Crónicas do Olheirão de Mário Pereira

A quente

Escrevo no fim de semana da grande tragédia que foi o fogo de Figueiró dos Vinhos e Pedrogão Grande.

Escrevo a quente e com um misto de tristeza e de raiva, porque sinto que a responsabilidade do que aconteceu é de todos nós. A culpa poderá ter sido da trovoada e das condições atmosféricas particularmente adversas.

Para além da culpa há responsabilidades. Todos nós somos responsáveis, seja por atos ou omissão.

Desde os que estiveram no governo e aos deputados dos distritos, onde desde há cinquenta anos se sucedem os fogos florestais, que nunca foram capazes de assumirem uma posição atenta e pro-ativa sobre esta questão.

Não sigo com particular atenção a atividade dos nossos deputados, mas tenho a certeza que os deputados dos distritos de Viseu, Aveiro, Leiria, Vila Real, Viana do Castelo, Guarda e Leiria nunca se reuniram para forçarem uma discussão desta questão ao mais alto nível

As leis que se fizeram têm sido feitas a pensar no rendimento da floresta e sem pensar na vida dos que vivem nas regiões assoladas pelos fogos florestais.

Responsabilidade é também das câmaras municipais muito prontas a fazerem regulamentos mas pouco determinadas em fazê-los aplicar.

A responsabilizar é também do aparelho de combate aos fogos que só é ativo no Verão

A responsabilidade é também dos inúmeros proprietários que não cuidam da limpeza das florestas muitas vezes nem sequer dos terrenos contíguos às habitações.

Desconfio que esta tragédia ainda não vai ser suficiente para que nós, enquanto país, sejamos capazes de fazer e de aplicar um plano de proteção da floresta e das pessoas que vivem nas áreas florestais.

Muitos de nós, achamos ridículo o Presidente Trump não acreditar nas alterações climáticas e ter abandonado o Acordo de Paris, mas nós, que dizemos acreditar, não somos capazes de ver os seus efeitos concretos nos locais onde vivemos.

Na nossa região de Lafões as várias mudanças ocorridas nos últimos 50 anos levaram a que se tenha esbatido a separação entre a floresta e as aldeias e mesmo as vilas e isto era muito mais acentuado na zona deste grande incêndio.

O fim da agricultura tradicional levou a que muitos campos tenham sido abandonados e hoje estejam cheios de árvores, do mesmo modo que as orlas de terrenos incultos que existiam entre as aldeias e a floresta também desapareceram, acabando as áreas naturais de contenção dos incêndios.

Cada um de nós tem certamente muitas ideias para diminuir os riscos e a dimensão dos fogos florestais, mas o que precisamos é que o Ministério da Agricultura selecione os seus melhores técnicos, que convide os melhores comandantes de bombeiros, mais alguns presidentes de câmara das áreas mais castigadas pelos fogos, convoque a meia dúzia de professores e investigadores universitários que têm estudado estas questões e os feche num hotel durante o tempo que for preciso para elaborarem um plano nacional.

A seguir ponham esse plano em discussão pública, envolvendo a população, os bombeiros, as câmaras, a indústria e os deputados e transforme-se o resultado dessa discussão num Plano Nacional a 20 anos integrando as vertentes do ordenamento, da prevenção e do combate.

A finalizar criem-se o suporte legal e meios financeiros adequados, de modo a que o Plano seja mandatório para o estado, para as câmaras, para os bombeiros e a proteção civil, para os proprietários e para a indústria ligada à floresta.

Isto nem sequer seria uma coisa muito inovadora, pois os vários partidos já conseguiram unir-se para fazer um Plano Rodoviário Nacional, que sobreviveu e foi aplicado por todos os governos durante dezenas de anos.

Sem um Plano de ordenamento coerente e aplicado com determinação continuaremos a lamentar tragédias.

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