Carlos Vieira e Castro

Instituto Liberal, entre a tradição e a renovação

O Instituto Liberal de Instrução e Recreio foi fundado, em Viseu, no início de 1904, nos prenúncios da República. Logo nesse ano, a Direcção deliberou abrir uma escola de instrução primária, aplicando o método de João de Deus, tendo-a designado por Escola Alves Martins, em homenagem ao grande liberal progressista que foi bispo de Viseu. Esta escola seria encerrada por ordem da administração monárquica, em 1908, como retaliação por o Instituto ter acolhido no segundo andar do seu edifício a sede do Centro Republicano de Viseu, provavelmente nesse mesmo ano, (o também denominado Centro Democrático foi inaugurado em 30 de Janeiro de 1905, na Rua do Arco, com a presença de Bernardino Machado, que viria a ser Presidente da República, e em 1907 já tinha alterado a sede para a Rua Detrás do Colégio) e por ter incorporado, em 1907, a homenagem de Viseu a Bernardino Machado, só reabrindo após a revolução de 5 de Outubro de1910.

Um dos fundadores mais entusiastas do Instituto Liberal foi Alberto Sampaio (1874-1904), tipógrafo (trabalhou na Tipografia Central, nas Escadinhas da Sé), sindicalista e jornalista (fundador, em 1898, do jornal republicano e socialista “A Voz da Oficina” – “Órgão do Operariado Viseense”, onde a denúncia de injustiças o levou a ser processado e condenado duas vezes por “abuso de liberdade de imprensa”). Foi ainda colaborador do jornal “A Voz da Verdade” e escreveu a peça de teatro “O Libreto do Operário”, representada no Teatro Viriato, durante as comemorações do 1º de Maio de 1903. Veio a falecer prematuramente, vítima da tuberculose, em 29 de Março de 1904, não tendo chegado a assistir à inauguração oficial do Instituto a 8 de Dezembro desse ano.

Outro sócio ilustre foi o professor e poeta Carlos de Lemos. Sua mulher, Beatriz Paes Pinheiro de Lemos, foi uma entusiasta defensora dos direitos das mulheres, numa época muito dominada pelo machismo, apesar dos ideais da “igualdade, liberdade e fraternidade” (para os homens), e numa cidade conservadora e pequeno burguesa, com uma estrutura social esmagadoramente patriarcal. A admissão de mulheres como sócias do Instituto Liberal só foi estatutariamente permitida em 2005, mas até há poucos meses, as únicas mulheres que eram vistas a entrar no nº 58 da Rua Direita, onde esteve sediado até há pouco tempo, eram as esposas e as filhas dos sócios que participavam nas festas e bailes da colectividade (o Instituto Liberal foi a única instituição viseense autorizada pelo Estado Novo a realizar um baile – o baile da Micarene – durante a Quaresma) ou as funcionárias e cozinheiras que preparavam as famosas “migas do Instituto Liberal”, num jantar oferecido aos sócios na terceira quinta-feira da Quaresma, para o qual tradicionalmente são convidados representantes do Poder Local.

No passado dia 22 de Março realizou-se mais um jantar de migas, não já na sede da Rua Direita, de onde foi obrigada a sair devido à acentuada degradação, nem tão pouco na nova sede no Centro Comercial Académico, pela exiguidade do espaço, mas na Escola Profissional Mariana Seixas, agora também a funcionar na Rua Direita, no Solar dos Treixedos (propriedade do Montepio Geral), onde se juntaram algumas dezenas de sócios, familiares e amigos.

As migas do Instituto Liberal são um prato exclusivo desta instituição, cuja receita, secreta ou quase, é atribuída a uma Dona Lídia, que a terá passado, há cerca de meio século, à sua ajudante de cozinha, Maria Carminda Ferreira, que, por sua vez, a passou ao filho, João de Almeida Costa, que há mais de vinte anos ajuda a mãe a preparar as migas, e agora é ajudado pela esposa, Fernanda de Oliveira, e pela irmã, Rosa Maria Soares. Estas migas são uma saborosa papa de carnes desfiadas, banha de porco, couves, hortelã, colorau e piri-piri, comidas à colher. Há gente que se inscreve como sócio só para ir comer, uma vez por ano, as “migas do Instituto”.

Mas o melhor prato da noite foi a actuação do Grupo Coral do Instituto Liberal de Instrução e Recreio, uma formação de canto “a capella”, misto (sete homens e oito mulheres), dirigida por António Teles. A criação deste grupo coral deveu-se ao forte impulso de Carlos Correia, responsável pela dinamização cultural e desportiva (organização de torneios de jogos de salão) do Instituto e, segundo a intervenção do presidente da Assembleia Geral, Elísio Lourenço, tem ajudado a recuperar a influência que o Instituto tem perdido na cidade, devido à saída da Rua Direita, apesar do esforço de renovação do actual presidente da Direcção, Nelson Loureiro.

O presidente da Junta de Freguesia de Viseu, Diamantino Santos, reconheceu, na sua intervenção, a necessidade de o Poder Artárquico apoiar a pretensão do Instituto Liberal regressar ao Centro Histórico de que foi um ícone.

Na verdade, o Instituto Liberal de Instrução e Recreio deve ser considerado um património

sócio-cultural e histórico do concelho de Viseu (e não só do seu centro histórico), que urge ajudar a preservar e dinamizar.

Não posso terminar sem deixar uma referência aos livros e textos de onde recolhi alguns dos elementos históricos desta crónica: o livro “Viseu, Roteiros Republicanos”, de António Rafael Amaro e Jorge Adolfo Marques; “A Rua Direita, em Viseu: importância histórica, património e memória desta artéria”, de Paula Cristina Cardoso Ferreira, na Universidade Aberta; e o artigo de Humberto Liz, publicado no Jornal do Centro, em 27.04.2007, “Comemorando a Morte de Alberto Sampaio (parte III)”.

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