EDITORIAL 844

Perto de cinco mil vítimas de abuso sexual no seio da Igreja Católica – uma revelação chocante

A sociedade ficou indignada e os crentes particularmente chocados com as revelações do Relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, divulgado publicamente na passada semana. Como é referido numa nota à imprensa de grupos de leigos católicos que proveram ontem, quarta-feira, uma vigília em solidariedade com as vítimas, o referido Relatório “não pode deixar nenhum católico indiferente”.

No primeiro relatório do género divulgado em Portugal, é admitido que terá havido “no mínimo” 4.815 vítimas de abusos sexuais na Igreja, na sua maioria aconteceram em seminários e colégios e a idade média das vítimas é atualmente de 52 anos, sendo a maioria do sexo masculino.

Pedro Strecht, o presidente da Comissão Independente, referiu que 48% das vítimas que falaram à Comissão sobre os abusos de que foram vítimas, fizeram-na pela primeira vez. Significa isto que muitos esconderam ao longo de décadas o trauma de terem sido abusados. Milhares preferiram optar por viver para si a vergonha a terem de ser confrontados com o peso social e político de uma hierarquia eclesiástica que ignorou, negou e arquivou denúncias, mantendo clérigos abusadores em funções, numa atitude hostil para quem procurava informar sobre o que se passava no seio da Igreja Católica.

“À vergonha que coletivamente sentimos, junta-se a necessidade de, enquanto membros da Igreja, manifestar às vítimas e seus familiares o nosso pedido de perdão, pela passividade e omissão de vigilância, cuidado, atenção e acolhimento em que incorremos”, indica a mencionada nota dos leigos católicos.

As décadas de 1960, 70 e 80 do século XX foram as que registaram um maior número de casos de abuso sexual no seio da Igreja em Portugal, concluiu a Comissão Independente. Só recentemente, sob a pressão do Papa Francisco e dos escândalos públicos que se avolumavam em vários países, é que a hierarquia começou a ceder no lamentável defensismo corporativo, mesmo estando em causa crianças que deviam ter sido protegidas pela Igreja.

O Relatório da Comissão sugere que uma nova comissão, com novo estatuto e novos objetivos, venha a surgir  com o propósito de assegurar um canal de comunicação aberto à receção de denúncias ou testemunhos de abusos sexuais de crianças por membros da Igreja Católica.

Espera-se que, agora, os clérigos percebam a dimensão e a gravidade do problema e assumam uma atitude de claro ataque a estes crimes, não se coibindo de abordar este tema nas homilias, nas catequeses, nos encontros religiosos e junto dos mais jovens de forma pedagógica, mas muito firme, preparando-os para reagir caso se apercebam de alguma situação desse tipo.

23/02/2023


Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *