Entrevista a Gil António Ferreira de Almeida

A rubrica “Gente Que Ousa Fazer” será assente numa entrevista a alguém que tenha algo válido no seu percurso de vida.

Gente que sabe o que quer e, acima de tudo, que luta por aquilo que quer. As entrevistas serão sempre encaminhadas de forma a mostrar o lado melhor que há em cada um de nós e, dentro do possível, ousar surpreender o leitor. Serão entrevistas com a marca das nossas gentes, da região Viseu Dão Lafões, de todos os quadrantes e faixas etárias. Vamos a isso!

 

Ficha Biográfica

Nome: Gil António Ferreira de Almeida

Idade: 54

Profissão: Advogado

Livro preferido: A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós

Destino de sonho: Nova Zelândia

Personalidade que admira: Martin Luther King

 

Muito obrigada, Dr. Gil Almeida, por mostrar disponibilidade para esta entrevista da rubrica “Gente Que Ousa Fazer”. Comecemos pelo princípio.

Paula Jorge (PJ) – Pode descrever-nos o seu percurso académico?

Gil Almeida (GA) – O meu percurso académico tem muito a ver com o meu percurso de vida. Sou filho de gente da freguesia de Campia, concelho de Vouzela, mas nasci em Angola (Luanda), para onde os meus pais haviam emigrado. Por isso, foi ali que comecei a juntar as letras. Em 1975, os meus pais decidiram regressar a Portugal, para fugir ao clima de enorme insegurança que então se vivia naquele território, em período de pré-independência.

Na sequência do regresso, fiz a antiga 4.ª classe na Escola Primária de Campia. O antigo ciclo preparatório e os anos seguintes, até ao 9.º ano de escolaridade, foram frequentados em Vouzela. Do 10.º ao 12.º ano, andei na Escola Secundária de São Pedro do Sul, para onde seguia toda a população estudantil da região de Lafões, já que aqueles níveis de escolaridade não existiam então nas escolas de Oliveira de Frades e Vouzela. Depois de concluído o ensino secundário, frequentei o Pólo do Porto da Universidade Católica Portuguesa, onde me licenciei em Direito.

 

PJ – Dr. Gil Almeida, fale-nos do seu percurso profissional na advocacia.

GA – O exercício da advocacia foi um sonho que persegui desde os meus 15 anos de idade. Por isso, logo que terminei o curso, fixei-me em São Pedro do Sul, onde me tenho mantido até ao presente. Estagiei com o distinto advogado Dr. Jaime Gralheiro, entre 1991 e 1993, e, a partir de então, tenho vindo a exercer a advocacia, com especial incidência na região de Lafões.

 

PJ – Todos sabemos que tem abraçado grandes causas. Fale-nos da sua passagem como Presidente da Direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de S. Pedro do Sul.

GA – Com efeito, desde que me conheço que sempre gostei de abraçar outras causas que não apenas a profissional. Tal atitude vem já do meu tempo de jovem. Fui escuteiro em Campia durante 12 anos. Quando comecei a viver em São Pedro do Sul, por influência do Dr. Jaime Gralheiro (que me dizia que “o advogado não pode comer o artista”), ingressei no Cénico – Grupo de Teatro Popular, onde me mantive cerca de 10 anos. Mais tarde, vim, efetivamente, a fazer parte dos órgãos sociais da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de São Pedro do Sul, inicialmente como membro do Conselho Fiscal e, depois, como Presidente da Direção.

Esta aventura foi a que mais desgosto me trouxe até hoje, porque não consegui alcançar os grandes objetivos do mandato, que eram os seguintes:

  1. Criação de uma única corporação de bombeiros para a cidade de São Pedro do Sul, dotada de nova racionalidade de gestão e de melhores condições de operacionalidade. Este objetivo passava, por um lado, pela unificação das duas corporações de bombeiros existentes e, por outro, pela instalação da corporação resultante de tal unificação num único edifício, a construir de raiz.
  2. Criação de uma classe de infantis, com formação a ministrar desde tenra idade, que pudesse garantir a continuidade do corpo ativo de bombeiros voluntários com qualidade.

Ora, seja pelas resistências internas com que me deparei, ao nível do corpo ativo, seja pela descrença externa das entidades que poderiam e deveriam apoiar tal projeto, em especial a Câmara Municipal de S. Pedro do Sul, certo é que não conseguimos alcançar qualquer daqueles objetivos.

 

PJ – Para além de estar ligado aos Bombeiros Voluntários, abraça outras causas, como o de ser Presidente da Direção da ASSOL (Associação de Solidariedade Social de Lafões – uma IPSS). Como começou a sua entrega a esta causa e o que tem feito por esta instituição?

GA – A minha ligação aos órgãos sociais da ASSOL remonta a 2014, altura em que integrei a equipa da Direção, então liderada pelo Dr. Carlos Rodrigues, de quem fui Vice-Presidente. Em 2017, o Dr. Carlos Rodrigues manifestou intenção de não se recandidatar e desafiou-me a encabeçar uma lista para a Direção, que venceu as eleições desse ano. Desde então, tenho vindo a encabeçar uma equipa maravilhosa, composta por pessoas dos vários cantos de Lafões (Dra. Eugénia Rocha, de Vouzela; Dra. Carla Correia, de Vouzela; Mário Campos e Carlos Antunes, ambos de Oliveira de Frades).

Desde que ingressei nos órgãos sociais da ASSOL que o objetivo tem sido sempre, como não poderia deixar de ser, contribuir com o melhor de mim para a melhoria das condições dos apoios que prestamos às pessoas que necessitam de nós.

Concretamente, nos mandatos em que tenho feito parte da Direção, foi possível ampliar o Polo de São Pedro do Sul, através da aquisição de diversas frações autónomas do edifício onde se encontra instalado, nas quais funcionam agora diversas atividades. Foi também possível adquirir um terreno e uma casa antiga para ampliação do Polo de Oliveira de Frades. No terreno, está prevista a construção da nova cozinha e do novo refeitório, cujo projeto já se encontra concluído. Na antiga casa, pretendemos criar uma unidade residencial, com vista a garantir este tipo de apoio às pessoas que apoiamos e que vão perdendo retaguarda familiar que permita assegurar os seus cuidados à noite e aos fins de semana.

Todavia, o nosso trabalho só é possível porque a ASSOL conta com uma excelente equipa de colaboradores, chefiada pelo Dr. Mário Pereira, Diretor Técnico da ASSOL, que não posso deixar de elogiar.

 

PJ – Dentro desta grande instituição, criada desde 1987, quais os grandes projetos que pretende ainda concretizar?

GA – Como atrás referi, o grande projeto atual, em termos físicos, é a construção da nova cozinha e do novo refeitório em Oliveira de Frades. Em seguida, pretendemos proceder à reconstrução da casa que adquirimos em Oliveira de Frades, para a converter em unidade residencial para as pessoas que apoiamos.

A par destas obras, pretendemos continuar a manter o nível de excelência que temos vindo a assegurar nos cuidados que prestamos às pessoas que apoiamos, procurando sempre encontrar as melhores soluções para cada uma delas, de acordo com as respetivas necessidades, com vista à sua melhor realização pessoal e inclusão social. Neste sentido, realço a recente renovação do Certificado de Excelência Europeu EQUASS, ao nível da prestação de serviços sociais.

 

PJ – É também Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ADRL e da COOPERATIVA 3 SERRAS, que detém a marca “Vitela de Lafões”. Fale-nos do trabalho que tem desenvolvido em prol destas entidades e grandes referências para a região de Lafões.

GA – O trabalho junto destas entidades tem sido de mero apoio, seja como Presidente da Mesa, seja como jurista. Todavia, posso adiantar que ambas as entidades em apreço estão atualmente a precisar muito do apoio da comunidade de Lafões, para que a sua atividade possa continuar a fazer sentido, em especial no apoio aos agricultores e silvicultores da região e na defesa da marca “Vitela de Lafões”.

 

PJ – Com a situação atual do estado de emergência, devido à infeção do coronavírus (covid-19), houve o encerramento dos mercados locais, o que, de certa forma, está a ser um problema para os produtores das proximidades, que não escoam os seus produtos e, por outro lado, não contribuem para a enorme pegada ecológica dos produtos das grandes superfícies. Enquanto Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ADRL e da COOPERATIVA 3 SERRAS, qual a sua perspetiva sobre esta situação e o que pretendem fazer?

GA – O atual estado de emergência não foi ainda objeto de análise em sede da Assembleia Geral destas entidades, devido ao dever de confinamento e às restrições legalmente impostas. De qualquer forma, não é difícil concluir que esta situação está a prejudicar imenso toda a região. Por isso, é natural que os órgãos de Direção destas entidades estejam a analisar o problema.

 

PJ – Enquanto cidadão e numa perspetiva mais geral, como vê esta situação do estado de emergência que se está a viver atualmente?

GA – A situação de pandemia que todos vivemos é um fenómeno global e resulta, na minha opinião, de dois fatores: por um lado, da massificação do transporte, em especial do transporte aéreo, com o consequente aumento da mobilidade da população mundial, em especial para fins turísticos; por outro lado, da globalização da economia, com o consequente aumento das transações internacionais e necessidade de mobilidade dos agentes económicos. Só assim se compreende uma tão rápida contaminação a nível mundial. Nesse sentido, a declaração de estado de emergência foi muito importante, para, enquanto meio legal adequado, travar essa mobilidade e evitar, assim, na medida do possível, o agravamento da situação.

Todavia, como é óbvio, esta situação traz naturalmente consequências nefastas no dia a dia de qualquer sociedade, seja em termos de cuidados de saúde, seja em termos sociais e económicos. De qualquer forma, sempre se poderá dizer que nem tudo são espinhos nesta globalização, pois é também graças a ela que vai sendo possível reforçar os cuidados de que as pessoas afetadas necessitam, designadamente na importação de equipamentos necessários advindos de paragens longínquas.

Resumindo, o atual estado em que vivemos manifesta-se como um risco próprio das sociedades atuais em que vivemos, importando apenas aprender com cada caso para que as próximas ocorrências tenham cada vez menos consequências nefastas.

 

PJ – Para além da advocacia e da vertente humanitária e social, que outras paixões nutre, que o completam enquanto pessoa?

GA – Em termos de paixões, eu confesso que sou um apaixonado por desporto automóvel, só que, infelizmente, apenas na perspetiva do espectador. Já não tenho idade, nem estatuto económico, para grandes corridas. Por isso, limito-me a acompanhar as provas de rally que se fazem na região e, em especial, o Rally de Portugal. Sou também um espectador regular das provas de Fórmula 1 transmitidas na televisão.

A par disso, adoro teatro e cinema.

Por último, não posso deixar de referir a minha paixão pelo campismo, que me vem dos tempos de escuteiro. No campismo é possível alcançar a felicidade, em contacto com a Natureza e apesar de uma enorme redução dos cómodos do dia-a-dia.

 

PJ – Apenas numa palavra, pode descrever-se?

GA – Eu costumo afirmar que me considero, acima de tudo, uma pessoa decente, pautada por valores de respeito, seriedade, solidariedade, trabalho e simplicidade. Tem sido esse o principal objetivo da minha vida e julgo que deve ser o de cada um de nós. De resto, sou um otimista militante, que consegue estar (quase) sempre bem-disposto.

 

PJ – Para fechar esta entrevista, o que me diz o seu coração?

GA – Nestes dias de enorme angústia que todos atravessamos, o meu coração otimista diz-me que tudo há de passar e regressar ao normal e que devemos tirar disto tudo as lições que se impõem, seja a título pessoal, seja a nível coletivo, para que possamos sair desta crise pessoas ainda melhores e a viver numa sociedade mais solidária e menos materialista e consumista.

 

PJ – Quero, em meu nome pessoal e em nome da Gazeta da Beira, dizer-lhe que foi uma enorme honra, Dr. Gil Almeida! Desejo-lhe a continuação de um excelente trabalho e MUITO OBRIGADA!

Peço-lhe que deixe uma mensagem breve a todos os nossos leitores em particular e aos sampedrenses em geral.

GA – Quero deixar uma mensagem de otimismo, na certeza de que, se todos colaborarmos, iremos conseguir sair desta crise rapidamente, com ânimo para reerguer o que houver a reerguer e enfrentar os desafios que o futuro nos reserva.

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