João Fraga de Oliveira

A Europa doente

“As coisas estão terríveis em Portugal…”

É assim que Paul Krugman, prémio Nobel da Economia em 2008, inicia um artigo sobre o nosso país (que conhece bem, já cá viveu e estudou em tempos), publicado em 2/5/2016 no The New York Times e republicado em 5/5/2016, pela revista Visão. Aliás, repetiu mais ou menos essa frase quando, há dias, em 3 e 4 de Maio, esteve no Congresso da  APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição.

Assusta. Mas, como já nos habituámos aos “cataclismos” que os(as) comentadores(as) especializados(as) e especialistas comentadores(as) todos os dias nos anunciam como “fim do mundo” (e da “geringonça”), como na estória do lobo, já quase não ligamos.

É claro que não ficamos tão assustados se não nos basearmos apenas nos “comentadores” e “especialistas” e formos ler o artigo. É que o que acima transcrevi é apenas o princípio da frase com que Krugman inicia o artigo: “As coisa estão terríveis em Portugal, mas” – acrescenta –  “não tão terríveis como estavam há um par de anos”.

Mas por que é que, “fazedores de opinião”, os(as) “comentadores(as) e “especialistas” não citam o resto da frase, (também) a opinião de Krugman de que, em Portugal,   as coisas estavam mais “terríveis” “há um par de anos”? Mistérios da economia “comentada” e “especializada”…

Aliás, o mesmo acontece com a opinião de Krugman sobre o Salário Mínimo Nacional (SMN): “é perigoso o aumento do SMN, sobretudo em economias em que o crescimento é fraco”. É dado destaque “especializado” (só) a esta opinião mas omite-se (trunca-se) o resto, também sobre o aumento que o SMN teve em Portugal: “parece-me aceitável” e, mesmo, “parece-me razoável subi-lo”.

Mas o que mais interessa destacar nesta edição da GAZETA, publicada numa semana em que se assinala o “Dia da Europa” (em 9 de Maio de 1950, foi assinada a Declaração Schuman, considerada o embrião da União Europeia), é o quanto Krugman, naquele artigo, associa “as coisas terríveis” em Portugal a uma “doença” da Europa. Aliás, o próprio título do artigo é disso bem significativo: no original, “The Diabetic Economy” (“A Economia Diabética”).

Paul Krugman compara o “dinheiro barato” das baixas taxas de juro que aguentam a fraqueza da economia europeia à “insulina que os diabéticos devem tomar”.

Sendo a sua especialidade a economia, Paul Krugman foca-se mais na tal “diabetes” económica da Europa. Mas não sofrerá esta “Europa”, de outras “doenças”?

Sim, esta Europa que, incapaz de dar uma resposta verdadeiramente europeia à situação desumana dos refugiados, subcontrata vergonhosamente por bom preço à Turquia o sujo trabalho de lhe barrar a entrada na União Europeia, é capaz de estar doente.

Sim, esta Europa que dá tanta importância às décimas de diferença que, no Orçamento de Estado (OE) para 2016, a Comissão Europeia diz existir entre a sua previsão e a previsão do Governo para o défice de 2016 (mesmo que esta, a previsão do Governo português, fique abaixo do estúpido dogma dos 3% fixados no famigerado Tratado Orçamental como limite para além do qual não pode haver vida) e esquece a importância que têm para a vida de milhões de pessoas essas décimas, esta “Europa” é capaz de estar, está com certeza, “doente”.

Muitos outros sintomas de grave(s) doença(s) no domínio das desigualdades, dos direitos laborais e sociais, do populismo, da cidadania europeia, do egoísmo (de que é exemplo a hipótese de “Brexit”) poderiam, caso o espaço o permitisse, ser aqui identificados como “enfermidades” da Europa.

Mas, mesmo não se sendo nisso um Nobel, não é difícil ser-se também (pseudo)“psiquiatra” e, com algum “olho clínico”, concluir que a “Europa”, esta “Europa”, tende  cada vez mais a sofrer (e ressalva-se bem o respeito por todas as pessoas que possam padecer destes males), por exemplo, de “perturbação de hiperactividade e défice de atenção” (PHDA).

Sim, claro, “hiperactividade”: financeirista, buro(euro)tecnocrática, ideológica.

Sim, claro, “défice de atenção”: às pessoas, à sociedade, à economia (à economia, como ciência social, não confundir com “economia” da finança… e vice-versa).

Há também, nesta “Europa”, alguns sinais perigosos de “esquizofrenia”:  a forma como é implacável para certos Estados-membros (e nomeadamente, agora, para com Portugal) que considera“ em défice” porque têm “défices em excesso” e a posição, tolerante, que tem para com outros países (também) “em défice” e “em défice”, estes, não apenas por também não cumprirem os tais “mágicos” três por cento (por exemplo, França, Espanha, Reino Unido, Itália, Áustria) mas também “em défice” por, como é o caso da Alemanha, terem em excesso … superavits (que muito são raiz e fruto dos nossos e de outros “défices”).

E até mesmo  alguns indícios de “alzeimer”, não só porque esta “Europa” está cada vez mais a não reconhecer como pessoas a maioria dos europeus mas também porque está cada vez mais a já não se lembrar do seu “nascimento” (e não é desculpa que sobre o mesmo se completem para o ano 60 anos), dos seus princípios sociais e políticos.

Talvez fosse boa medida de prevenção desta “perda de memória” consultar a sua “certidão de nascimento” actualizada, os tratados da CEE / Comunidade Europeia  / União Europeia (Roma, Acto Único, Amsterdão, mesmo, vá lá, apesar de aqui já haver graves sinais de “doença”, até Maastricht, Nice e Lisboa) e (re)avivar a memória do que, em tempos, a ajudou a crescer como (verdadeira) Europa social e política: “elevado nível de emprego”; “melhoria das condições de trabalho”; “elevado nível de protecção da saúde”; “harmonização no progresso”; “decisões tomadas de forma tão aberta e ao nível próximo dos cidadãos”; “reforço da coesão económica e social”; “coerência e solidariedade nas relações entre os Estados membros e os respectivos povos”.

Mas o que agora se nota mais é, para além da tal “diabetes” diagnosticada por Paul Krugman, é, de facto, a “perturbação de hiperactividade e défice de atenção” (PHDA).

E, cuidado, esta (politicamente) doentia perturbação “pega-se” facilmente a quem, pessoas ou Estados, contra ela não tiver autodefesas  (políticas) e, mais ainda, a quem dela for (politicamente) hospitaleiro(a). Há mesmo quem, de tanto “dormir” com esta Europa “doente” durante quatro anos, tenha chegado ao ponto se sentir bem com um nível de gravidade de PHDA “além” do nível de gravidade da PHDA desta Europa.

Medidas profiláticas: tanto quanto possível, pormos esta “Europa”  à distância (talvez resulte “bater-lhe o pé”) até que “melhore”, reestabeleça a sua condição “física” (as suas instituições) e “mental” (as suas “regras”, os seus princípios originários de paz, emprego digno, solidariedade entre os povos e  coesão social): e mantermos  em quarentena (mais, bem mais de quatro anos…) os (as) que por cá ainda por ela estão contagiados.

“Medicação” a prescrever generalizadamente: Política, na sua fórmula genuína e não adulterada e em dose forte e prolongada.Redação Gazeta da Beira

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