Entrevista a Margarete Silva

Gente Que Ousa Fazer”

 • Paula Jorge

Olá! Estarei convosco para responder a mais um desafio. Espero não vos desiludir.

A rubrica “Gente Que Ousa Fazer “será assente numa entrevista a alguém que tenha algo válido no seu percurso de vida. Gente que sabe o que quer e, acima de tudo, que luta por aquilo que quer. As entrevistas serão sempre encaminhadas de forma a mostrar o lado melhor que há em cada um de nós e, dentro do possível, ousar surpreender o leitor. Serão entrevistas com a marca das nossas gentes, da região Viseu Dão Lafões, de todos os quadrantes e faixas etárias. Vamos a isso!

 

Ficha Biográfica

Nome: Margarete Isabel de Almeida Silva

Idade: 46

Profissão: Tradutora/Intérprete Freelance

Livro preferido: Todo aquele que é capaz de me transportar para o universo dos aromas e das texturas.

Destino de sonho: Tantos…

Personalidade que admira: Sem pestanejar: a minha Maria Luísa e o meu António. Sempre!

 

Paula Jorge (PJ)- Muito obrigada, Margarete Silva, por mostrar disponibilidade para esta entrevista da rubrica “Gente Que Ousa Fazer”. Comecemos pelo princípio.

Pode descrever o seu percurso profissional.

Margarete Silva (MS) – Iniciei a minha atividade profissional ainda na faculdade, por solicitação de colegas e pessoas próximas, quer por motivos profissionais e académicos, quer por motivos pessoais. Adoro o que faço. Traduzir é uma das minhas grandes paixões e vesti a camisola desta profissão já lá vão mais de vinte anos. No fundo, porque me permite trabalhar com palavras, conhecer culturas diferentes e, sobretudo, porque me possibilita ampliar a visão linguística e humana num contexto internacional. A teoria e o conhecimento das línguas ensinam-se e são importantes, mas não chegam. É preciso saber mergulhar na sonoridade das palavras, acompanhar a métrica da frase e desvendar a alma do autor. A tradução é um trabalho reflexivo, de muita pesquisa e de recriação constante. Não me aborrece a invisibilidade do tradutor ou da tradutora. É sinal de que o trabalho está bem feito e que domina as técnicas. O que me aborrece é o facto de não haver o devido reconhecimento do tradutor por parte do leitor que, na sombra das palavras traduzidas, faz muitas vezes um trabalho hercúleo para que a literatura circule na sua língua materna. Definitivamente, não é um trabalho para amadores.

 

PJ – Como começou esta paixão pela escrita?

MS – Penso, quase sem sombra de dúvida, que tudo começou ainda no ventre materno. Sempre fui uma aficionada pela palavra, sempre gostei de recriá-la ao sabor do instinto e de transcrevê-la para o papel. Ando sempre com o meu bloco de bordo na mala. Raras são as vezes em que não encontro um pormenor que não mereça a minha atenção: um gesto, uma flor, uma gota de chuva, o cheiro da terra molhada, um bom poema, uma boa música. Sou tão atemporal quanto imprevisível. Gosto das palavras às avessas, no sentido positivo, mas gosto sobretudo do avesso das palavras. É visceral. Ando continuamente à procura da palavra perfeita. Ainda não a encontrei…

PJ – A escrita é para si uma necessidade ou um passatempo?

MS – A escrita pode ser ambas: necessidade e passatempo, sempre de acordo com o exigido. Mas é também um modo de estar no mundo. Escrever, para mim, pressupõe uma dinâmica de nos relacionarmos com o mundo que nos rodeia, numa busca constante do nosso “Eu”, a nossa identidade primária. Investir na competência linguística implica promover as possibilidades de expressão nas suas múltiplas variedades e fazer da escrita um instrumento de livre trânsito linguístico. Isto apenas para justificar que a escola, ao assumir o seu compromisso pedagógico de ensinar a escrever, continua a deixar de lado o objetivo de formar escritores, o tal escritor inteligente e diferente que encontra na escrita os seus meios de emancipação. Se, por um lado, a língua está ancorada em regras e normas, por outro, amputa a possibilidade da criatividade da escrita, fora de um sistema normativo da linguagem e enquanto manifestação linguística ou extra linguística.

A escrita, do ponto de vista pessoal, é a forma de exorcizar a alma, os sentires. Mas é também a minha forma de transgredir e subverter um mundo cada vez mais às avessas e desumano. É a minha dicotomia entre céu e inferno, entre o doce e o amargo. Escrevo para desfazer desequilíbrios.

 

PJ – Quais os temas que gosta de abordar quando escreve?

MS – Quem me conhece, sabe que a minha forma de escrever se baseia essencialmente na dualidade de leitura, essas entrelinhas pouco percetíveis ao leitor mais desatento. O exótico e o erótico, a mistura constante dos nossos cinco sentidos e o sexto. Viajo constantemente entre cheiros, paladares, toques, olhares e sons.

 

PJ – Considera importante ler para se escrever bem?

MS – Condição sine qua non. Contudo, há quem escreva coisas interessantes sem dedicar muito tempo à leitura. De uma maneira ou outra, todos lemos. Há quem tenha facilidade de escrever e transpor em palavras o raciocínio ou um simples sentimento tão meticulosamente floreado e há quem não tenha. Somos todos tão diferentes. Mas ninguém retira a qualidade de um bom texto e de uma escrita irrepreensível.

 

PJ – Quais os sentimentos que a dominam quando escreve?

MS – Pergunta difícil. Depende do meu estado de espírito, depende dos estímulos. Há dias que não escrevo uma única palavra poética, porque simplesmente não sai nada. Há dias que flui tudo harmoniosamente.

PJ – A Margarete tem colaborado com o artista plástico, João Marques, em alguns trabalhos. Quer falar-nos como se iniciaram estes projetos e como estão a decorrer?

MS – Conheço o João Marques há mais de vinte anos. Somos duas imperfeições da mesma geração e do mesmo universo de sensibilidades. A parceria nasceu espontaneamente, há cerca de dois anos, com muita timidez, e que começou a ser mais conhecida de há um ano para cá. Os projetos artísticos a quatro mãos sempre decorreram de forma muito salutar na medida em que nos revemos um no outro na arte de criar e recriar. Sintonia e simbiose artísticas, diria, entre as esculturas do João e as minhas intervenções poéticas. Para além do investimento financeiro, existe um enorme investimento emocional em cada peça de arte concluída e exposta. E isso não há dinheiro que pague. Neste momento, estamos a braços com alguns projetos que envolvem alguma dinâmica humana e artística em várias frentes. Estamos a ir devagar, mas seguros dos nossos passos. Para além do projeto “Fontes, fontanários e chafarizes”, em colaboração e com o apoio de diferentes Juntas de Freguesia do concelho, que visa a revitalização e a recuperação do património local e comunitário com uma roupagem artística nossa, apostámos também no projeto “Maçã Rosa-Flor”. Neste projeto pretendemos, essencialmente, abordar o universo feminino, desconstruindo preconceitos e estereótipos, encorajando o universo masculino a participar e a ter voz. Conta com a colaboração de várias frentes artísticas, culturais, profissionais e tantas quantas possíveis. Outra proposta que terá andamento é o “Roteiro de Esculturas e Poemas”, projeto de criação artística apresentado à CIM Viseu Dão-Lafões, com aprovação da mesma, e através do qual pretendemos que as autarquias da região possam assumir um papel dinamizador na valorização, sensibilização e divulgação das artes e dos novos artistas, sensibilizando simultaneamente o público, apoiando e colaborando positivamente connosco. Acreditamos que esta iniciativa é uma forma diferenciadora que também ajuda na promoção do turismo local e regional.

 

PJ – Muitas histórias terá guardadas, ao longo destes projetos, quer partilhar connosco uma das histórias que mais a marcou?

MS – Todo e qualquer projeto é gerado e posto ao mundo ao sabor da razão e da emoção. Em todos eles há uma história diferente, um toque diferente e uma lágrima diferente. O mais importante é o abraço final de cumplicidade.

 

PJ – Quer falar-nos de outros projetos, ao nível de escrita, ou a outro nível, em que esteja envolvida, neste momento, ou a curto/médio prazo?

MS – Como referi anteriormente, os projetos acima mencionados estão na mira da concentração e da dedicação artística. Poderei acrescentar a estes o “Maio Florido”, um projeto da minha mentoria e que decorre anualmente em Santa Cruz da Trapa, propondo abordar diferentes temáticas, sempre em comunhão com pessoas. Sendo um evento que pretende abraçar uma panóplia de outros projetos paralelos, tanto individuais como coletivos, com o apoio da ARC de Santa Cruz da Trapa, o seu propósito visa sensibilizar a comunidade para as artes visuais, performativas e plásticas, a cultura no seu todo, o desporto, a preservação da natureza e das vivências do antigamente.

 

PJ – Acredita que a sociedade dá a devida importância ao setor da cultura literária?

MS – A sociedade em geral nunca dá a devida importância aos assuntos que nos dizem mais respeito, até porque somos pessoas com sensibilidades diferentes. Mas esta questão é transversal em qualquer país. Para que a sociedade se interesse pelo que fazemos, é preciso cativá-la, sensibilizá-la e fazê-la acreditar que o nosso trabalho é válido e credível.

 

PJ – A Margarete tem sido uma lutadora (permita-me que lhe diga!). Onde vai buscar essa energia e força de vontade para trabalhar e não baixar os braços?

MS – Na vida, acompanham-me três premissas simples, mas vitais: trabalhar, persistir e acreditar. Essa é a minha fórmula e forma de estar de bem com o trabalho.

 

PJ – Imagine a sua vida sem a escrita, como seria?

MS – Não imagino. Preciso de escrever da mesma forma como preciso do oxigénio para respirar. Não tenho rotinas de escrita. A escrita acontece involuntariamente e, quando acontece, é muito intensa e sentida. Ora doce, ora amarga. Normalmente, e em termos de rotina, reservo uma hora por dia para pôr a minha leitura em dia, geralmente à noite ou de manhã bem cedo. Nesse momento, gosto de mergulhar noutros universos, abstrair-me do mundo e esquecer as obrigações do dia-a-dia.

 

PJ – Apenas numa palavra, pode descrever-se?

MS – Mulher-plural.

 

PJ – Para fechar esta entrevista, o que me diz o seu coração?

MS – Este mundo seria tão mais bonito se encorajássemos a empatia e a gentileza. A vida é feita de tantas peças de puzzle. Cabe-nos a nós escolher as que se encaixam harmoniosamente na nossa.

 

PJ – Quero, em meu nome pessoal e em nome da Gazeta da Beira, dizer-lhe que foi uma enorme honra, Margarete Silva! Desejo-lhe a continuação de um excelente trabalho e MUITO OBRIGADA! Peço-lhe que deixe uma mensagem breve a todos os nossos leitores.

MS – Sejam humildes, honestos e genuínos. Mas nunca deixem de vestir a vossa pele e falem sempre a linguagem das pessoas.

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