Crónicas do Olheirão por Mário Pereira

Nada raro

Escrevo na sequência do escândalo com a associação Raríssimas, para dizer que os problemas naquela associação têm uma origem comum a casos similares ocorridos noutras áreas da sociedade.

O grande problema daquela associação foi a falta de funcionamento dos seus órgãos sociais e, regra geral, isso acontece sempre quando há problemas nas IPSS ou nas empresas.

Lembro-me de um administrador não executivo do BES que assumiu ter recebido uma avença, ao longo de vários anos, mas que nunca viu nada nem disse nada e que nem sequer lhe perguntaram nada. Enquanto isso o Dr. Ricardo Salgado punha e dispunha.

Mais espetacular é o caso da PT, em que parece ter sido o porteiro que entregou mil milhões de euros ao BES. O Conselho de Administração nunca discutiu este assunto, acabaria de enterrar uma das maiores empresas do país.

No setor social como noutras áreas, nomeadamente na política, a democracia, o bom funcionamento dos órgãos e a transparência são a melhor prevenção para estes fenómenos.

Os partidos políticos deveriam dar o exemplo assegurando que as suas estruturas locais têm um funcionamento participado e democrático, o que está muito longe de ser regra geral.

Também, em todos os setores encontramos entidades, que como a Raríssimas, são imagens muito bem construídas mas que na realidade não têm substrato.

Nesta discussão há também uma duplicidade moral notável. Tenho visto pessoas do povo mas também muitos ilustres escandalizados com as regalias da D. Paula, mas já vi algumas dessas pessoas defenderem o salário do Dr. Mexia na EDP.

O argumento é que a Raríssimas é IPSS que recebe dinheiro do estado.

Eu aposto que somadas todas as parcelas a EDP recebe do estado mais do que todas as IPSS. Só os lucros da EDP são metade do valor de todos os contratos do estado com as IPSS e Misericórdias.

A Raríssimas é também sintoma das fragilidades das nossas elites. Impressiona ver como a D. Paula conseguiu envolver tantas pessoas com elevada formação e grande experiência de vida.

Ela tinha um filho com uma doença rara e tentou criar uma associação para que ele e outros tivessem melhor apoio, mas rapidamente terá percebido que seria mais fácil se envolvesse muitos notáveis com influência na política, na sociedade e na comunicação social.

O rol de personalidades que se envolveram nesta associação vai desde a esposa do antigo Presidente Cavaco Silva, à rainha de Espanha e oa ministro Vieira da Silva! O que do ponto de vista dos interesses da Raríssimas foi um trabalho notável.

Por ter alguma ligação a esta área, conheço projetos que fazem um trabalho muitíssimo melhor que sobrevivem com muitas dificuldades e nunca conseguiram atrair a esposa de um presidente da república ou personalidades da política e da finança.

Há casos de verdadeiros roubos feitos por banqueiros que não mobilizaram tanta atenção A reação de alguns jornalistas e outras diversas personalidades parece-me desproporcionada face à gravidade do caso. Muitas dessas reações parecem mais próprias de quem se sente traído na confiança que depositou na D. Paula.

Este é um exemplo de projetos na área social que investem mais em parecer importante do que no trabalho duro do dia-a-dia. Eu já começo a desconfiar, quando entro numa IPSS ou numa empresa e vejo as paredes cobertas com fotografias dos seus dirigentes (regra geral é sempre o mesmo que aparece nas fotos) e placas a celebrar as sucessivas visitas de ministros e presidentes, às vezes são tantos que os secretários de estado já nem têm direito a placa.

O problema da presidente da Raríssimas foi que as coisas iam correndo demasiado bem e sentindo-se protegida ao mais alto nível deslumbrou-se deixando de ter os cuidados mínimos.

Agora, que as coisas lhe correm mal, parece que ninguém a conhece e não faltam praticantes do desporto bem português: bater em quem está caído.

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