João Fraga de Oliveira
A TIA da TINA
A TIA da TINA
Este título pode parecer “esquisito” num texto que pretende incidir na actual situação política. Contudo, talvez os leitores aceitem a sua pertinência.
Segundo dados oficiais (MAI), nas últimas eleições legislativas, os resultados até agora fixados (falta apurar o círculo da emigração – 4 deputados – cujos dados só serão conhecidos em 14/10/2015, depois do fecho desta edição da Gazeta), foram, sinteticamente, os seguintes: a coligação “Portugal à Frente” (PaF), juntamente com o PSD e CDS/PP nos Açores e Madeira, obteve 2.070.049 votos, correspondentes a 38,48% dos votos inscritos e a 104 mandatos de deputados; o PS, segunda candidatura mais votada, conseguiu 1.742.012 votos, 32,38% e 85 mandatos; nas restantes candidaturas / partidos, votaram 1.373.676 eleitores, 25,44% dos votos, sendo que, destes, apenas três (BE, PCP/PEV e PAN) almejaram serem-lhes atribuídos mandatos de deputado (respectivamente, 19, 17 e 1).
Daí se poder concluir que a coligação PaF ganhou as eleições por maioria relativamente ao PS (mais 328.037 votos, mais 6,1% e, para já, mais 19 mandatos). Contudo, perdeu a maioria absoluta na Assembleia da República, visto que teve menos votos (menos 1.045.634, menos 19,34% e menos 18 mandatos) que as restantes candidaturas / partidos juntos.
Relativamente às eleições de 2011 (e considerando aí a soma dos votos no PSD e no CDS/PP), nestas eleições de 2015 a coligação PaF perdeu também votos (menos 728.4389), menos 11,89% e menos 28 mandatos).
Sendo a coligação PaF constituída pelos partidos em que assentou o Governo cessante, muita gente se mostra surpreendida com o facto de, agora, ter sido a candidatura mais votada.
E surpresa porquê? Pelas consequências humanas, sociais e económicas decorrentes das políticas e práticas seguidas pelo Governo nestes últimos 4 anos: diminuição real (e até nominal) de salários e de pensões; aumento de facto do desemprego real, da precariedade do trabalho, da degradação das condições de trabalho, da emigração forçada, da pobreza, das desigualdades sociais (de que releva a iniquidade da diminuição dos rendimentos do trabalho); diminuição ou mesmo eliminação de direitos laborais e sociais; “enorme” aumento da carga fiscal, mormente sobre as pessoas e sobre as famílias; dificultação do acesso e perda da qualidade e prontidão das respostas sociais exigíveis aos Serviços Públicos (Saúde, Educação, Segurança Social, Justiça); privatização de empresas públicas económica e socialmente (na medida em que prestam serviços essenciais à sociedade) e economicamente estratégicas.
E mesmo do ponto de vista financeiro, com base no qual todas estas medidas foram “fundamentadas “ pelo Governo, é também surpreendente essa vitória relativa da PaF, já que, afinal, com o governo constituído à base dos partidos que constituíram essa coligação, a dívida pública (e, naturalmente, os respectivos encargos), em vez de diminuir, aumentou.
Há por aí muitos “comentadores” e “politólogos” com interpretações sobre estas eleições legislativas, sobre o que, nelas, os portugueses “disseram” e por que é que o “disseram”.
Não corro o risco de enveredar por esse caminho “pseudofreudiano” de “psicossocioanálise”, muito embora também pudesse arriscar algumas (contra)interpretações dessa ordem.
Mas também não me inibo de, entre outras, reflectir interpretações de outra ordem.
Uma delas, quanto a mim de grande peso, é a de que este Governo, muito por via da opinião publicada (e, mormente, telepublicada) conseguiu fazer vingar na opinião pública um certo discurso “político” e “politológico” que, de forma sistemática, “residente”, visou formatar o pensamento das pessoas com as teses de que “são todas culpadas”, “vivem acima das suas possibilidades”, “os sacrifícios são inevitáveis”, “é preciso sofrer com fé”, “é preciso empobrecer para sair da crise” senão “isto ainda vai ser pior”, “não há alternativa”.
Ou seja, o discurso da culpabilização, do sacrificialismo, do medo.
Do medo não apenas pelo discurso mas do medo também por medidas políticas assentes no medo, no divisionismo e atordoamento social (como foi o caso das propostas de “escacha-pessegueiro” da diminuição da TSU para os empregadores com “proporcional” aumento para os trabalhadores, ou o da descida dos cortes nas pensões e nos subsídios de desemprego e de doença) para, depois, fazer passar medidas mais “suaves”.
Para além da perda de crédito resultante da falta de cumprimento de promessas eleitorais, este discurso e prática política de indução do medo, de que “não há alternativa”, gerou desconfiança, perda de esperança, conformismo, apatia, quebra da participação política.
Sintoma evidente disso é o nível de abstenção nas últimas eleições, o maior de sempre.
Sintetizando, as políticas de(o) medo implicaram o medo da Política, não apenas na sua acepção mais complexa mas, até, no seu sentido mais elementar – o voto.
Digamos que, tivesse ou não lido Hanna Arendt, o Governo, de algum modo, consciente ou inconscientemente, “inspirou-se” no que, já lá vão 46 anos (1969), esta filósofa política alemã (14/10/1906 – 4/12/1975) escreveu em Crises da República: “A revolta não é uma reacção automática face à miséria e ao sofrimento (…) Ninguém se revolta perante uma doença incurável ou perante um terramoto. (…). É somente quando temos razões para crer que as condições poderiam ser mudadas e não o são que a revolta se desencadeia”.
E, de facto, a estratégia do governo cessante sempre foi – aliás, na linha das suas referências na actual “Europa” política (e política da actual “Europa”) e no FMI – a de procurar induzir (inclusive muito através da sua guarda pretoriana político-mediática e mediático-política) a ideia de que as políticas seguidas “não poderiam ser mudadas”, de que “não há alternativa”.
Ora, é aqui que se pode tentar desfazer o absurdo que, aparentemente, constitui o título deste texto, fazendo aqui entrar “a” TINA.
TINA é um acrónimo (só as iniciais) do inglês para There Is No Alternative. Em português, “Não há alternativa”, argumento atribuído à ex-primeira-ministra do Reino Unido Margaret Thatcher para, nos anos 80 do século passado, fazer impor as suas políticas, no sentido de que “não há alternativa” às leis do mercado, ao neoliberalismo e à globalização financeira(ista).
Voltando aos resultados das eleições legislativas, uma das leituras que se podem fazer é a de que, tendo em conta aquele pensamento de Hanna Arendt, há mais de um milhão de portugueses (mais ou menos 60% dos eleitores) que entendem que “as condições podem ser mudadas”, que deve haver uma mudança nas políticas (e foi isso que os portugueses votaram – propostas políticas – não primeiro-ministros) seguidas pelo Governo cessante.
E, centrando-me apenas na essência das propostas políticas das candidaturas que representam esses eleitores, é de concluir que essas mudanças políticas devem (re)orientar-se fundamentalmente para a melhoria das condições de vida e de trabalho das pessoas, para a recuperação de salários e de pensões, para o crescimento do emprego consubstanciado por trabalho digno, estável e com direitos, por uma repartição mais equitativa dos rendimentos (e, logo, dos impostos), pelo reforço do Estado Social, nas suas várias vertentes (Saúde, Educação, Segurança Social, Justiça). A fim de que, de facto (humana, social e economicamente e não apenas financeiramente), o país (que se consubstancia nas pessoas que o habitam) fique (realmente) “melhor”.
Ou seja, estas eleições legislativas evidenciaram que mais de um milhão de portugueses “dizem” agora – e exigem que democrática e constitucionalmente tal seja respeitado, quer nas políticas a seguir, quer na organização, processos e práticas governativas – que há alternativa (pressuposto que, aliás, é a essência da democracia) às políticas seguidas pelo governo cessante e que, portanto, estas devem, no (pelo) próximo governo, ser mudadas naquele sentido económico e social.
Assim, ao argumento de que “não há alternativa” – no qual os partidos da coligação que agora ganhou (relativamente) as eleições tanto se apoiaram enquanto foram Governo nestes últimos quatro anos para imporem as suas políticas – “diz” agora essa esmagadora maioria de eleitores que se pode e deve contrapor o de que há alternativa(s) a concretizar para essas políticas regressivas dos direitos e das condições de vida e de trabalho das pessoas.
Recuando então ao “esquisito” título deste texto, pelo menos mais de um milhão de portugueses clama “pela” TIA (“There Is Alternative”, em português, “há alternativa”) de TINA (“There Is No Alternative”, em português, “não há alternativa”).
Simplificando, exigem respeito político consequente “pela” TIA da TINA.Redação Gazeta da Beira
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