Francisco Queirós

Pão e Circo para dominar o Povo…

“Panem et Circenses”, que é como quem diz “Pão e Circo”, escrevia Júnio Juvenal no séc. I, na Sátira X a propósito do modelo de sustentação político criado por Roma para a manutenção da ordem social do Império. Na prática esse modelo correspondia à garantia da existência de comida e diversão para o povo, com o objectivo de apaziguar eventuais movimentos de insatisfação social contra os governantes e as suas políticas. A leitura de Juvenal corresponde a uma das primeiras e mais profundas críticas que se conhecem acerca do funcionamento do sistema político, nomeadamente das estratégias que este vai encontrando para se perpetuar, suportado pela massa amorfa que constitui o povo.

Ao olharmos para as sociedades de hoje, ou seja, vinte séculos depois, não será difícil chegarmos à conclusão que, neste particular, pouco ou nada parece ter mudado.

Certo que não se fará hoje de forma ostensiva a Roma antiga, porém e uma vez que acaba por se manifestar, o efeito “Pão e Circo” tem servido os intentos das classes políticas (pelo menos de algumas franjas menos escrupulosas), enquanto modelo de manutenção da coesão social. Invariavelmente, constatamos que as sociedades acabam por reproduzir sistematicamente este modelo (chamemos-lhe “modelo Pão e Circo”).

Algumas interrogações me assaltam sistematicamente:

– Até que ponto são fornecidos ao povo os dados esclarecedores minimamente objectivos que lhe permitam tomar, nos momentos das votações, as melhores decisões para o seu próprio futuro?

– Até que ponto está o povo preparado e interessado em conhecer tais dados?

– Um povo que viva numa lógica de “Pão e Circo” estará efectivamente à altura das responsabilidades que uma verdadeira Democracia exige?

– Estará na posse do mínimo de informação clara e objectiva sobre a realidade acerca da qual é chamado a pronunciar-se? Eu, por mim, não tenho reservas ou duvidas! Um povo neste estado não está preparado para votar e decidir por si mesmo o seu futuro!

 

A culpa deste estado de coisas não está no povo! A culpa, se existe (reafirmo que, apesar de poder revelar-se útil a alguns em determinados contextos, a estratégia “Pão e Circo” pode nem ser tão maldosamente deliberado quanto isso), tem sido das sucessivas elites políticas que, pelas mais variadas razões e um pouco por todo o lado, se têm abstido de implementar políticas tendentes à preparação de cidadãos mais interessados, preocupados, com espírito objectivamente critico e participativos das grandes decisões relativas à sociedade de que fazem parte.

Estamos em crer que a elevação destes índices de esclarecimento junto do povo teria como resultado directo o incremento da qualidade dos políticos, dos seus projectos e das políticas que colocariam em prática. Doutra forma, continuaremos a correr o sério risco de a crise ser, aos olhos de grande parte dos cidadãos, algo que serve apenas para alimentar discursos e debates políticos, mas sem qualquer correspondência com a realidade da vida de cada um de nós.

Para estes cidadãos (que presumimos seja uma grande franja, certamente a esmagadora maioria das pessoas) a possibilidade de aquisição e consumo de produtos alimentares (ainda que por vezes de menor qualidade), o consumo massivo de novelas do “big brother” e até do meu amado futebol, acompanhados de umas Cervejinhas e Tremoços (o “Pão e o Circo”) são razões suficientes para o enquadramento de toda uma lógica de vida. Para estes, as discussões políticas (sobre a crise ou sobre outro qualquer assunto) são algo que ignoram porque simplesmente não entendem o discurso, nem a argumentação, nem, sobretudo, porque nem sequer imaginam (longe disso) que os efeitos de más opções políticas (que num sistema democrático também dependem de si) possam vir a tornar-se nefastos sobre a qualidade da sua (nossa) própria existência.

O problema, para concluir esta reflexão, é que se nada for feito para alterar esta evidência, tendemos a manter grandes margens de manobra para a demagogia. Uma sociedade esclarecida é necessariamente mais exigente (pelo menos possui esse potencial), e um maior grau de exigência traduzir-se-á em melhores políticos e em melhores políticas, com os correspondentes efeitos benéficos para todos.

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