João Fraga de Oliveira

Trump: aterrador ou despertador?

No dia 20 de Janeiro, tomou posse o 45º presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump.

Não “desiludindo” relativamente à sua campanha eleitoral, o seu discurso de tomada de posse, destilou boçalidade, imperialismo, arrogância, autoritarismo e nacionalismo a roçar o racismo.

É caso para ficarmos aterrados de medo ou para o relativizarmos, pressupondo (com Mia Couto) que “há mais medo das coisas más do que coisas más, propriamente ditas”?

É caso para, pelo menos, reflectirmos…

É um facto que Trump, não se conhecendo qualquer evidência segura do contrário, foi democraticamente eleito e toma posse com toda a legitimidade. Contudo, por paradoxal que pareça, talvez seja justamente isso que mais preocupa.

Para onde vai uma democracia com a base histórico-política americana quando, agora, tendo-a formalmente como suporte, é alguém com os referenciais expressos por Donald Trump que é eleito como presidente dessa nação que o seu antecessor, Barack Obama, no seu último discurso presidencial, ainda considera (de algum modo imperialmente, como todos e como sempre…) “a nação mais rica, mais poderosa e mais respeitada do mundo” (nisto, Trump não destoa: “America, first”…)?

Trump, um nababo bilionário (empresas, hotéis, campos de golf, casinos, televisões, etc. – foi ele próprio que, ufanamente, apresentou publicamente na campanha eleitoral essa imensa riqueza pessoal como “qualidade política”), é claramente um produto (e factor) de um modelo de sociedade que propicia que apenas oito pessoas concentrem a mesma riqueza que a metade mais pobre da população mundial (3.600 milhões de pessoas), como foi, há dias, divulgado pela ONG britânica OXFAM.

Mas, sendo-se mais concreto e específico, Trump é também produto e factor do actual condicionalismo económico, social e político da tal “nação mais rica, mais poderosa e mais respeitada do mundo” mas onde grassam as desigualdades, o subemprego (que muito explica o baixo desemprego), a precariedade nas condições de emprego, de trabalho e de vida.

Trump é muito efeito e causa de, na América, a democracia, como organização e prática política correspondendo mais ou menos genuinamente à formulação de Abraham Lincoln (16º presidente dos EUA) de há 153 anos (“o governo do povo, pelo povo e para o povo”), ter, de facto, (ainda que, sob um formal “manto diáfano” democrático e “liberal”), degenerado em “democracia” “do mercado, pelo mercado e para o mercado”.

Claro que, instrumentalizando as palavras daquele seu antecessor, Trump seduz com a “devolução do poder de Washington para o povo” (discurso da tomada de posse). Pudera! Em Washington, com todo o poder (politico e económico, ou por ordem inversa…), parte do pressuposto (com provável prática em conformidade) de que o “povo” (e talvez não só o americano…) é dele.

Trump é explicado e explica muito (e disso não estão isentos de “méritos” Reagan e Bushs, claro, mas também, por acção ou omissão, Clintons e Obama…) que, na América (e não só), a economia, como ciência ao serviço da sociedade (ao serviço “do povo, pelo povo e para o povo”) tenha degenerado em mero instrumento da mercantilização e financeirização da sociedade, da liberalização mercantil (pela desregulamentação e desregulação) quase total das relações de trabalho, na mercantilização da Educação e da Saúde (reconheçam-se os esforços -pouco conseguidos – de Obama para, neste domínio, com o Obamacare, permitir algumas garantias de acesso à saúde a 20 milhões de americanos mais pobres ).

Trump é, afinal, fruto e raiz de a democracia real (“paz, pão, habitação, saúde, educação…”, igualdade, coesão social – e não só liberdade de expressão, apesar de também) ter degenerado no capitalismo com o freio nos dentes, no neoliberalismo galopante com o poder politico “liberal” mainstream a, objectivamente, soltar-lhe as rédeas (o que, como muito bem sabemos, tanto pode ser feito por desregulamentação directa como por regulamentação… desregulamentadora dos direitos sociais).

Enfim, há melhor exemplo desta degeneração da democracia em organização, processo e prática de condicionamento do poder político pelo poder económico (de Wall Street e não só…) do que a eleição de Donald Trump?

Porém, mais preocupante, Trump, tendo disso proveito (até porque disso tem sido e vai continuar a ser agente), é a expressão, o indício do risco de outra degeneração, desta vez, o risco da degeneração (sublimação? …) do neoliberalismo no nazismo e no fascismo (que, anda sempre por aí à espreita, a ver quem lhe (re)abre a porta…).

É possível que haja quem considere isto um exagero “paranóico”, que o “medo destas coisas más” é maior do que “as coisas más propriamente ditas”.

Talvez. Contudo, o que é certo é que, não apenas pela informação que a campanha eleitoral possibilitou, pelos curricula e referenciais dos elementos da sua administração que já se conhecem ou pelo discurso da tomada de posse mas, sobretudo, pelo enquadramento histórico, social, económico e político (e geopolítico) que lhe subjaz e que projecta, a situação carece de reflexão (e acção…).

Dir-se-á que isto é lá “longe”, na América, que não tem nada a ver connosco, aqui na Europa.

Ou será que, quanto à análise de um passado recente e de um presente bem patente, bem como quanto à previsão (prevenção. ..) de um futuro muito próximo, tem e terá ( mais uma vez) também muito a ver connosco?

Trump, lá na “longínqua” América, nada significa como objeto de reflexão sobre o que aqui (também) se passa na Europa, onde (também) se pressente o sobrevoo populista e sedutor (mas com intuitos política e socialmente predadores…) de alguns (e algumas…) “trumps”, quiçá também produtos e factores da degeneração crescente de uma social democracia, de uma União Europeia, de um Modelo Social Europeu que – recorde-se –, há mais ou menos meio século, se pressupuseram como resposta social e política “definitivamente” adquirida à guerra, ao fascismo e ao nazismo?

Esta pergunta – quem sou eu? -.não aterra ninguém. Pelo contrário, pode ser que (nos) desperte.

Trump aterrador? Não: Trump despertador.

Bem, assim esperemos (se fizermos por isso…). Consequentemente,…

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