João Fraga de Oliveira

A “chocante” explicação do preço da electricidade

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“O problema não está no preço da electricidade, o problema está no poder de compra”.

É o que diz o presidente da EDP, sr António Mexia, sobre o elevado preço da electricidade  em Portugal.

Em 2015, houve um aumento do preço da electricidade de 3,3%. Em 2016, novo aumento  de 2,5%. O preço da electricidade ajustado pelo poder de compra é em Portugal o mais alto da União Europeia.

O presidente da EDP “explica” o elevadíssimo preço da electricidade em Portugal com  o baixo “poder de compra” dos consumidores.

Sendo isto dito por um português, mais, por um consumidor (presumo que já não “mexe” a lenha ou a vapor), tem, convenha-se, o seu quê de autenticidade e, até, dada a sua condição de presidente da EDP, de coragem.

Pena é que a “autenticidade”  e a “coragem” de tal explicação sejam fragilizadas pelo seu alto “poder de compra”: em 2015, como CEO (presidente) da EDP, auferiu 2,1 milhões de euros; em 2016, pode amealhar 2,5 milhões de euros, mais 31% do que em 2015 e, assim, o equivalente a uma média de 6850 euros por dia.

Claro que uma situação como esta, em que um administrador ganha cerca de 45 vezes mais que o salário médio de um trabalhador da EDP é (mais) uma situação de “chocante” desigualdade social e, especificamente, no trabalho.

Dir-se-á que não vale a pena “mexer” muito nisto num mundo em que, como consta de um relatório de Janeiro deste ano da organização não governamental britânica OXFAM, as 62 pessoas mais ricas têm tanta riqueza como a  metade mais pobre da população mundial, em que a riqueza de 1% (um por cento) da população mundial é maior do que, toda junta, a riqueza dos restantes 99% .

Dir-se-á, até, que o sr. Mexia não pode ser o “bode expiatório” das “gulas” remuneratórias dos administradores e gestores portugueses (e não só), não pode ser o íman“ “electrizado” das “invejas” dos consumidores, pelo menos da “inveja” do “consumido” consumidor autor deste artigo. É que, segundo um recente estudo da organização DECO (que pode ser consultado na edição mensal de Maio de 2016 da revista “Proteste Investe”), há gestores e administradores portugueses a ganharem mais de 90 (noventa) vezes mais que o salário médio dos trabalhadores das empresas ou grupos que chefiam, por exemplo, o sr,. Pedro Soares dos Santos, presidente do grupo “Jerónimo Martins” (com esta “pingante” diferenciação salarial e sabendo que os impostos sobre os lucros do grupo “vão p’ra lá”, “ vão p’ra lá” – para a Holanda -, até dá para pensar que quando nas “grandes superfícies” do grupo, “docemente”, nos chamam, “venha cá!”, “venha cá!”,  é muito para ajudarmos a pagar, não tanto um pouco mais aos trabalhadores e trabalhadoras das caixas ou da peixaria mas muitíssimo mais ao sr. Pedro Soares dos Santos).

Haverá mesmo quem diga: “Mas por que é que estes “invejosos” não se metem com o futebol? Com certeza! Boa pergunta. Até o sr. Mexia se mete. Ainda há dias disse: “o meu salário equivale ao de um defesa direito de um clube do meio da tabela“. Não sabemos quem é o tal defesa direito nem o tal “clube do meio da tabela” (ninguém quer saber deles, coitados, a não ser quando fazem escorregar os de cima da tabela) mas o sr. Mexia tem razão. Para não citar nenhum em especial (questão de proteger a Gazeta da Beira de acusações de ter “fraquinhos” clubísticos…), o que é certo é que há por aí pelo menos dezenas de casos, digo, de “chuteiras” com “poder de compra” de “dois dígitos” de milhões de euros por ano. E não é por se ter medo de uma “canelada” ou de se ser “expulso” que se deixa de dizer que são “poderes de compra” que nos deixam “electricamente estáticos”, porque no “país mais desigual da Europa” (cito sucessivos relatórios da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), num país em que dois milhões de pessoas (incluindo grande parte dos que têm um emprego regular), continuam a ter rendimentos abaixo do limiar de pobreza.

Bem, mas no caso do futebol, poder-se-á “explicar” este “goal-average” de “poderes de compra” (dos predilectos defesas direitos do sr. Mexia mas não só, também extremos esquerdos, guatda-redes, etc.) como típico de uma sociedade de mercado que, doente, já passou do critério de um “preço” para tudo para o critério de um “preço” para todos e para quem quer que seja, de já não distinguir a diferença entre o que se vende e quem se vende.

Já no caso dos “poderes de compra” dos gestores e administradores das grandes empresas e grupos económicos e financeiros, concretamente, das multiplicações que é preciso fazer para calcular os seus “poderes de compra” anuais a partir do salário médio dos trabalhadores das empresas ou grupos que chefiam, talvez seja mais assertiva uma “explicação” baseada numa ou duas  interrogações “históricas”: Será que, por acaso, foi o D. Afonso Henriques sozinho, mas mesmo sozinho, que conquistou “Portugal e os Algarves”? Será que, por acaso, foi o Vasco da Gama sozinho, mas mesmo sozinho, que descobriu ( e até há quem diga que foi por “engano”…) o caminho marítimo para a Índia?

Mas, começámos com o sr. Mexia e, depois, “deixámo-lo” lá atrás com as suas reflexões sobre o nosso “baixo poder de compra” (e, também, claro, sobre o seu alto “poder de compra” e os defesas direitos).

Não, esta derivação não visou relativizar ou fugir ao prosseguimento da análise da frase do presidente da EDP que inicia este texto.

O que verdadeiramente se pretendeu com estas referências a outras desigualdades “chocantes” foi, admite-se, arranjar um pretexto para, destacando-o com aqueles dados, afirmar, escrever – e esta frase talvez seja senão a única que se aproveita, pelo menos a mais importante deste arrazoado – que a diminuição, tanto quanto possível a eliminação, das desigualdades sociais é a real essência da democracia e, até, muito comezinhamente, de uma política verdadeiramente social-democrata.

Bem, mas voltemos ao sr. Mexia e cedamos até que, afinal, relativamente (“tudo é relativo”, escreveu o próprio Einstein), a sua “explicação” para os preços da electricidade, face ao seu (muito) alto “poder de compra”, não é assim tão “chocante”.

Só que (se) fica com um pouco mais de “voltagem” sabendo que o sr. Mexia, apesar de dizer que os portugueses têm baixo “poder de compra”, se opõe ao congelamento do preço da electricidade e, até, ao alargamento da tarifa social para os consumidores com (ainda mais) baixo “poder de compra”.

Contudo – reflictamos – será que, ao entender que “o problema não está no preço da electricidade, o problema está no poder de compra”, o presidente da EDP quereria dizer que o problema está, não no baixo mas no alto, no alto “poder de compra” dos consumidores, por exemplo, dos consumidores que são simultaneamente grandes accionistas, “supervisores” (por exemplo, o sr. Catroga, cujo “poder de compra” em 2016 vai ser de mais de meio milhão de euros) ou administradores da EDP (cujo “poder de compra” em 2016, vai ser, no total, de 13,9 milhões de euros, mais 25% do que em 2015).

É uma hipótese. Sim, porque, como já ouvi dizer o professor Alfredo Bruto da Costa (ex-ministro dos Assuntos Sociais, ex-presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz, ex-membro do Conselho de Estado e, eminente sociólogo, profundo conhecedor das questões da pobreza e das desigualdades sociais), “só há ricos porque há pobres” e, portanto,  (digo eu) só há pobres porque há ricos.

Talvez que só hja (para muitos) baixo “poder de compra”, porque há (para uma minoria) muito (demasiado) alto “poder de compra”.

A ser assim, o sr. Mexia, se “mexer” mais nas suas explicações, talvez chegue à conclusão de que o preço da electricidade é muito elevado em Portugal por causa, sim senhor(a), do “poder de compra”. Mas, não é caso para, “ponto”, ficarmos por aqui…

Por causa do “poder de compra” muito baixo de quase todos, claro, mas, também, por causa do “poder de compra” muito (demasiado)  alto de alguns, como é o caso do seu próprio “poder de compra” como presidente (e consumidor, claro) da EDP.

Convenha-se que é uma conclusão “chocante”, senão electrocutante, pelo menos electrizante.Redação Gazeta da Beira

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