João Fraga de Oliveira

As sanções e as boas pessoas

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Afinal, são todos(as) boas pessoas.

A Comissão Europeia (CE), em reunião de 7 de Julho, decidiu colocar “nas mãos” (condicionar a parecer) do Ecofin (reuniões periódicas dos ministros das Finanças dos estados membros da União Europeia) de 12 de Julho a decisão (que tem que assentar numa maioria de dois terços) relativa ao “procedimento” que abriu sobre a aplicação de sanções a Portugal por não cumprimento, de 2013 a 2015 (durante o governo do sr. Passos Coelho como primeiro-ministro), do Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, vulgo “Tratado Orçamental” (TO).

Este tratado  foi assinado em Março de 2012 pelos estados membros da União Europeia (com excepção de três, Reino Unido, Croácia e República Checa), visando um reforço das regras financeiras aprovadas no Tratado de Maastricht, de 1993.

É a continuação do “suspense” de meses, uma autêntica  “assadura” financeira e política (em “lume” ora mais ateado, ora mais  “brando”) do país e do governo.

(Quase) toda a gente o diz (até há ex- PR a quem apetece atirar com mesas ao ar…), estas sanções, a serem aplicadas, são, no mínimo:

1) uma euro-tecno-burocrata estupidez, pela mesquinhez euro-tecno-burocratice de 0,2% de excesso no défice orçamental de 2015, quando o impacto económico e social que pode causar pode ser enorme;

2) uma prepotência, pelo que projectam de iniquidade quanto a outros países. Por exemplo, a França e a Alemanha, “por serem o que são” (“a França é a França”, diz o presidente da CE, Jean-Claude Juncker), já podem, impunemente, não cumprir as regras do TO: no caso da França, porque também ultrapassou os 3% de défice orçamental; no caso da Alemanha,  pelos excedentes comerciais que acumulou (212 mil milhões de euros em 2014 e 252 mil milhões de euros em 2015, muito acima dos 6% do PIB, limite previsto no TO), os quais são tão “excessivos” face às “regras” como “excessivos” foram os défices orçamentais acumulados (mesmo com os excessivos sacrifícios dos portugueses), de 2013 a 2015, pelo governo do sr. Passos Coelho e da D. Maria Luís;

3) Uma decisão contraproducente, não apenas pelo que prejudicarão o investimento (a hipótese de sanções inclui a suspensão do pagamento dos fundos estruturais do quadro comunitário de apoio “20-20”) e em geral a economia, mas, também, por isso mesmo, pelas maiores dificuldades que vão ainda criar a Portugal para cumprir futuramente os tais “irrevogáveis” e “mágicos” 3%  de défice;

4) Uma decisão inoportuna e impertinente. São mesmo as “sanções” a Portugal  o que de mais importante o directório desta “União” Europeia tem, no momento, para tratar – refugiados, “Brexit”, etc? E as sanções, a existirem vão ajudar ou complicar ainda mais o tratamento disso?

Mas, será que vamos mesmo ter “sanções”, simbólicas ou efectivas? Que diabo, confiemos na sensatez das boas pessoas!

Por exemplo, no sr. Schäuble, ministro das Finanças da Europa, digo, da Alemanha, digo, da “Europa alemã” (aqui, com estas aspas, cito o que já em 1953 indignou o grande escritor alemão prémio Nobel da Literatura em 1929 Thomas Mann e, mais recentemente, em 2012, o grande sociólogo alemão Ulrich Beck) que, ao dizer há dias que Portugal precisa de um novo “resgate”, se preocupa, naturalmente, connosco, com mais um “programa de ajuda”. Uma boa pessoa!

Depois, a D. Maria Luís Albuquerque, sabendo que, por lá, os srs. Juncker, Dombrovskis, Dijsselbloem, etc. tantas saudades dela têm apesar de ter sido responsável pelo (sancionável)  défice de 2015, até já deu a entender (“Se eu ainda fosse ministra das Finanças, esta questão não se estaria a colocar”) que se dispõe ao sacrifício de ser “repristinada” em ministra das Finanças da “geringonça” para que as sanções não se “coloquem”. Uma boa pessoa!

Tão boas pessoas não serão, é claro, os deputados do Partido Popular Europeu (PPE) ao, há cerca de dois meses, em carta dirigida ao presidente da CE, pedirem “força máxima” nas sanções. Partidariamente disciplinado (o PSD está filiado no PPE),  logo o sr. Passos Coelho, não obstante responsável máximo (como ex-primeiro-ministro) pelo objecto (défice de 2015) das (eventuais) sanções, declarou que, como boa pessoa que é, “está convencido que o PPE não se referia a Portugal” (a quem seria, a quem?…) e, por isso, “genericamente” concorda” com a tal “força máxima”.

Valha-nos que, para contrapor a essa exigência da “força máxima” das (nas) sanções, logo veio o sr. Moscovici, Comissário Europeu dos Assuntos Económicos sugerir que as sanções devem “ser aplicadas com inteligência”.

Não se duvida da boa pessoa que (também) o sr. Moscovici é, mas, com isto, é capaz de pôr mal dispostos  “os mercados”, visto que, tal como nós (então, “os mercados” também são, pelo menos parecem, “de carne e osso”), ficam de certeza baralhados sobre se as sanções devem ser aplicadas com “a máxima força” da “inteligência” ou com a “inteligência da “máxima força”, se deverão ser “inteligentemente fortes” ou “fortemente inteligentes”.

Bom, mas agora, “ponto da situação”, respiremos fundo!

A Comissão Europeia, na reunião de 7 de Julho, (ainda) não decidiu aplicar as famigeradas sanções, passou a “batata quente” para as “mãos” do Ecofin de 12 de Julho.

De facto (fuga de informação, ameaças veladas, “abertura de procedimento”, etc.), a CE vai sancionando. Mas, formalmente, não aplicou sanções. É certo que os comissários da CE não decidiram não aplicar, mas também não decidiram aplicar. Naturalmente, como boas pessoas que são.

Com esta repetição, algum leitor perguntará já, por aí: “O que é uma boa pessoa (que é diferente de uma pessoa boa)?” Exemplificar é mais rico que definir. Um exemplo concreto (e muito pertinente neste caso) de uma boa pessoa (ainda que não “porreira”) pode ser, vá lá, Pilatos.

À hora do fecho desta edição da GAZETA da BEIRA, ainda não se sabe o resultado dessa decisão do Ecofin.

De qualquer modo, algo em que ainda podemos confiar é em quanto, como precede, neste (quase) único desígnio (e desígnio único) da “União” Europeia que são as famigeradas sanções, têm estado envolvidas tantas boas pessoas.

Tão boas pessoas que me vem à ideia uma frase inesquecível e carregada de sabedoria que, há muitos, muitos anos (com “entas” já muito avançados), o meu pai me contava ter ouvido a alguém, o sr. Zé Baetas (garoto, ainda o conheci), então já com mais de oitenta anos.

De resto, essa frase, e sobretudo o seu autor, deixou-me convencido para a vida para a falta de coincidência que pode haver, que cada vez mais há, entre instrução e sabedoria, para o quanto por aí tanto encontramos sabichões analfabetos e analfabetos sábios.

O sr. Zé Baetas era praticamente analfabeto mas, carroceiro (com uma carroça e um burro, fazia transportes, por exemplo, o correio de Santa Cruz da Trapa a S. Pedro do Sul e vice-versa), contactava com muita gente. E, por isso e talvez porque a condução da viatura não lhe exigia a atenção de uma MAN ou de uma Mercedes, reflectia. E, reflectindo, acumulava e desenvolvia sabedoria.

E o que é que isto tem a ver com as famigeradas sanções e esta “não decisão” das sabichonas boas pessoas que preponderam na Comissão Europeia e não só?

Por vezes, numa roda de amigos em que estava o sr. Zé Baetas, falava-se de alguém e um dos presentes apressava-se a apreciar essa pessoa de quem se falava, comentando que “fulano (ou fulana) é muito boa pessoa”.

E logo o sr. Baetas, com a assertividade que a sabedoria confere, comentava:

“É sim senhor, é muito boa pessoa! Ainda ontem lhe passei à porta e não me fez mal nenhum!”.

E, com isso, dava (ainda dá…) a entender que tinha passado a ir por outros caminhos, … pela porta de outras pessoas.

 

PS: Ganhámos o europeu. Também vem, de algum modo, a propósito deste texto.

Ganhou o colectivo, a convicção e o sonho. Ou, melhor: ganhou o sonho (“o sonho comanda a vida…”), a convicção e o colectivo (a vida comanda o sonho).

É que, também – aí está a prova, contra todos e contra tudo, a entreajuda e a perseverança em filar o “caneco” -, se não (fizermos por) viver, não sonhamos.

Vencemos o europeu. Assim (con)vençamos (n)a (“União”) Europeia. Por lá e por cá…Redação Gazeta da Beira

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