Crónicas do Olheirão por Mário Pereira

Responsabilidades

É um exercício muito interessante observar o modo como a nossa sociedade, nomeadamente políticos e comunicação social, reage quando ocorre uma falha num serviço público ou num serviço de interesse público gerido por privados.

A propósito do caso das infeções por legionela ocorrido, há meses, no Hospital de S. Francisco Xavier ouvimos de tudo e parecia não ter fim o caudal de notícias e comentários nos jornais e televisão.

A situação seria tão grave que os partidos da direita chegaram a pedir a demissão do ministro da saúde, pois estaríamos perante a falência dos hospitais públicos.

Perante um surto similar de legionela no Hospital CUF Descobertas em Lisboa não houve nenhum alarido e as notícias tiveram um sentido em geral tranquilizador, de tal modo que nem ficamos a conhecer as vizinhas das pessoas infetadas, pois nenhum canal de televisão achou o caso, suficientemente, interessante.

Também já vimos, ouvimos e lemos um sem número de críticas ao governo sobre o modo como tem gerido a reconstrução das habitações destruídas nos incêndios, mas foi preciso chegarmos a fevereiro para ouvir e ver as primeiras críticas no Parlamento e nas Televisões ao modo como a PT/Altice tem tratado da reposição dos serviços telefónicos nas aldeias e vilas afetadas.

Outro exemplo recente foi o caso da poluição no rio Tejo. Muitas críticas foram feitas ao governo por não evitar a poluição, mas não vi nos jornais ou nas televisões nenhuma investida contra as empresas poluidoras.

Os jornalistas, incompreensivelmente, ficaram satisfeitos com um comunicado de uma das empresas, limitando-se a colocar questões ao Ministério do Ambiente.

A propósito dos rankins das escolas lá veio ao de cima a tentativa de valorizar as virtudes das escolas privadas.

A coisa foi de tal modo que até a pessoa responsável por um dos colégios sentiu necessidade de explicar ao jornalista que naquela escola quase todos os alunos eram filhos de pais licenciados e portanto era normal que os resultados fossem melhores do que nas escolas onde andam os pobres.

Também já vi políticos de direita (quando estavam na oposição) protestarem alto e bem contra o encerramento de alguns serviços públicos e que agora quando os CCT encerram estações se limitam a dizer que se trata de um empresa privada e não gostam de interferir na gestão das empresas privadas…

Há uma grande e justa indignação porque a Caixa Geral de Depósitos cobra comissões caras, mas é pacífico que os bancos privados cobrem as comissões que entendem.

Mais do que uma vez, já ouvi pessoas muito zangadas porque foram ao centro de saúde e tiveram de esperar uma hora e que logo a seguir dizem, com um tom tolerante, que há dias foram a um médico privado e tiveram de esperar duas horas pela consulta.

O raciocínio é basicamente o seguinte: no centro da saúde demoram porque são incompetentes enquanto o médico privado se atrasou porque é muito bom e anda muito ocupado.

Este tipo de raciocínios interessa obviamente aos interesses privados, mas acarreta enormes prejuízos para os cidadãos e para nossa vida social.

Sinto que é quase uma heresia o que vou dizer, mas acredito que é necessário defendermos os serviços públicos sem deixarmos de ser exigentes, mas também é necessário ter o mesmo nível de exigência para com as empresas privadas que fazem negócios com bens públicos, como a saúde, as comunicações, a eletricidade ou a água.

Não gostaria de pensar que o facto das empresas de comunicação social viverem da publicidade paga pelas empresas privadas tem algo a ver com isto, mas não me parece boa ideia tornar os partidos dependentes de donativos das empresas, pelo menos se quisermos que eles se concentrem na defesa dos interesses de todos nós.

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