EDITORIAL 847

Os Barões da Alimentação

Os Barões da Alimentação

Custa-nos a perceber, por vezes, as razões que têm levado ao abandono da agricultura familiar e dos territórios rurais ou à substituição de extensas parcelas de terras agrícolas por monoculturas, como é o caso dos eucaliptais, sob o argumento de que, apesar de tudo, são mais rentáveis. É o que vemos com frequência na região de Lafões, situação que tem contribuído para o despovoamento, o envelhecimento demográfico e a perda de músculo económico. Dizem-nos, frequentemente, que são “razões estruturais”.

“Os Barões da Alimentação” é o título de um relatório recentemente publicado, elaborado pelo Grupo ETC (uma organização internacional da sociedade civil que monitoriza os circuitos alimentares a nível mundial), sobre a concentração do poder dos grandes grupos agroindustriais.

O relatório chama de “Barões da Alimentação” ao conjunto dos principais atores da cadeia industrial de alimentos e agricultura que dirigem e controlam cada um dos principais setores agroalimentares: sementes, agroquímicos, genética pecuária, fertilizantes sintéticos, máquinas agrícolas, produtos farmacêuticos para animais, comercialização de matérias-primas, processadores, indústria de carnes e grande distribuição.

Como é referido nesse trabalho de investigação, muitos setores agroalimentares são agora tão “pesados” que são dominados a nível mundial por apenas quatro a seis grandes empresas do setor, permitindo-lhes exercer enorme influência sobre os mercados, minando as possibilidades de desenvolvimento da agricultura familiar, da autossustentabilidade dos territórios rurais e da soberania alimentar.

A título de exemplo, o pandémico ano de 2020, trágico para a segurança alimentar e a saúde, foi de enorme crescimento para as grandes indústrias agrícolas e alimentícias, em nada interessadas no desenvolvimento da pequena agricultura ou da transição para a agroecologia que potenciaria as comunidades com as características das nossas.

É muito difícil combater este quadro que mina os direitos das nossas comunidades produzirem e consumirem os seus alimentos ou grande parte deles. Porém, não é impossível. Assistimos a uma cada vez maior consciência de setores da população sobre esta matéria. Recordemos o Chef Diogo Rocha, da nossa região, galardoado com uma estrela verde Michelin, que numa entrevista não exitou em comentar, com alguma graça, que “é muito melhor comer vitela de Lafões do que uma laranja que vem da África do Sul.”

É precisamente neste âmbito que os poderes públicos, à escala central e autárquica, podem e deviam intervir, na promoção e apoio ao desenvolvimento dos circuitos curtos, tanto na produção como na comercialização de produtos alimentares. É preciso organizar essa distribuição de forma que seja eficaz e aproveite todas as possibilidades de produção local/regional.

Seria uma boa ideia começar por privilegiar o consumo de produtos regionais/locais nas cantinas públicas, dos hospitais às escolas? E que tal lançar uma forte campanha para que as médias e grandes superfícies colocassem à venda produtos locais/regionais de forma sistemática? Estas e outras medidas do género podiam ser um grande estímulo ao incremento da nossa agricultura familiar, certamente com consequências muito positivas para agricultores, comunidades e territórios. Os efeitos na economia, na saúde e até na demografia não seriam despiciendos.

O relatório pode ser consultado integralmente em: www.etcgroup.org/food-barons-2022

13/04/2023


Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *