Maria Augusta Graça
Naquele dia do início do ano da graça de 1128, toda a população das Terras de Santo Estêvão estava numa grande agitação. Um mensageiro enviado por D. Afonso Henriques e por sua mãe, D. Teresa, vinha a caminho. Todos, desde os camponeses, ao ferreiro, ao oleiro com os seus três filhos, ao sapateiro que estava muito constipado, passando pelas numerosas criancinhas, pelos anciãos, sem esquecer Frei Eurico e os seus irmãos, assim como alguns cavaleiros vindos das vizinhanças. Todos, vestidos com as suas melhores roupas de burel, de linho ou de lã, como se fosse domingo ou dia de festa, aguardavam ansiosamente a chegada do cavaleiro que lhes traria o pergaminho que alteraria a história deste povo.
Algumas mulheres tinham preparado uma mesa farta com escudelas de barro ou de madeira cheias de carnes, como lebre, faisão, cabrito, porco, vaca, sem esquecer aves exclusivas da época. Estas iguarias tinham sido, na maioria assadas no espeto e temperadas com sal, coentros, hortelã, cebola, azeite e vinagre. Vinhos com mel, sidra de maçã e cerveja também estavam prontos para regar o repasto, em cima de uma mesa coberta com toalhas de linho tecidas no tear de Maria de Jesus.
Havia grande animação por toda a parte. O som melodioso do alaúde e da harpa acompanhava o canto de dois trovadores que ajudavam a encurtar o tempo de espera.
Pelas 3 horas depois da hora em que o sol está mais alto, chegou finalmente a galope o tão esperado mensageiro. Frei Eurico, muito nervoso, recebeu-o com o seu largo sorriso bonacheirão. Ao receber a mensagem, Frei Eurico com as mãos a tremer quebrou o selo real e, numa voz forte leu: “Em nome do pai, do filho e do Espírito Santo. Ámen. Esta é a carta de foro a qual encomendei ser eu D. Afonso Henriques conjuntamente com minha mãe, D. Teresa, a vós, povoadores de Couto de Santo Estêvão,…”
Frei Eurico foi lendo com calma a carta tão esperada que outorgava privilégios àquele couto situado na região de Lafões, que ganhava assim autonomia e verbas próprias graças ao pagamento de taxas que passaria a cobrar a todos quantos entrassem nas terras desse agora concelho.
A maioria dos populares não conseguia perceber o alcance das palavras proferidas por Frei Eurico, mas todos sabiam que havia motivos para festejar. Maria de Jesus começou então a aclamar Afonso Henriques como se ele estivesse presente e toda a população seguiu-a nas ovações que foram acompanhadas pelos deliciosos manjares preparados e regadas pelo melhor vinho daquele couto.
Houve dois dias de festejos que foram seguidos de muitos dias de trabalho de sol a sol, pois a magnífica carta de foral, que se perdeu nos tempos, não enchia a barriga àquela gente que tinha de continuar a trabalhar nos campos, a ferrar cavalos, a fabricar alfaias agrícolas e outros instrumentos necessários para o dia-a-dia, calçado para os mais abastados, …
Estava a chegar a época de Maria de Jesus, juntamente com as suas filhas, semearem o linho que iria servir para tecer uma toalha nova para o altar de Frei Eurico, em agradecimento à Virgem Maria e ao seu Filho, Jesus, por aquela elevação a concelho que agregava à vila de Couto de Santo Estêvão os lugares de Catives, Cerqueira, Esteves, Irijó, Sanfins e Sapeiros.
Redação Gazeta da Beira
Comentários recentes