EDITORIAL 843

Quererá e precisará Francisco de um palco imperial?

Tudo o que nos tem sido apresentado sobre o Papa Francisco ao longo do seu ministério não nos sugere que tenha qualquer gosto próprio pela ostentação. A impressão que temos é que ele sabe qual o lugar da Igreja Católica, não a coloca em “bicos de pés”, preocupa-se em promover um certo ecumenismo religioso, as suas preocupações e preces dirigem-se prioritariamente para “os debaixo”, para quem está a sofrer porque é pobre, discriminado, vítima das crises típicas deste sistema, dos conflitos violentos e até dos efeitos das alterações climáticas.

Esta apreciação, reconhecida até por não católicos, torna-se contraditória com a ostentação dos preparativos dos espaços e infraestruturas para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) a ter lugar este ano em Lisboa. Por isso ter causado perplexidade e indignação na generalidade da opinião pública quando se soube dos custos envolvidos, em particular da construção de um palco-altar megalómano e do tipo imperial, e dos exageros de financiamento com dinheiro público.

Duvidamos que Francisco esteja diretamente envolvido nesse tipo de decisões, mas não passa de uma sensação pessoal. Com certeza que a hierarquia da Igreja está. Os presidentes das Câmaras (Lisboa, Loures e Oeiras) não podem deixar de o estar (a Câmara de Lisboa acabou de aprovar um empréstimo bancário para financiar as obras, o que quer dizer mais dívida) e o Governo está metido nisto até ao fundo. Perguntamos, mas por que razão o erário público, central e municipal, vai ter de entrar com milhões de euros para uma iniciativa que, sem colocar em causa o seu mérito religioso, é da exclusiva responsabilidade da Igreja, tanto na promoção como nos objetivos?

É-nos referido frequentemente que a vinda de tanta gente a Portugal para o evento trará retorno económico. Pois não sabemos, não é do conhecimento público qualquer estudo nesse sentido. Mas admitindo que haverá naturalmente um crescimento no volume da cobrança de IVA (outros dividendos serão para o setor privado que não vai contribuir diretamente para pagar a iniciativa), a questão que colocamos é simples: por que razão as anteriores edições, como no caso de Espanha, não contaram com um nível de financiamento público sequer comparável ao de Lisboa?

Esperamos que corra tudo bem durante as JMJ, mas a perturbação que está a causar é evidente e não tinha de o ser. Foi grande a insensibilidade de quem decidiu, face à situação de crise económica que vivemos e ao empobrecimento com que largos setores da nossa população estão confrontados.

Para além disso, o constrangimento que esta controvérsia provoca nos crentes, as dúvidas que este nível de financiamento público suscita num Estado laico, a revolta que provoca em quem é sensível às dificuldades que milhões de famílias atravessam e a forma deplorável como é encarado por alguns responsáveis – como um mero negócio que aproveita sempre aos mesmos – leva-nos a pensar que isto foi um grande disparate.

09/02/2023


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