Educação: um ministro com necessidades especiais?

João Fraga de Oliveira

Os “problemas são amplificados em vésperas de eleições. Tenho a certeza que na segunda-feira tudo estará mais calmo”.

Site-Opiniao_JoaoFragaOlivCito o Sr. ministro da Educação, professor Nuno Crato, quando, na sexta-feira, 27 de Setembro de 2013, foi confrontado com as condições (ou melhor, a falta de condições) em que, no Ensino Básico e Secundário, foi iniciado o ano lectivo de 2013/2014.

Porém, passados já vários dias sobre a tal segunda-feira, o “dia seguinte” às autárquicas, não estou assim tão calmo (bem pelo contrário), dado o quanto continuo a não ver sinais de resolução de problemas que, como pai, encarregado de educação e cidadão, me preocupam: problemas de(a) Educação, da Escola Pública.

O que, em geral, se está a passar no domínio da Educação, na Escola Pública, merece uma análise mais alargada e aprofundada e não é esse o propósito deste texto.

O que aqui, muito particularmente, se procura focar são as condições (ou melhor, a falta de condições) em que se iniciou este ano lectivo no Ensino Básico e Secundário, sublinhando uma área muito específica mas que, por tão humana e socialmente importante, merece futuros desenvolvimentos mais reflexivos que se procurarão fazer neste jornal.

Referimo-nos aos alunos com “necessidades educativas especiais” (NEE), isto é, alunos que, por razões cognitivas, motoras, funcionais ou mesmo de multideficiência, carecem de respostas socioeducativas especialmente diferenciadas, no sentido de positivamente discriminatórias, de acordo com o condicionalismo ou circunstancialismo mental e ou físico de cada um.

Estão em causa os princípios de inclusão e equidade educativa consagrados programaticamente em várias convenções internacionais (oriundas da ONU, da UNESCO, do Conselho da Europa e até da OIT) e na Constituição da República Portuguesa. E, mais concreta e substantivamente, em legislação específica sobre esta matéria, por exemplo, o Decreto-Lei Nº 3/2008, de 7 de Janeiro, com especificações regulamentares e referências noutros diplomas legais.

Todavia, provavelmente também muito por causa do que politicamente subjaz à displicência e ironia “política”(queira) com que o Sr. ministro da Educação, como decorre daquelas suas declarações, encara esta importantíssima questão socioeducativa, humana e social, o que por aí se verifica cada vez mais é, na prática, a expressão material da subversão destes princípios.

Uma das garantias da respectiva legislação para satisfazer as NEE destas crianças ou adolescentes é, justamente, a organização das turmas: não devem ter mais de 20 alunos e, nestes, não deve haver mais de dois alunos NEE com carácter permanente. Aliás, o reconhecimento destas condições de integração destes alunos no ensino regular é (re)afirmado pelo próprio Ministério da Educação e Ciência, em despacho regulamentador do ano lectivo de 2013/2014 (Despacho Nº 5048-B/2013).

Todavia, há muito já começado o ano lectivo, mantém-se, em muitas escolas, o excesso de alunos com NEE de carácter permanente em turmas já de si com um número de alunos excessivos.

Isto, para além de falta de professores do ensino especial e gritante falta de auxiliares operacionais. Está, assim, em causa o imprescindível “especial” apoio socioeducativo (cognitivo, físico, comportamental, social), tanto quanto possível personalizado e em conjugação com a integração nas turmas regulares (pressuposto essencial da inclusão socioeducativa destes alunos), de que estas crianças e adolescentes carecem e lhes são garantidos por lei.

Em algumas escolas, muitos desses alunos mantêm-se, desde o início do ano (12 de Setembro), sem aulas regulares e nas devidas condições especiais de apoio socioeducativo, não se sabendo quando lhes será devidamente concretizada a regular e assídua frequência da Escola em condições adequadas às suas necessidades educativas especiais.

Tudo isso se está a verificar por todo o país (nomeadamente, no interior) neste ano lectivo do Ensino Básico e Secundário.

As consequências estão por aí bem evidentes: desestabilização psicológica, afectiva, social e educativa dos alunos (mormente dos NEE mas, também, por óbvias repercussões socioeducativas, em todos os que frequentem a escola em causa) e desespero dos pais ou encarregados de educação, dos professores e das próprias direcções das escolas.

Passados já tantos dias sobre a tal segunda-feira, o “ dia seguinte” em que tudo “estaria mais calmo”, quem é pai ou encarregado de educação de alunos com necessidades educativas especiais continua, não só como tal mas também como cidadão, mais do que sem “calma”, angustiado com os mesmos problemas que o Sr. ministro considera “amplificados”.

Tanto mais que, ter ouvido o que (não) ouviu da parte do Sr. ministro pressupõe ou uma falta de informação sobre a realidade neste domínio ou, mais preocupante ainda, uma displicência inadmissível quanto a uma questão cuja abordagem e respostas socioeducativas necessitam de especial atenção, empenhamento e responsabilidade humana e social e, portanto, necessariamente, política (no sentido eticamente elevado do termo).

Terá o Sr. ministro da Educação e Ciência, como tal, “especiais necessidades” neste domínio?

Assim, não obstante o tema deste texto seja, no campo da Educação, os alunos com necessidades educativas especiais (NEE), parece-nos mais apropriado que o título, interrogativo, possa ser: “um ministro com necessidades especiais?”