EDITORIAL 723

Com o fim do verão vem o apagão

Atravessámos um dos verões mais negros da nossa memória em matéria de fogos florestais. Pelo número de vítimas e pela área ardida. Durante este período tivemos manchetes e páginas inteiras de jornais, tempo de antena em televisões e rádios, com notícias e declarações de técnicos e de políticos sobre os acontecimentos e as suas causas. Toda a gente teve direito a opinião, e bem, porque defender a floresta é coisa da cidadania e não apenas dos engenheiros florestais.

O Governo decretou, a Assembleia da República legislou. Ficou a promessa de encerrar este ciclo, por muitos designado de reforma florestal, no mês de Setembro, início da sessão legislativa.

Ficou para Setembro, início da 3.ª Sessão Legislativa da XIII Legislatura, a parte mais importante da “reforma florestal”, ou seja, a forma de gestão, que interessa sobretudo nas áreas de minifúndio, e o regime fiscal associado. Se olharmos para o calendário da AR verificamos que durante este mês estão agendadas apenas três sessões plenárias e nenhuma delas é dedicada às questões florestais. A seguir virá o Orçamento de Estado para 2018, em que os deputados se concentrarão até finais de novembro. Somos levados a crer, mais uma vez, que, com o fim do verão vem o apagão.

O apagão da memória da gravidade e da urgência da situação em que permanece a floresta portuguesa. Mais uma vez o discurso político abranda, as instituições metem os projetos nas gavetas e os órgãos de comunicação social deixam de fazer manchetes com as questões florestais. Mas o apagão atinge a Assembleia da República, o órgão máximo da nossa soberania. É grave.

Há, contudo, a registar uma entrevista feita pelo semanário Expresso à presidente das famílias das vítimas do grande incêndio de Pedrógão Grande, publicada no passado fim de semana, que, num discurso muito emocional sem perder de vista a racionalidade e as questões políticas de fundo, aponta o dedo aos sucessivos governos como os grandes culpados pela tragédia sucedida, na medida em que foram responsáveis pelo desinvestimento nas regiões do interior, no encerramento de serviços públicos que levaram à saída de muitas pessoas e ao abandono dos que teimam em ficar. Na sua opinião a verdadeira responsabilidade pelas mortes de Pedrógão Grande decorre destas políticas e para elas todos os governos têm contribuído.

Esta responsável pela Associação de familiares das vítimas, que perdeu um filho de 5 anos neste incêndio, não deixa contudo de exigir explicações para as eventuais falhas que levaram à morte de 64 pessoas e responsabilização dos autores. Quer averiguar responsabilidades mas quer também ver um novo rumo para o desenvolvimento do interior.

Está em elaboração um Programa de Revitalização do Pinhal Interior. Este programa está a ser feito pelo Governo com a participação dos sete municípios atingidos por este incêndio. Espera-se que este programa aporte uma intervenção suficientemente arrojada e inovadora que permita responder a situações urgentes de curto prazo, mas que permita organizar aquele território e promover o seu desenvolvimento económico segundo modelos que possam ser considerados exemplares e, por isso, capazes de serem disseminados para outros territórios e outras políticas.

Seria péssimo que este Programa viesse a ser apenas o resultado de um somatório do que já existe, apenas com carácter de prioridade para cumprir calendário, mas que não alterasse radicalmente a ausência de ordenamento, de financiamento público e de gestão agregada da floresta. Seria péssimo que fosse mais uma vez adiada a promoção de um espaço rural mais resistente aos incêndios, mais eficiente na produção de riqueza e no cumprimento das suas funções ambientais.

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