Há 100 anos: a conclusão da Linha do Vale do Vouga

No próximo dia 5 de Fevereiro de 2014 completam-se 100 anos sobre a inauguração da linha do Vale do Vouga. O acontecimento memorável deu-se em S. Pedro do Sul, onde se fez a junção das duas extremidades da via férrea, uma construída a partir de Espinho, outra a partir de Viseu.

Cem anos depois, a data não podia deixar de ser comemorada e a Gazeta da Beira também pretende assinalar a efeméride. Ao longo desta e das próximas edições vamos recordar essa última etapa, que viu os dois braços da linha crescer a partir de Bodiosa e Vouzela até se juntarem em S. Pedro do Sul.

A memória desses acontecimentos ficou guardada nas notícias publicadas pelos dois periódicos que existiam há cem anos em S. Pedro do Sul, o Jornal de Lafões e o Ecos do Vouga. Graças a elas vamos poder acompanhar a progressão das obras e redescobrir como estas foram vividas na época. A nossa fonte será quase sempre o Jornal de Lafões, a não ser que seja indicada outra.

O começo das obras entre Vouzela e Bodiosa (1)

Ed643_S-Pedro-do-Sul-(1963)O troço de caminho de ferro entre Vouzela e Bodiosa, que rematou a construção da linha do Vale do Vouga, começou a ser rasgado por finais de 1912. Os primeiros sinais das obras no concelho de S. Pedro do Sul foram notados pelo correspondente das Termas:

– No Bouço e areal do rio Vouga, á vista d’estas Thermas, estacionou uma «companhia», que por conta da direcção do Valle do Vouga ha bastante tempo se estão construindo, de cimento e area, canos para pontos da linha, em que, para dar vasante ás aguas, elles se tornam necessarios. Veem-se por lá alinhados ás desenas.

– Devem tambem ter já principiado os trabalhos de construcção d’uma ponte sobre o Pego, junto da Nazareth.

Agora temos linha ferrea… (03-11-1912)

Pouco depois começou-se a rebentar pedra e a escavar a terra para abrir passagem ao caminho de ferro. O arranque das obras em força foi vivido com grande entusiasmo:

– Entre as Thermas e Ponte da Nazareth abriram-se obras do Valle do Vouga em 11 trincheiras. Bravo, bravo! (05-12-1912)

Em Fevereiro de 1913, já se viam das Termas os trabalhos de construção:

No sitio do Barrocal, onde estes apresentam mais dificuldades, vê-se diariamente um formigueiro d’homens, sendo o tiroteio nas penedias quasi continuo. O carroção – automovel da companhia, d’um peso descomunal que quando se move faz tremer ceu e terra, tambem gira em oportuno vae-vem, conduzindo material. (02-02-1913)

Os trabalhos de abertura da via, com os seus rebentamentos constantes, faziam lembrar a Guerra dos Balcãs, que então se travava no outro extremo da Europa:

Desde Oliveira de Frades a Negrellos trabalha-se activamente. Succedem-se os tiros, parecendo, não a linha do Valle do Vouga, mas… as linhas de Tchataldja. (09-03-1913)

Em finais de Maio anunciava-se o começo da construção da Ponte de Negrelos, que ainda não dava por esse nome:

Os trabalhos da ponte no Forno Telheiro principiam com intensidade na proxima semana, destacando-se para aqui grande parte do pessoal de Pecegueiro, e admittindo mais 200 trabalhadores.

Pela mesma altura comunicava-se das Termas:

– Depois de muito dinamitadas podem agora considerar-se rasgadas as trincheiras da linha ferrea. Parece-nos que temos caminho de ferro… (25-05-1913)

A aparente descrença que ainda transparecia nesta fase só se compreende porque as pessoas estavam cansadas de ansiar por um caminho de ferro que nunca mais chegava. Há mais de 35 anos que se falava na linha e a primeira concessão da obra tinha sido feita há quase 25 anos. Depois disso tinha sido uma sucessão de adiamentos, reclamações e embaraços de toda a ordem. Só em finais de 1907 tinham começado as obras e, mesmo depois disso, tardaram a passar de Sernada do Vouga para cima. Não admira que muitos já não acreditassem que a linha se fizesse.

Mas no Verão de 1913 ninguém podia duvidar que era verdade. As emoções eram difíceis de conter e o ruído das máquinas que trabalhavam na construção encantava os ouvidos dos mais entusiastas como se fosse música:

Que delicia! Pela madrugada, á hora em que a cotovia acorda, ouve-se ali para os lados da Negroza o apito da balastreira e d’outra machina que lá tem para tirar a agua do rio e assentar os pegões da ponte.

Que lindo concerto! (27-07-1913)

Entretanto chegavam ao fim os trabalhos nos outros troços da linha. A 5 de Setembro era inaugurada a ligação de Viseu a Bodiosa, e a 12 de Novembro a circulação de Espinho até Vouzela. Faltava apenas cobrir o espaço entre Bodiosa e Vouzela para fechar o traçado. Embora os trabalhos avançassem a bom ritmo, o tempo chuvoso que se abateu sobre a região nesse Outono acabou por causar alguns contratempos imprevistos e estragar os planos aos engenheiros. São pormenores que terão de ficar para a próxima edição.

• Daniel de Melo
• Fotografia de Marc Dahlström (publicada por os-caminhos-de-ferro.blogspot.com)