Entrevista a Fernando Estêvão de Almeida Jesus Farreca

“Gente Que Ousa Fazer” - Texto de Paula Jorge

 

Olá! Estarei convosco para responder a mais um desfio. Espero não vos desiludir.

A rubrica “Gente Que Ousa Fazer” será assente numa entrevista a alguém que tenha algo válido no seu percurso de vida. Gente que sabe o que quer e, acima de tudo, que luta por aquilo que quer. As entrevistas serão sempre encaminhadas de forma a mostrar o lado melhor que há em cada um de nós e, dentro do possível, ousar surpreender o leitor. Serão entrevistas com a marca das nossas gentes, da região Viseu Dão Lafões, de todos os quadrantes e faixas etárias. Vamos a isso!

 

Ficha Biográfica

Nome: Fernando Estêvão de Almeida Jesus Farreca

Idade: 47

Profissão: Bancário

Livro preferido: Não tenho um específico, até porque a minha leitura assenta muito em livros técnicos, estratégicos e muito de geopolítica. Não sou muito de ler romances, aventuras, etc.

Personalidade que admira: Por cá Francisco Sá Carneiro, no global João Paulo II e atualmente Papa Francisco, sou também um apreciador de Dalai Lama e de Indhira Gandhi.

 

Muito obrigada, Senhor Comandante, por mostrar disponibilidade para esta entrevista, a primeira da rubrica “Gente Que Ousa Fazer”. Comecemos pelo princípio.

Paula Jorge (PJ) – Há quantos anos se iniciou nos Bombeiros?

Fernando Estêvão de Almeida Jesus Farreca (FEAJF) – Iniciei-me nos Bombeiros aos 18 anos.

 

PJ- Descreva o seu percurso nos Bombeiros.

FEAJF – Entrei para os Bombeiros ainda muito jovem, era uma pessoa que frequentava aquela casa desde muito novo, fruto da ligação familiar aos bombeiros. O meu avô foi Bombeiro e desde aí alguma parte da família seguiu este caminho. Iniciei o meu caminho como aspirante, depois de alguma formação fiz o curso de promoção a bombeiro de 3ª, mais tarde passei para bombeiro de 2ª e daí até chegar a 2º Comandante foi um pequeno passo. Entrei para o comando ainda muito jovem, consequência da minha carreira militar, da qual saí como Tenente. Desempenhei as funções de 2º Comandante durante 7 anos, tendo assumido o Comando há 15 anos e sou, atualmente, dos Comandantes mais antigos no ativo no distrito de Viseu.

 

PJ – Qual o sentimento que o domina quando está no terreno ao serviço dos Bombeiros?

FEAJF – O sentimento que sempre me dominou desde o início foi o fazer bem aos outros. Sou uma pessoa com uma educação de base familiar, cresci junto de uma pessoa que sempre me ensinou a fazer o bem e, ao longo dos anos, fui tentando fazer o que o meu pai fez pelos outros, sempre com espírito de abnegação total em prol das gentes da minha terra.

 

PJ – O que é que ser Bombeiro mudou em si, enquanto pessoa?

FEAJF – Ser bombeiro, em mim, não mudou nada. Sou a pessoa que sempre fui, solidário, companheiro e amigo do meu amigo, sempre com o sentimento de primeiro os outros e depois eu. Mas, apesar disso, ser bombeiro é uma forma de estar bem e sentir-me bem comigo próprio.

 

PJ – Muitas histórias terá guardadas, quer partilhar connosco aquela que mais o marcou no seu percurso de Bombeiro?

FEAJF – Desde que entrei para os bombeiros passei por muitas situações aflitivas, mas sempre consciente dos perigos que estava a correr. Se fosse descrever todas dava para escrever um livro. Mas, das que mais me marcou foi o verão quente de 2017, um ano completamente atípico face a tudo o que já tinha passado e apesar do 15 de Outubro, a história que me marcou mais foi no dia 15 de Agosto de 2017 quando fui para o Fundão comandar um grupo de combate de Viseu – para salvar uma habitação perdi uma viatura do grupo, tendo esta ficado completamente destruída. Foram minutos de muita aflição, pois quando cheguei junto da viatura só tinha um bombeiro vivo, não sabia dos outros, mais tarde informaram-me que estavam bem, que tinham fugido à frente do fogo. Depois da angustia veio a felicidade e consegui trazer toda a gente salva e feliz para casa.

 

PJ – O fatídico outubro de 2017 ainda está muito presente nas nossas memórias. Pode descrever o que aconteceu?

FEAJF – Outubro não tem descrição possível, esteve aos olhos de toda a gente, apenas um incêndio florestal que teve inicio em Águeda e se tornou num monstro, tendo dizimado tudo o que lhe ia aparecendo pela frente. Por muito que tente perceber o que aconteceu, não consigo descrever tal acontecimento, porque em 30 anos nunca tinha visto nada igual e como já disse já passei por situações muito difíceis.

 

PJ – Qual foi a sua ação específica no terreno?

FEAJF – Esta é uma pergunta difícil de responder, porque a nossa missão no início centrou-se no combate, mas, depois, tivemos de mudar a estratégia, porque eramos manifestamente poucos para o que estava a acontecer. Então optámos por uma estratégia de defesa das pessoas e bens, numa tentativa árdua de que não acontecesse a desgraça de Pedrógão. Era o que me vinha à mente, o que queria era o menos mortos possível e isso só foi possível devido à disciplina demonstrada pelas gentes de Oliveira de Frades. Quando a gente vê lume onde nunca viu todas as estratégias caem por terra, temos de decidir rápido e friamente a cada segundo que passa, as estratégias mudavam a cada minuto. Chegamos ao limite de ser cada equipa de bombeiros a trabalhar por si, porque tudo estava a colapsar, comunicações, água, eletricidade, tudo se desmontava à nossa volta.

 

PJ – Será que há culpas a apontar, ou estivemos perante algo humanamente impossível de explicar?

FEAJF – Perante o que aconteceu não se pode apontar o dedo a ninguém, porque como já referi era humanamente impossível parar o vento que se fazia sentir e este foi o principal culpado daquilo que se passou. Se me perguntar se alguma coisa falhou no antes, então aí respondo que tudo vem a falhar há anos, desordenamento da floresta, interior envelhecido sem políticas para inverter a situação, parques industriais muito mal cuidados e tanto mais haveria para dizer, mas fico-me por aqui. Só esta pergunta dava para uma entrevista…

 

PJ – Que lições tirou desta marcante experiência?

FEAJF – Eu, em qualquer teatro de operações que estou, vou sempre aprendendo qualquer coisa, que me vai ajudando no dia a dia na definição de estratégias para toda e qualquer ocorrência. O 15 de outubro de 2017 foi mesmo um fenómeno atípico, mas devemos estar cada vez mais preparados para estes acontecimentos, como podemos verificar com o aconteceu recentemente com o furacão Leslie, foi molhado, mas se tivesse sido seco se calhar estaríamos a falar de outro 15 de outubro mas de 2018. O bombeiro vive de aprendizagem constante e cada ocorrência é um ensinamento para o futuro.

 

PJ – Tem algum ritual que faça quando está ao serviço dos Bombeiros?

FEAJF – Não tenho rituais, tenho a minha fé e acredito nela, acompanha-me sempre para todo o lado, seja para uma ocorrência, seja para o meu dia a dia. Sou muito introspetivo e o que me ajuda a mover está comigo e há-de morrer comigo.

 

PJ – O que é ser Bombeiro para si?

FEAJF – Algo inexplicável, pode ser um sentimento, pode ser uma forma de estar, pode ser atitude, pode ser tanta coisa… Mas, seja o que for, está cá dentro e sai muito de dentro de nós.

 

PJ – Acredita que a sociedade dá a devida importância ao serviço dos Bombeiros nos tempos atuais?

FEAJF – Se não acreditasse já não estava nos bombeiros há muitos anos. A sociedade é o grande pilar dos bombeiros, porque estes nasceram da força popular para tapar uma lacuna do Estado, existente há décadas e que continua. Se esta força parar não sei o que será de quem precisa de apoio nos seus piores momentos. A sociedade sente os bombeiros como seus, ao contrário do Estado que tem olhado para os bombeiros como algo menor da nossa sociedade, mas não me vou alongar que então teríamos mais uma entrevista só sobre este assunto…

 

PJ – Além dos Bombeiros, que outras paixões nutre, que o completam enquanto pessoa?

FEAJF – Adoro tudo o que seja escape para os dias stressantes que hoje vivemos no meu setor profissional – caminhadas, futebol, amigos, tudo o que me ajude a recuperar de dias duros de trabalho. Sou um fã incondicional de todo o desporto, acho que todos deveríamos ter também esta paixão e seríamos com toda a certeza pessoas melhores. Além disto tenho um carinho especial pela política, adoro e sinto-me bem a discutir tudo o que seja em prol de uma sociedade melhor.

 

PJ – Imagine a sua vida sem os Bombeiros, como seria?

FEAJF – Seria igual, porque sou uma pessoa que não sei estar parado, tenho que estar sempre a fazer coisas, tenho de ter o meu tempo ocupado para me sentir bem, então se for por causas sou o primeiro da fila. Fui educado assim, cresci assim e esta é a cultura que tento passar para os meus descendentes, sentirem-se pessoas de bem. Se eles assim o fizerem quando partir vou feliz, deixei alguém que irá seguir o meu legado.

 

PJ – Apenas numa palavra, pode descrever-se?

FEAJF – Altruísta.

 

PJ – Para fechar esta entrevista, o que me diz o seu coração?

FEAJF – Livre, desapegado de bens materiais, mas muito apaixonado por tudo aquilo que faço, só com paixão aplicada em tudo o que fazemos conseguiremos ser pessoas melhores.

 

PJ – Quero, em meu nome pessoal e em nome da Gazeta da Beira, dizer-lhe que foi uma enorme honra, Sr. Comandante! Desejo-lhe a continuação de um excelente trabalho e MUITO OBRIGADA por ser a pessoa que é!

Peço-lhe que deixe uma mensagem breve a todos os nossos leitores.

FEAJF – Um grande abraço para todos os leitores e em especial para todos os lafonenses. Lafões é o meu jardim!

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