Entrevista a João Marques

“Gente Que Ousa Fazer” - Texto de Paula Jorge

A rubrica “Gente Que Ousa Fazer“ será assente numa entrevista a alguém que tenha algo válido no seu percurso de vida. Gente que sabe o que quer e, acima de tudo, que luta por aquilo que quer. As entrevistas serão sempre encaminhadas de forma a mostrar o lado melhor que há em cada um de nós e, dentro do possível, ousar surpreender o leitor. Serão entrevistas com a marca das nossas gentes, da região Viseu Dão Lafões, de todos os quadrantes e faixas etárias. Vamos a isso!

 

Ficha Biográfica

Nome: João Marques

Idade: 42

Profissão: Pedreiro da Construção Civil

Livro preferido: O Principezinho

Personalidade que admira: Todos aqueles que, com força, determinação e humildade, conseguem reerguer-se ou, pelo menos, lutam para o conseguir, ainda que saibam das suas dificuldades.

 

Paula Jorge (PJ) – Muito obrigada, João Marques, por mostrar disponibilidade para esta entrevista da rubrica “Gente Que Ousa Fazer”. Comecemos pelo princípio.

Há quantos anos se iniciou na arte da plástica?

João Marques (JM) : Iniciei-me no mundo das artes há sensivelmente 5 anos.

 

PJ – Descreva o seu percurso profissional.

JM – Na altura, ainda só com o 8º ano de escolaridade e, após um acidente grave que levou mais de um ano de recuperação, e entre várias cirurgias e sessões de fisioterapia, aos 19 anos emigrei para a Áustria onde trabalhei em estufas de flores, tendo regressado nesse mesmo ano, 1996. Em 1997, parti para a Suíça onde trabalhei na agricultura, na plantação, apanha e embalagem de legumes. Nesse mesmo ano, regressei e fiquei ligado à construção civil até final de 2008. Em Janeiro de 2009, voltei a sair do país rumo ao Brasil com posterior passagem por Moçambique, onde estive cerca de 2 anos. Seguiram-se Bélgica e Alemanha. Regressei em 2013, onde comecei a dividir o meu tempo entre a construção civil e as artes plásticas, estas que começaram como hobby e agora já me levam mais um pouco do que isso.

 

PJ – O artista plástico lida com papel, tinta, gesso, argila, madeira e metais, programas de computador e outras ferramentas tecnológicas para produzir as suas peças. Qual o material que mais gosta de trabalhar e porquê?

JM – Bom… eu gosto acima de tudo, e por opção, de trabalhar com material reciclado. A pedra só há pouco tive a coragem de começar a esculpir, talvez por achar que ainda não tinha sido o momento certo. O ferro, porque vivi com isso desde miúdo. O meu pai era serralheiro/soldador e eu tinha curiosidade em pôr mãos à obra na utilização e moldagem do mesmo. O resultado é excelente na criação com pedra e metal. Adoro. Também gosto e crio obras esculpidas com motosserra a partir de troncos de árvores, sendo estes trabalhos realizados com o apoio de Sidónio Pinto Madanelo e as motosserras  STIHL.

 

PJ – O seu trabalho tem tido muito destaque e saliento a homenagem prestada pela Câmara Municipal de Oliveira de Frades às vítimas do trágico incêndio de 2017, onde foi inaugurado o monumento “Até à última Flor” dos artistas João Marques e Margarete Silva. Quer falar-nos dessa experiência?

JM – Depois de S. Pedro do Sul, com a homenagem aos bombeiros, para a qual fui convidado pelo Município a criar uma obra artística, ambicionei saudavelmente ter uma obra em Vouzela e outra em Oliveira de Frades. Com a ocorrência dos incêndios de 2017 e após quase um ano da tragédia, comecei a trabalhar em 2 projetos artísticos, um para Oliveira e outro para Vouzela. Uma vez que já havia sido convidado pela Margarete Silva a participar em projetos dela, resolvi convidá-la para uma parceria. O trabalho dela é fantástico e eu sabia que era a parte que faltava para completar as minhas obras. Fiz-lhe o convite, apresentei-lhe as minhas ideias e ela aceitou, tendo ajudado ainda na composição da obra de Vouzela. Fizemos todo o trabalho de “laboratório”, marcámos uma reunião com os presidentes e vereadoras dos respetivos municípios, tendo os mesmos mostrado logo interesse e, dessa forma, aceitando de imediato o que projetámos. Acertámos novas reuniões para definir detalhes e deitámos mãos à obra. Levámos tudo muito a sério, ao pormenor, e até as pedras queimadas que completaram as obras foram recolhidas dos locais dos incêndios. Após as homenagens, o feedback que nos chegou foi muito bom. Para isso, contámos sempre com o excelente profissionalismo e prontidão de todos os colaboradores dos municípios que trabalharam connosco.

 

PJ – Outras obras de grande projeção nasceram em parceria com as autarquias da nossa região. Pode falar-nos dessas obras?

JM – Ao mesmo tempo e com a inauguração no mesmo dia de 15 de Outubro, tivemos a obra artística de Vouzela. Tudo se processou da mesma forma. Nada podia falhar e a um ritmo meio louco, mas acertado, conseguimos concluir as duas obras dentro dos timings estabelecidos. A obra poética da Margarete deu um outro sentido às homenagens, deixando desta forma uma mensagem de reflexão a quem passa. Com isto tudo, fui também convidado a criar uma obra para Souto de Lafões que foi concluída e inaugurada no passado dia 18 novembro de 2018.

 

PJ – Muitas outras obras irão nascer, certamente. Fale-nos dos novos projetos que estão para se concretizar a curto e médio prazo.

JM – Há vários projetos em cima da mesa. O facto de estes últimos terem corrido muito bem, sendo criados em parceria com a Margarete, que tem um excelente trabalho e uma sensibilidade que muito admiro, faz com que seja procurado com intuito dessa parelha artística (poesia e escultura). De momento, alguns projetos ainda se encontram em estudo e “laboratório”, mas tudo indica que o ano de 2019 traga muitas novidades e que os mesmos passem do papel para a criação física. Se não houver colaboração das entidades que procurámos, nomeadamente municípios e juntas de freguesia, partimos para a criação e realização dos mesmos com colaboradores privados.

 

PJ – Quais os principais entraves que se apresentam a um artista plástico em Portugal, atualmente?

JM – Não sei se posso falar de uma maneira geral, por isso falo na primeira pessoa. É quase impossível viver das artes plásticas, de forma que tenho o meu trabalho como pedreiro e, no meu caso, torna-se difícil conciliar as duas atividades. Abdico há vários anos do descanso de fim-de-semana e, durante a semana, após o trabalho, são muitos os dias em que fico a criar até tarde. Aproveito todo o tempo disponível para conceber e expor. Depois, toda a gente tem de comer e o dinheiro cai, obviamente, para os bens de primeira necessidade. Adquirir arte vem muito no final da lista. De uma coisa tenho a certeza: nunca nos podemos sentir seguros no nosso lugar lá em cima. É preciso lutar todos os dias, criar, criar, criar.

 

PJ – Qual o sentimento que o domina quando faz nascer uma obra?

JM – Bom… essa parte é muito difícil de entender. Tem dias em que parece que vou enlouquecer. Choro e rio sozinho. De noite, enquanto idealizo, não durmo. Se adormeço esgotado, quando acordo, volta tudo de novo. Uma confusão, um turbilhão de ideias. Tenho obrigatoriamente que passar algumas ideias para o papel, pois como são tantas, algumas perdem-se, evaporam-se, involuntariamente. Gosto de ouvir música enquanto crio, gosto de sonhar. No final, fico tempos infinitos a contemplar as minhas criações.

 

PJ – Muitas histórias terá guardadas, quer partilhar connosco aquela que mais o marcou no seu percurso profissional?

JM – Todas as obras são minhas filhas e o amor que tenho por elas é muito idêntico. No entanto, há uma que me faz parar e ficar a olhá-la quase todas as vezes que passo por lá, falo da obra artística “Até à Última Flor”. Foi a primeira rosa em pedra que esculpi e, nessa altura, senti que tinha encontrado e criado a minha musa. Defini a “Rosa” como a Natureza e agora, tudo o que crio, gira em volta dela, da minha rosa.

 

PJ – Que lições tirou desta marcante experiência?

JM – Não poderei dizer lição, mas talvez a necessidade de continuar a espalhá-la e plantá-la pelo mundo enquanto me for possível.

 

PJ – Tem algum ritual que faça quando inicia um novo trabalho?

JM – Gosto muito de falar com os amigos especiais em pensamento e que fazem questão de me acompanhar a criar.

 

PJ – Quem são esses amigos especiais?

JM – A Paula é uma pessoa ligada à religião, deve entender muito bem o lado espiritual. Há forças que nos vão acompanhando e nós só temos que fazer uma seleção e lidar com as forças mais positivas e evoluídas.

 

PJ – O que é ser Artista Plástico para si?

JM – Para mim, é criar com amor, com paixão. Não importa o material com que se crie. Importa fazê-lo com o coração e, sempre que possível, em benefício dos outros para valer a pena.

 

PJ – Numa sociedade onde nem todos os cidadãos têm acesso ao saneamento básico e ainda há tanta carência económica, acredita que a sociedade dá a devida importância ao lado artístico?

JM – Como referi anteriormente, eu acho importantíssimo e tem de se considerar os bens de primeira necessidade. No entanto, a arte está em tudo o que fazemos e isso não se pode perder ou deixar desaparecer.

 

PJ – Além das Artes Plásticas, que outras paixões nutre, que o completam enquanto pessoa?

JM – Fui convidado a participar numa coletânea de poesia pelo meu amigo Carlos Almeida. Com nomes como o dele e da Margarete Silva, aceitei. “ConVersos”, a minha primeira experiência onde plantei 5 poemas. Fui convidado recentemente a participar num projeto de escrita que me vi obrigado a recusar por não dispor de tempo nesta altura para assumir esse compromisso, pois entendo que quando fazemos algo com esta responsabilidade e valor, devemos fazê-lo com toda a entrega e, se aceitasse, não estaria com a mente tranquila para o efeito. Tenho outro projeto de escrita, em parceria, mas a seu tempo.

 

PJ – Imagine a sua vida sem a Arte Plástica, como seria?

JM – Não me consigo imaginar sem ela. Sinto que endoidecia em pouco tempo. Há sempre um turbilhão de ideias e de projetos a surgir e não conseguiria viver com isso na minha cabeça sem que deixasse fluir algumas e traduzi-las para o espaço físico.

 

PJ – Qual é o seu sonho?

JM – É chegar com a minha rosa aos 4 cantos do mundo.

 

PJ – Apenas numa palavra, pode descrever-se?

Incompleto.

 

PJ – Para fechar esta entrevista, o que me diz o seu coração?

Mágoa, tristeza, paixão.

 

PJ – Quero, em meu nome pessoal e em nome da Gazeta da Beira, dizer-lhe que foi uma enorme honra, João Marques! Desejo-lhe a continuação de um excelente trabalho e MUITO OBRIGADA!

Peço-lhe que deixe uma mensagem breve a todos os nossos leitores.

JM – Como alguém disse um dia, o sonho comanda a vida e, enquanto nos for permitido fazê-lo, devemos continuar a acreditar sobretudo em nós e nas nossas capacidades. Desistir… nunca!

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