

De qualquer modo, de facto, em qualquer organização (designadamente, na Escola), a avaliação profissional pode (deve) ser um instrumento de (boa) gestão, além de um suporte de responsabilização, de justiça profissional, de reconhecimento do trabalho, de “conhecimentos e capacidades”. E, nessa medida, de melhoria da produtividade e da qualidade do produto ou serviço que nessa organização se produz ou se presta. Neste caso, o serviço educativo.

Mas aqui, face às qualificações que estes professores sujeitos à prova já adquiriram, quer as de ordem académica (a nível superior, universitário ou politécnico), quer as de ordem profissional, bem como face ao seu histórico de exercício da profissão e às avaliações a que já foram sujeitos em exercício, que sentido faz este tipo de prova, como sendo de (re)legitimação “prévia” dos seus “conhecimentos e capacidades” para exercerem a profissão de professores na escola Pública?

Sobretudo, ainda como pai, encarregado de educação e cidadão, admitindo que possa (deva) haver um processo de avaliação / integração para o prévio à docência profissional na Escola Pública que vise garantir as “competências e capacidades” fundamentais para uma profissão fulcral na qualidade do ensino (muito embora essas capacidades – e sobretudo competências –  advenham muito, depois, da experiência), em que é que uma prova deste género, nas condições em que foi realizada, visa “melhorar a qualidade do ensino”?

Será porque vai afastar (“racionalizar”) da Escola milhares de professores? Se é assim, numa perspectiva de qualidade do ensino, a minha posição como pai e cidadão é muito clara: quanto mais professores, melhor. Porque, em princípio, isso significa turmas de menor dimensão, mais apoios a alunos com necessidades educativas especiais ou com dificuldades socioeducativas, mais personalização e humanização do ensino.

E depois, porquê esta forma de organização e marcação da última edição (22/7/2014) da “PACC”? De facto, o tempo e modo, no mínimo afrontadores e pouco leais (ainda que formalmente legais), como esta repetição da “PACC” foi marcada, dão a ideia de que, para o ME, esta prova foi, não um instrumento de melhoria da qualidade do ensino mas, sobretudo, um instrumento de reforço do poder “político” nas relações com os professores.

Depois, grave é que, se bem que nisso possa também ter havido responsabilidades comportamentais de alguns professores, foi muito pelo “rastilho” desta forma muito “política” de agir do ME que a concepção social da Escola Pública não saiu dignificada com as situações pouco dignas que se verificaram à volta da realização desta prova.

O Governo já (quase) nos habituou a “medidas” que, objectivamente, humilham (porque afectam o sentimento de dignidade) e dividem entre si as pessoas de determinado sector profissional ou social que escolhe como “alvo”, ao mesmo tempo que, pelo discurso, cria condições objectivas para as isolar dos restantes portugueses. Este caso dos professores contratados, objectivamente, acaba por ser disso mais um exemplo.

É deprimente a ironia mas, dadas as condições, enviesadamente “políticas”, em que agora foi (re)instituída, organizada e programada esta prova, parafraseando o título de um conhecido livro (“O ‘Eduquês’ em Discurso Directo”) de que o próprio ministro Sr. Nuno Crato é autor, chamar a esta medida “prova de avaliação de conhecimentos e capacidades” e “instrumento de melhoraria da qualidade do ensino” é, de certo modo, procurar ensinar-nos…o “politiquês” em discurso directo.Redação Gazeta da Beira

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