Carmo Bica e António Bica

A actual crise da economia Neoliberal – 2

A solução para o bom funcionamento do sistema económico não pode ser outra senão o ajustamento permanente entre a oferta e a procura por distribuição de rendimentos suficientes para compra das mercadorias postas no mercado à medida do crescente desenvolvimento tecnológico. Para isso é necessário fazer diminuir o tempo semanal de trabalho de modo a acompanhar o desenvolvimento tecnológico e o consequente aumento da produtividade do trabalho, para que todos os que precisam e querem trabalhar tenham emprego e disponham do poder de compra necessário para adquirir as mercadorias postas no mercado. Desse modo tenderá o desenvolvimento tecnológico a ser compensado pela diminuição do tempo de trabalho semanal para que o desemprego não aumente e sejam distribuídos rendimentos suficientes para que as mercadorias postas no mercado tenham procura.

Porque todos precisam de abrigo e subsistência, que são necessidades básicas de cada indivíduo, esforçam-se por adquiri-los. Adquirem-nos normalmente pelo trabalho pessoal, embora também pelo apoio de familiares, de outros indivíduos, ou da sociedade. Por isso não pode cada colectivo humano deixar de assegurar trabalho a todos os seus membros, desde que possam e queiram trabalhar, que nela há sempre trabalho a fazer; nem de dar apoio aos que não podem trabalhar por idade ou falta de saúde.

Não será economicamente racional, para assegurar trabalho a todos os que querem e podem trabalhar, impedir ou dificultar à entidade empregadora pública ou privada a resolução do contrato de trabalho se as razões forem económicas ou laborais, pagando razoável indemnização ao trabalhador despedido de acordo com a lei. É desejável assegurar a máxima flexibilidade à gestão das empresas públicas ou privadas, incluindo a de pôr fim à relação de trabalho, desde que não seja por abuso ou desvio de poder e os trabalhadores não fiquem sem rendimento suficiente para viver.

A solução mais racional de combate ao desemprego, como acima foi defendido, é a redução do tempo semanal de trabalho proporcionalmente ao aumento da eficiência média do trabalho decorrente do cada vez mais acelerado desenvolvimento tecnológico. Mas, havendo desemprego, aos desempregados e aos que procuram o primeiro emprego deverá o poder público, através de empresas locais de trabalho social, proporcionar, em primeiro lugar, adequada formação profissional de modo a mais facilmente encontrarem emprego, e, em segundo lugar, trabalho em actividades socialmente úteis na área da sua residência. Terão que ser actividades não competitivas com as económicas concorrenciais voltadas para o apoio a organizações não lucrativas nomeadamente com fins de defesa ambiental, de apoio a crianças, idosos e doentes, a prática desportiva geral, a acção cultural, a necessárias ou úteis actividades autárquicas quando as autarquias não dispuserem de trabalhadores próprios ou orçamento para as desenvolver e outras semelhantes.

É humanamente mais dignificante para os desempregados e os que procuram o primeiro emprego melhorar a sua formação profissional ou fazer trabalho útil na área da economia social, recebendo em ambos os casos razoável remuneração em função do nível médio da riqueza gerada pelo país, do que estar inactivos, recebendo subsídio precário de desemprego, sofrendo a instabilidade de vida e a desconsideração social correspondentes. Por outro lado é razoável e desejável que os cidadãos, que podem e querem trabalhar e não encontram conjunturalmente trabalho no mercado correspondente, produzam bens, nomeadamente serviços, úteis ao colectivo que integram em actividades não concorrentes com as económicas, sendo por isso remunerados, embora talvez um pouco abaixo do que recebiam ou receberiam para estimular a procura de reinserção ou inserção no mercado de trabalho.

Além disso, secundariamente, esta solução será a mais eficaz barreira às significativas fraudes praticadas para recebimento indevido de subsídio de desemprego e de reinserção social, porque, sempre que é reconhecido aos indivíduos direito a receber prestação sem retribuírem por contrapartida proporcional, parte significativa busca maneira de defraudar em proveito pessoal os fins para que esse direito foi criado.

Se for assegurado aos desempregados, que procuram emprego e aos que buscam o primeiro trabalho, melhorar a sua capacidade de trabalho e, secundariamente, emprego em actividades locais socialmente úteis, a sociedade garantirá maior estabilidade social e emocional aos cidadãos, evitará fraudes sempre criadoras de reprovação social e política e que os efeitos negativos sobre a economia da redução geral do poder de compra por desemprego se reflictam sobre o sistema económico tão pronunciadamente como actualmente acontece por redução geral da procura de bens.

Aos que por razões de saúde ou idade não podem trabalhar não pode deixar de ser assegurado rendimento adequado, tendo em conta, quanto aos que trabalharam anteriormente, o tempo de trabalho e as contribuições correspondentes que houverem pago para o sistema de protecção social e, quanto aos restantes, justa proporção com a produção do conjunto do colectivo correspondente.

Há quem defenda que melhor se combateria a carência de rendimentos atribuindo a todas as pessoas rendimento mensal fixo de valor superior ao limiar de pobreza sem contrapartida de trabalho. Esse rendimento seria universal, isto é pago a todos os cidadãos que declarassem precisar dele e o requeressem independentemente de prévia verificação do seu rendimento pessoal, sendo pago por crédito em conta bancária própria. Substituiria todos os outros actuais apoios em dinheiro destinados aos cidadãos mais carenciados. Desse modo, defendem, se eliminaria o risco de fraude na sua atribuição.

Admitindo a fixação desse rendimento em Portugal no valor do salário mínimo, que é de 530 € em 2016, e a atribuição dele a todos os maiores de 18 anos, é estimável em 46.560.000.000€ o encargo público correspondente, considerando-se beneficiários 8.000.000 de cidadãos com mais de 18 anos. Estimando-se o PIB português em 2016 em cerca de 170.000.000.000 €, o encargo público corresponderia a cerca de 30% do PIB, o que parece incomportável. Sendo o rendimento atribuído apenas a requerimento e por necessidade e autorizando os requerentes o acesso a todos os registos fiscais, bancários e outros registos indicadores do seu rendimento pessoal e dos membros do seu agregado familiar, talvez o número de beneficiários não ultrapasse em Portugal 30% dos 8.000.000 cidadãos. Nesse caso o encargo público baixaria para cerca de 15.264.000.000 € continuando a ser encargo excessivo.

Mesmo que significativa parte dessa despesa viesse a ser recuperada pelo sistema fiscal se o correspondente rendimento individual fosse sujeito a sistema especial de tributação, por exemplo taxando-o autonomamente em percentagem significativamente crescente até chegar aos 100% no caso de o seu montante acumulado a outros rendimentos pessoais ultrapassar talvez 500 € por mês por cada pessoa do respectivo agregado familiar, é de admitir que a recuperação por via fiscal não viesse a ser suficiente para tornar o encargo público sustentável.

Esta forma de distribuição de rendimentos tem vindo a ser defendida nomeadamente por Philippe van Parijs no LE MONDE de 16/3/2012. É sistema de apoio social a considerar e estudar por ter o mérito de tender a eliminar com eficácia a pobreza resultante de ausência de rendimentos ou demasiadamente baixos, embora se entenda que o melhor modo de o conseguir é o acima defendido de actividade em empresas locais de trabalho social.

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