João Fraga de Oliveira

“Um homem tem muitos países”

“Os que não fogem da perseguição política nem da guerra, mas que querem vir para cá por necessidade económica não podem ficar na Alemanha, por muito duras que sejam as suas vidas pessoais”, declarou, sobre os refugiados e migrantes, a chanceler alemã srª Angela Merkel no Parlamento alemão em 9/9/2015.
Esta posição, se bem que mais razoável, em geral, vem na linha da forma (e tempo) com que a União Europeia (não) tem respondido adequadamente à questão dos migrantes e refugiados.
Suponham que eu vejo um desconhecido desarmado, frágil, a fugir manifestamente desesperado para o portão aberto de minha casa, perseguido por alguém com um revólver na mão. Suponham ainda que quando o fugitivo chega ao meu portão, eu lho fecho na cara, deixando-o entregue a si próprio (e ao perseguidor armado).
Se isto acontecesse, e em função das consequências para o fugitivo, eu poderia ser punido com prisão por “omissão de auxílio” (Artº 200º do Código Penal).
Ou seja, eu deveria ter aberto o portão de minha casa ao fugitivo, independentemente das razões por que ele era perseguido. Deveria ter-lhe prestado auxílio. Não apenas por razões de magnanimidade, de humanidade, mas por obrigação legal.
Descontando a linearidade desta comparação, qual é a “magnanimidade” da Srª Merkel – que se assume e é apresentada como “paladina” internacional (ou, pelo menos, europeia) dos refugiados – quando o governo alemão (como o de qualquer outro país membro da ONU) é legalmente obrigado a acolher qualquer refugiado (Convenção da ONU de 1951 e respectivo Protocolo de 1967)?
E depois, qual é a diferença entre uma pessoa (homem, mulher, criança) morrer vítima de uma bomba ou de um tiro ou, pela “dureza das suas vidas” decorrente de “necessidades económicas”, morrer à fome no seu país ou na sargeta de uma estrada à beira da fronteira de um qualquer outro país, por exemplo, da Hungria ou, pelos vistos (para já), da Alemanha?
É premente que (n)a União Europeia (se) coloque esta pergunta e outras conexas e, sobre elas, (se) reflicta. E, (mais) rapidamente, se aja.
Mas, de certa forma, “compreende-se” a posição do governo da Srª Merkel.
Qual é a autoridade moral (e política) do governo da Srª Merkel para não salvar da indigência (e eventualmente, da morte) sírios, iraquianos e outros não europeus que procuram acolhimento na Europa (no caso, na Alemanha) “só” pela extrema “dureza das suas vidas” causada por “necessidades económicas” quando:
a) Não é este governo alemão um dos que, na União Europeia (UE), por acção ou omissão, têm contribuído para a situação social, económica e política (e militar…) dos países de que fogem os migrantes, para não morrerem pela guerra ou para não morrerem à fome ou pela doença causada pela extrema “dureza das suas vidas” por “necessidade económica”?
b) Não tem sido este governo alemão “paladino” da “merkievelização” (parafraseando, no livro “A Europa Alemã”, o grande sociólogo alemão Ulrich Beck, falecido no primeiro dia deste ano) austeritária que, de algum modo, condenou e está a condenar à indigência (e, ainda que indirectamente, sabe-se lá se, nalguns casos, à morte) tantos europeus (gregos, portugueses, e não só) que, “por necessidades económicas”, viram as suas vidas tornarem-se cada vez mais “duras”?
Estas perguntas podem passar por “muito duras” por a Alemanha (mas também a Grécia e a Itália, pelo menos temporariamente) ter sido, até agora, um dos países que mais migrantes tem acolhido.
Contudo, quando, neste domínio, por parte da União Europeia como tal e, especificamente, por parte do governo do seu Estado-membro mais poderoso economicamente (e, daí, politicamente, já que, pelos actuais “critérios” de poder, perversamente, é o poder económico que determina o poder político), se percebe uma “gestão” desta catástrofe social e humana (em que já morreram dezenas e milhares de pessoas) com frios argumentos económicos, para além de uma certa revolta, surge-nos uma certa “pena” por, pelos vistos, na (actual) União Europeia (incluindo, por parte da srª Merkel e do seu governo), se ler pouco o grande escritor e poeta Mia Couto: “Se um país tem muitos homens, um homem tem muitos países”.Redação Gazeta da Beira

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