Coisas e Gente da Minha Terra por NAZARÉ OLIVEIRA

O Levantamento Popular de Arcozelo

Cénico – Grupo de Teatro Popular (S. Pedro do Sul) da rábula de Jaime Gralheiro “O Levantamento Popular de Arcozelo” evento na Quinta da Comenda

Na minha crónica de 29 de Outubro passado, a propósito do espectáculo Lafões é um Jardim, levado à cena pelo Cénico-Grupo de Teatro Popular de São Pedro do Sul, fiz referência ao Levantamento Popular de Arcozelo, que divulguei em artigo publicado na Tribuna de Lafões, em 1983.

Coube ao Prof. Doutor António de Oliveira, da Universidade de Coimbra (não confundir comigo, dado que temos o mesmo nome) o mérito de ter dado a conhecer este importante facto histórico, com a publicação do auto de levantamento (in Revista Portuguesa de História, Coimbra, 1977, vol. XVI). Eu limitei-me a divulgá-lo em terras de Lafões. Agora, vou recordá-lo.

ARCOZELO é uma freguesia do concelho de São Pedro do Sul, à entrada da então Vila, quem vem de Viseu. Ali ficava — e fica — situada a QUINTA e CASA DA COMENDA. Arcozelo era um dos coutos da COMENDA DE ANSEMIL, pertencente à Ordem de Malta.

Corria o ano  de 1635. Portugal estava sob o domínio de Espanha. O governo procurava por todas as formas obter receitas e fez o que sempre fazem os governos nestas circunstâncias: impôs ao povo, já sobrecarregado pela carga fiscal, o pagamento de um donativo cuja cobrança nem sempre foi fácil ou até nem se fez, como aconteceu em Arcozelo e outras aldeias vizinhas. Ao tempo, era Comendador Frei Pedro de Araújo que na Casa da Comenda vivia juntamente com alguns familiares, entre eles um filho bastardo chamado Pedro Lobato e um irmão Gaspar Lobato.

Em Julho de 1635, o Corregedor de Viseu mandou proceder à cobrança do imposto decretado. Tudo correu bem em terras de Lafões, excepto em Arcozelo e outras aldeias da Comenda. O Corregedor havia previamente mandado notificar os moradores. Quando o enviado do Corregedor chegou a Arcozelo, o Povo, tendo à frente o Comendador, prendeu-o, queimou o mandato e recusou pagar. O mesmo aconteceu a um segundo enviado, que foi preso num curral de bois cuja porta foi trancada com pedras.

O Corregedor deslocou-se então a Arcozelo com seus officiães, a fim de dominar a rebelião e cobrar o donativo. E chegando ontem a este ditto lugar — diz o auto — mandou lançar pregão pelo ditto porteiro da correição que nenhuma pessoa saisse pella manhãa de sua casa porquanto tinha que fazer com elles o pedido do donativo, e indo elle corregedor oje 26 de Julho pela manhãa para o ditto efeito correndo as portas de todos elles não achou nenhum em casa e as portas fichados por fora e muitas dellas também trancadas por dentro, e abrindosse algumas portas sairão molheres de dentro. E o mesmo aconteceu nos cazais do Outeiro.

Quanto aos homens, nenhum apareceu. Pelos outeiros e caminhos, tinham deixado espias que vigiavam o Corregedor, que apenas os viu de longe, capitaneados pelos Lobatos, armados de espingardas. Os restantes estavam barricados na Casa da Comenda. Para ela se dirigiu o Corregedor, mas encontrou as portas trancadas. Apenas numa janela apareceu uma mulher que foi encarregada de intimar Gaspar Lobato a comparecer numa ermida próxima, para onde o Corregedor foi redigir os autos. Na ermida o visitou um clérigo da Comenda. Em vão tentou o Corregedor que todos os homens ali se dirigissem para fazerem o pagamento do donativo. A resposta foi que se dirigisse ele, Corregedor, à Casa da Comenda. A prudência do magistrado não lhe permitiu aproximar-se da caza da ditta comenda que he caza forte e de guerra com muitas seteiras no alto e no baixo para dahi ofenderem, e se defenderem”. E porque elle corregedor não se achava com gente capaz em numero para o prender nem seu officio era mellitar senão o de justiça, não teve o Corregedor outro caminho que não fosse regressar a Viseu, sem fazer a cobrança. Tudo consta do auto de levantamento.

O Levantamento Popular de Arcozelo começou por ter um carácter espontâneo para depois se tornar organizado e comandado pelo Comendador. Insere-se no clima de descontentamento contra o governo e domínio filipino que grassava por todo o reino e vai ganhar maior amplitude com os motins de Évora em 1637, culminando com a Revolução do 1º de Dezembro de 1640, que restaurou a independência.

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