João Fraga de Oliveira

Escola: a “pequena indisciplina” e outras pequenas coisas

“Nas salas de aula reina a pequena indisciplina”.

É o título de um artigo no Público de 7/2/2017:

(https://www.publico.pt/2017/02/07/sociedade/noticia/nas-salas-de-aulas-reina-a-pequena-indisciplina-1761074).

É frequente a televisão chocar-nos (às vezes até ao fastídio, se não à repugnância) com imagens de alunos adolescentes (e até crianças) agredindo-se perto de recintos escolares.

Também não é raro a comunicação social dar-nos notícia de outro tipo de agressões menos evidentes (inclusive as praticadas por recurso aos meios informáticos e cibernéticos que por aí grassam) mas com impactes psicológicos tão ou mais violentos (até porque, directa ou indirectamente, mais tarde ou mais cedo, sempre têm repercussões físicas) que as agressões físicas directas.

A avaliação do que se está a passar neste preocupante domínio tem que ser ponderada, claro, com o facto de o conhecimento da sua ocorrência ser agora muito mais possibilitada pela sua divulgação, via internet, nas redes sociais.

De qualquer modo, tal como o fenómeno está estudado, e muito (é um dos mais “apetecidos” objecto de teses de mestrado e de doutoramento), estas situações mais drásticas de bullying (prefiro, por clareza, o termo assédio moral, associado ou não a violência física) são-nos em regra apesentadas pela comunicação social (e até pelos estudos científicos que visaram o tema) como sendo de “grande indisciplina” (ou seja, graves, com características factuais ou consequências susceptíveis de eventual responsabilização criminal), como mais ou menos esporádicas e como passando-se habitualmente fora dos espaços escolares (muito embora com eventuais origens em circunstâncias relacionais, comportamentais ou socioeducativas verificadas dentro dos recintos escolares). É assunto para outro (eventual) texto aqui na GAZETA.

Mas, agora e aqui, o que este texto visa é o assunto do tal artigo de 7/2/2017, no Público. O título do artigo é, repete-se: “Nas salas de aula reina a pequena indisciplina”.

Por um lado, diferenciando-a do bullying, reduz a “dimensão” da indisciplina a que se refere como “pequena indisciplina”. Mas, por outro, generaliza e reputa as situações de permanentes (e não esporádicas, como é o caso do bullying), ao considerá-las “reinantes”. Por outro, ainda, afrma que as situações se verificam, por regra, dentro (e não fora) dos espaços escolares e, mais, “na sala de aula”.

Já não nos assustamos muito com estes títulos bombásticos e apelativos…a que se compre o jornal. Enfim, estratégias de uma comunicação “social” que, numa economia (a resvalar para sociedade…) de mercado, não pode descurar a sua vertente (estratégia, processos, práticas…) de comunicação … comercial.

Não obstante o negativo impacto de descredibilização, muitas vezes infundada do objecto ou entidade que visa (que – atenção – neste caso é a Escola), sobretudo em quem – cada vez mais pessoas, infelizmente – se limita a ler os títulos.

De facto, sobretudo pais e encarregados de educação, por este título, se só por ele, têm razão para ficarem deveras preocupados perante o facto de, nas salas de aula, “reinarem”, não os professores, mas os alunos seus filhos e ou educandos mal educados e zaragateiros, enfim, (“pequeno”) indisciplinados.

Com certeza, como poderiam deixar de ficar preocupados com um título destes, em parangonas, a induzir-lhes a ideia de que o grande problema (aquele que mais “reina”) na escola é… a “pequena indisciplina”?.

Bom, mas há um remédio para isto (pelo menos imediato): “claro”, comprar o jornal…

Sim, porque, depois, comprando o jornal, lendo todo o artigo (e outra informação para que remete) e informando-se mais (e melhor) a propósito noutras fontes, talvez fiquem mais tranquilos. Ou, por outro lado, talvez não…

É que, depois, pelo que a vida lhes vai dizendo e, mais, “vendo, ouvindo e lendo” (inclusive no próprio artigo) as inerentes posições de investigadores, de dirigentes de associações de directores escolares e de dirigentes de associações de pais, concluem que (citando mais ou menos textualmente) que:

* “O principal problema da escola é o insucesso escolar, não a indisciplina”;

*  “O objectivo da escola antes de tudo o mais é o de ensinar, portanto, desviar o assunto para a indisciplina é desviar do essencial”;

*   “A pequena indisciplina, pequenos comportamentos desviantes, são próprios da adolescência que nós, (professores) adultos, temos que saber prevenir e gerir, por exemplo, na forma como abordamos a matéria e como damos a matéria”, como “conseguimos mantê-los cativados e pró-activos durante a aula”;

* “Suspender um aluno é mandar o problema para a rua e isso não se faz”;

* “A diminuição da indisciplina consegue-se com uma política de proximidade com os alunos e encarregados de educação”.

Visto isto, mais tranquilos (ou, talvez, mais preocupados…), talvez os pais e encarregados de educação pensem: que tal procurar a explicação (e a resolução. ..) da “pequena indisciplina” (também) na própria Escola?

Talvez:

* Nos “pequenos” quadros de pessoal (de professores, técnicos e auxiliares);

* Na “pequena” estabilidade das relações laborais e na “pequena” qualidade das condições de trabalho dos mesmos;

*  Na “pequena” organização;

* Na “pequena” redução da burocracia;

* Na pequena estabilidade da regulamentação enquadradora;

* Na “pequena” (real) autonomia de cada escola face aos seus contextos e condicionantes geográficas, económicas, sociais e culturais;

*  Na “pequena” harmonização / coerência das abordagens socio-educativas e disciplinares de cada aluno, de cada turma, em toda a escola;

*  Nos “pequenos” meios socio-educativos;

*  Na “pequenez” da adequação e dimensão dos currículos disciplinares;

*  Na “pequenez” da adequação de  métodos pedagógicos facilitadores;

*  Na “pequena” redução das turmas;

* Na “pequena” redução dos horários escolares.

Enfim, mais tranquilos (ou mais preocupados…), talvez os pais e encarregados de educação que o título não corresponde bem à realidade titulada, que o “reinado” da “pequena indisciplina” é, afinal, não a doença mas, sobretudo, o sintoma da “pequenez” do que na Escola é (deverá ser) sobretudo (e sobre tudo) reinante, porque essencial e de tudo condicionante: o sucesso do ensino no seu sentido mais integral e integrado (formativo, cultural e cívico).

Assim, talvez seja importante procurar saber, na sala de aula, na Escola (e não tanto só fora dela…), se, eventualmente, a “pequena indisciplina” é, ou não, (só) causa ou (também) efeito, justamente, do “pequeno” sucesso do ensino.

Em conclusão, na Escola, o maior problema pode não ser o “reinado” da “pequena indisciplina” mas, sim, antes, porventura também causando-a, o “reinado” de outras “pequenas” coisas.

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